Saturday, June 2, 2012

UMA IMAGEM ANTOLÓGICA

Sei que há muitas críticas à Marcha das Vadias. As mais embasadas vêm das próprias feministas. Eu também não gosto do nome, acho muito difícil dar um novo significado a uma palavra tão pejorativa quanto vadia (que é apenas uma entre as mais de duzentas usadas para condenar o comportamento sexual de qualquer mulher), sinto que as mensagens não são entendidas pelo público leigo. Mas gosto muito da energia, da irreverência, da organização horizontal, não hierárquica, e do poder que as marchas têm de atrair novas militantes. Enquanto não inventarem um protesto mais chamativo, sigo sendo a favor das marchas.
E, convenhamos: qualquer evento popular que renda uma foto como essas não pode ser de todo ruim. 
Esta foto fala comigo em muitos níveis (tem um vídeo também). É empoderadora. Mostra união, mostra força, mostra que não vamos mais nos calar, que não vamos mais baixar a cabeça pros abusos, que somos aliadas nesta luta. O babaca cínico de braços abertos, como se dissesse "É só uma piada", e todas nós apontando o dedo pra ele.
A Marcha das Vadias de Brasília publicou um post muito bom sobre o assunto. Concordo totalmente com a argumentação: havia centenas de homens numa manifestação com mais de cinco mil pessoas. Claro que a maior parte estava marchando junto, mas é possível imaginar que, nessa multidão, havia homem que foi ver mulheres com seios descobertos, ou, sei lá, fazer seu protesto silencioso. 
Como diz o blog: “Seria realmente plausível que uma marcha de milhares de pessoas se colocasse contra um cara que estivesse simplesmente quieto?”. Se o cara estava assediando as manifestantes, falando palavras agressivas, ameaçando (e, se um sujeito desses tem a “coragem” de fezer isso no meio de uma multidão de mulheres, o que será que faz quando está sozinho com apenas uma?), as manifestantes têm total direito de se revoltarem contra ele. Aliás, o panaca se envolveu com a marcha errada. A de Brasília é a maior e mais organizada do país. Tem um aparato de segurança formado pelas próprias mulheres, no melhor esquema de “mexeu com uma, mexeu com todas”. As críticas à reação das manifestantes são previsíveis e dizem muito sobre quem critica. Segundo o blog:
“É impressionante como incomoda o fato de mulheres resistirem e reagirem diante da violência que as atinge. Incomoda porque homens assim não estão acostumados a verem mulheres se colocando contra a violência que sofrem, resistindo e se unindo contra qualquer tipo de agressão que recaia sobre uma de nós. Incomoda porque não faz sequer parte do universo simbólico desses homens qualquer possibilidade das mulheres perceberem como violência abordagens constrangedoras e atitudes masculinas agressivas muitas vezes consideradas naturais pela nossa sociedade. Incomoda porque as nossas demandas e aquilo que nos agride são coisas vistas, por esses caras, sempre como secundárias, menos importantes ou até irrelevantes.”
Desculpem, mas não pude deixar de coletar alguns comentários de um fórum mascu. É um registro de como estamos incomodando. E de comos eles estão desnorteados.

- Seria esse nobre cidadão um GDR? [Guerreiro da Real, um dos braços do masculinismo brasileiro].
- Li no facebook que é apenas um cara usuario de drogas inclusive, que apenas andava pela rua e ao ver tantos cartazes tratando homens como animais (exatamente como Hitler e os nazistas faziam com os judeus) se se revoltou a declamar em voz alta sua revolta. Precisamos mais do que nunca nos unir, pois agora as feminazistas mostram que tem unidades de espancamento como na época de Hitler, dai para assassinatos é só um passo.
- Vi uma imagem agora, um monte de barangas juntas e umas parecendo homem, com as tetas de fora, e uma mostrando até a xota. Essa foi pra acabar o dia. [Ver vagina acaba com o dia dos mascus. Ainda bem que eles não costumam ver muitas].
- Nao sao direitos iguais?? querem mostrar os peitos os homens tambem tem direito de mostar o pau. [Mostra a cara antes, benzinho. E tudo bem que o mascu pelo jeito nunca viu peitos, mas eles são meio diferentes de um pênis].
- Essa p*taria já deu o que tinha que dar tem que meter a p*rrada nessa baderna porra, ja perturbaram a ordem publica.
- E tem gente que ainda se pergunta porque nos usamos fakes. Meter a real de cara limpa é suicídio social.
- O pior é que a PM chega e elas reclamam que não tem o direito de se expressar, de MATAR o outro.  Uma marcha dessas deveria ser proibida, que se f*dam se elas vão ficar revoltadas, qualquer coisa é descer o pau e acabou.
- Eu ainda sonho com o momento em que nós, masculinistas, unidos, sairemos às ruas de regata branca, óculos Ray Ban Aviator e pochete na cintura, seria épico! E, tenham certeza, que uma manifestação assim, mesmo que com apenas uns 30 caras, se tivesse alguma cobertura jornalística, seria um marco e renderia bons frutos para nosso movimento.
- Totalmente de acordo Arlindaoviril. Mas teria que ser muito bem preparado porque farao de tudo para nos tachar de revoltados e machistas. Tem que ser organizado... faixas que tenham reais violentas e inquestionáveis. [Alguns exemplos de “reais violentas e inquestionáveis” que eles vem jogando no Twitter:]
- Imaginem se a Real não existisse?? Estariamos f*didos nessa sociedade b*cetista. Somos a última esperança dos homens.
Quando a última esperança dos homens é um grupo de anônimos com foto de superherói, quando um sujeito como o que confrontou a marcha é tratado como herói, é sinal que não há muita esperança. Mas ninguém está ameaçando os homens. Estamos ameaçando um sistema falido, um modelo de masculinidade ultrapassado.
E antes de falar besteira que estou promovendo uma guerra dos sexos, primeiro: sou contra a violência. Mas acho legítimo que grupos historicamente oprimidos escolham a forma de reagir à violência. Não existe apenas uma forma de reação -- existem várias. E deixar que o grupo opressor escolha as armas, digamos assim, com que o grupo oprimido vai se defender... bem, é opressor também, não? 
Segundo, não tenho a menor raiva de homens. Amo homens. Adoro, inclusive, homens feministas. Mas homens (e mulheres) machistas, racistas, homofóbicos, preconceituosos de modo geral... Não tenho o menor respeito por vocês. Acho que vocês estão atrasados e já deveriam ter se retirado de cena há algumas décadas. Mas, já que continuam por aqui neste mundo que vem mudando, vocês não têm mais a liberdade de serem preconceituosos e receberem tapinhas nas costas.
Chega de termos medo. São vocês que ficaram pra trás que têm que temer. Ou abrir a mente e mudar. Ou continuar habitando um universo paralelo em que planejam protestos (contra o quê?) apenas nas suas cabeças.

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