Tuesday, September 7, 2010

A BAHIA DAS CANDIDATURAS CONJUGAIS


            Há poucos dias fiz circular um texto no qual apresentava o meu primeiro critério para a eliminação de candidatos nas eleições de 03 de outubro. Na oportunidade, fui categórica ao afirmar que abomino as candidaturas hereditárias. Agora volto à cena não para negar o já dito, mas para apresentar o meu segundo critério de eliminação: abaixo as candidaturas conjugais!
Poderia ser uma piada, mas não é. Ao lado das candidaturas hereditárias, as nada discretas candidaturas de alcova despontam no cenário político baiano. Com a diferença de que essa segunda modalidade é mais, digamos, “democrática”. Afinal, pode ser encontrada em coligações diferentes, unificando, em torno da estratégia do “vote em meu cônjugue/ minha consorte”, figuras políticas da direita, da pseudoesquerda e do centro (se é que ainda se pode trabalhar com essas categorias separadamente). No âmbito dos partidos com histórico de enfretamento à direita muitos quadros já foram limados em nome da imposição conjugal. Quando isso começou a ocorrer – claro, ao lado de outras posturas antidemocráticas – a pseudoesquerdice floresceu.
            Ditas essas coisas é bom prestar atenção que, na modalidade das candidaturas conjugais, por vezes o mote é o investimento no “novo” associado ao discurso de gênero, “potencializando” a participação da mulher na política. No entanto, basta uma rápida análise para que o (e)leitor perceba o engodo discursivo, até porque muitas dessas candidatas encenam uma fala sem voz, já que a apresentação de propostas e justificativa para a candidatura é verbalizada por seus esposos, maridos, conjugues, “companheiros”.
Nesse emaranhado político acho desnecessário citar nomes. Com os nomes ofuscados e a provocação do debate, a nossa curiosidade fica acentuada e, inevitavelmente, como (e)leitores - condição que ultrapassa o caráter de meros votantes -, passamos à identificação das candidaturas que se enquadram em tal perfil.
Nas candidaturas conjugais o (e)leitor atento também irá perceber uma estratégia de “ventiloquia” protagonizada por experientes lobos cinzentos para se perpetuar no poder e imaginário eleitoral. O caráter “inovador” e mais útil, obviamente, reside na utilização da fidelidade conjugal em substituição à fidelidade partidária. E se após o pleito, já com a eleição garantida, houver algum desentendimento entre as partes, bonecas/os e ventríloquos esperam que o eleitor não reclame, afinal, tem-se o dito popular para ensinar que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.
            Eu defendo que nós, (e)leitores, passemos a combater o desenvolvimento desses tentáculos conjugais na política. Até porque, com a ascensão das candidaturas de alcova, os  lobos cinzentos experimentam a sensação de ocupar vários espaços ao mesmo tempo, utilizando as figuras (sem autonomia) dos cônjugues como suas devidas extensões. Isso nada tem a ver com militância política, mas com o desejo de conter adversários dentro das próprias legendas e, como não poderia deixar de ser, a necessidade e o incontrolável desejo de reter o poder. Psicanálise pouca é bobagem...

Daniela Galdino é doutoranda em Estudos Étnicos e Africanos – UFBA, professora da rede pública e professora visitante da Uneb.



Monday, September 6, 2010

A BAHIA DAS CANDIDATURAS HEREDITARIAS


            Na Bahia das eleições de 2010, para um (e)leitor atento, ao serem analisados os materiais de campanha, provavelmente a máxima que impera, seja: “em nome de meu pai”. Obviamente eu não me refiro aos candidatos vinculados a grupos cristãos neopentecostais. Basta um mínimo de esforço, uma gota do exercício de leitura crítica dessa enxurrada de imagens eleitorais, para que se perceba o investimento no “novo”, estratégia experimentada por velhas raposas do cenário político.

            Bem, essa aparente oxigenação do quadro político esconde, em verdade, uma estratégia para se manter no poder. Trocando em miúdos, estou fazendo referencia à profusão de “juniores” e “netos” que caracteriza o atual cenário eleitoral e se espraia pelas candidaturas a Deputado Federal, Deputado Estadual e - é preciso prestar muita atenção - à Suplência do Senado.

           Em nome de uma atuação política a longo prazo, as velhas raposas afirmam contribuir com a formação de novos quadros, mas, para isso, lançam mão de “alianças genéticas”, delegando aos seus filhos e netos a tarefa de levar à frente o cajado do seu “legado político”. As “alianças genéticas” são úteis em dois sentidos: podem desviar a atenção dos possíveis candidatos com ficha suja, e também podem servir para caracterizar os bonecos de luxo que irão encenar com base nos comandos de ventríloquos altamente experientes.

            Resta a nós, (e)leitores, o exercício de rememoração. Afinal, algumas raposas, agora transmutadas na “ventriloquia”, já protagonizaram, em passado recente, manobras radicais nos quesitos desvio de verbas públicas, sucateamento da educação, esquemas de propina e outros fatores antidemocráticos. Mas, como disse, o investimento no “novo” contribui também para alimentar o cidadão com imagens pretensamente revigorantes, provavelmente para, como sobremesa, servir, em taças delicadas e porções adequadas, o esquecimento. Esquecimento esse que, claro, vai permitir às raposas a permanência no imaginário eleitoral – tudo regado a campanhas caríssimas e com o toque de “qualidade” dos marketeiros.

            Considerando essas questões todas já tenho uma certeza para o dia 03 de outubro: vou utilizar critérios para a eliminação de candidatos. E o meu primeiro critério será: não às candidaturas hereditárias. Quem conhece a historia política baiana entende bem o que estou dizendo...

Daniela Galdino. Professora da UNEB, Doutoranda em Estudos Étnicos e Africanos pelo CEAO/UFBA, Professora da Rede Estadual da Bahia.





A Globo e seu TOC (ou a remasterização obsessiva das representações desqualificantes)

Em A negação do Brasil (documentário datado de 2000), Joel Zito de Araújo enfatiza, de maneira contundente, o espaço conferido ao negro pela televisão brasileira, ou seja, o lugar da inferioridade. Seja por meio das telenovelas ou minisséries, o que se vê ao longo do período que engloba a década de 60 até 90 é exatamente a “remasterização” das principais imagens difundidas ao longo de séculos pelo discurso colonial e seus principais tentáculos – religião, ciência, política.
Seja pelo signo da inferiorização moral e intelectual, passando pela retomada da violência simbólica e física que marcou o tratamento do corpo negro no contexto colonial, a denúncia fundamental do referido documentário reside no seguinte: o discurso da teledramaturgia pouco contribui para desvelar o racismo que marca as tensas relações sociais no Brasil. Ao contrário: a TV, por meio da articulação de especialistas da violência simbólica, retoma esquemas que remetem às estratégias de desqualificação do negro na sociedade brasileira (para ficarmos somente na estrutura dessa nossa sociedade que se pensa democrática).
Quando a questão racial, no contexto televisivo, se cruza com a de gênero, as representações desqualificantes se acentuam, afinal, argumenta-se que a mídia dialoga com o imaginário brasileiro. À mulher negra, no mais das vezes, é associado um sistema de estereotipias, sendo duas as principais imagens: a empregada doméstica submissa ou alcotiveira; a criatura excessivamente sexualizada, que não consegue ultrapassar a condição imposta pelo domínio exclusivo dos instintos. Em ambos os casos, o pêndulo televisivo oscila sob o peso do racismo, pois em nada se afasta da formação discursiva colonial.
De joelhos, Helena retoma uma cena reccorente
Em tempos de ações afirmativas no Brasil, localizados num século ainda “cheirando a leite”, presenciamos mais uma investida num formato de telenovela que vem se consolidando no famigerado horário nobre. Ou seja, novamente a Rede Globo concede ao escritor Manoel Carlos um espaço de destaque em sua programação. Nesse sentido, elementos como a bossa nova, a paisagem carioca da zona sul ou do balneário de Búzios, o cotidiano da classe média (média alta) e, claro, a retomada do ícone da personagem “Helena” são fundamentais para a difusão de uma trama que, se acredita, “dialoga de maneira eficiente com a audiência”. A novidade, na já concluída telenovela “Viver a vida”, foi o protagonismo negro associado à figura da Helena. Tivemos, então, a atriz Thais Araújo interpretando uma mulher que ocupava espaços elitizados, seja pela atividade profissional exercida (modelo internacional), seja pelo padrão de consumo que a sua condição proporciona e, como não poderia deixar de ser, o trânsito desenvolto que faz o Rio de Janeiro (da zona sul) aproximar-se de Paris (numa rapidez e simplicidade, como não poderia deixar de ser).
Associando-se a telenovela “Viver a Vida” ao conjunto de produções analisado por Joel Zito de Araújo, pode-se pensar que há um significativo avanço na forma de inserção do negro na TV. No entanto, violência subsumida no capitulo exibido em 17/11/2009 restaura a polêmica. Aquela altura da trama, a Helena já estava em sua “temporada no inferno”: sofria o drama psicológico da culpa associada ao trágico destino da sua colega de passarela (a personagem Luciana, representada por Alinne Moraes). Para representar esse sentimento, obviamente a produção investiu numa caracterização degradante da personagem, muito distante do glamour que marcou a sua aparição até então.
No entanto, o que chamou a atenção foi justamente a cena em que a personagem Helena, de joelhos diante de Tereza (Lilia Cabral), assumiu toda a responsabilidade pela desgraça familiar. A cena permitiu uma retomada da estrutura muito comum às ditas “novelas de época” que retratam a subserviência negra diretamente associada à autoridade de um mandatário que não poupa esforços para ratificar a segregação, o distanciamento, a assimetria das relações raciais. Desprovida de graça, e o pior, mergulhada num típico figurino da slave colection, Helena irmana-se com a legião de mucamas e afins que sofrem o peso da sujeição. Aqui inauguro ironicamente o termo slave colection para apontar uma forma previsível de caracterizar a presença negra na televisão, ou seja, representações que remetem à condição escrava (única possibilidade de se pensar essa presença negra).
O ápice da cena foi o golpe (tapa) desferido no rosto da Helena. Golpe que não pode ser dissociado da frase que o acompanha: “isso é só o começo”. Não se deve esquecer que como mais uma personagem branqueada – distante da historicidade familiar e isolada do convívio com outros/as negros/as – Helena experimenta a assimilação cultural. No entanto, as próprias contribuições das Ciências Sociais apontam que essa assimilação na verdade é uma armadilha, pois não garante a devida valorização e a ocupação de espaços. Enquanto uma falácia competente, a assimilação cultural gera o efeito da falsa inclusão, mas a mesma sociedade que a estimula lança mão de mecanismos que reafirmam a exclusão.
Por fim, o simbolismo dessa cena televisiva (ironicamente exibida na “semana da consciência negra”) comprova o caráter pontual da abordagem da questão negra. E também como ainda se está distante de uma abordagem processual e séria da questão (sobretudo por parte da mídia), o que certamente indicaria um avanço. Isso tudo comprova: a racialização ainda é um componente fundamental para se entender como se dão as relações sociais no Brasil (mesmo que enquanto conceito biológico raça – e suas diferenciações – signifique algo superado).

Daniela Galdino. Professora da UNEB, Doutoranda em Estudos Étnicos e Africanos pelo CEAO/UFBA, Professora da Rede Estadual da Bahia


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