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Thursday, February 23, 2012

GUEST POST: COMO VIREI ATEU, UM TESTEMUNHO DE NÃO FÉ

O Robson, do blog Consciência, já nos brindou com diversos guest posts. Um deles, sobre ateofobia, foi dos mais comentados do ano passado. Em outro, ele enfrentou o preconceito contra ateus. Neste aqui, ele conta o que o levou a tornar-se ateu. Acho um relato fascinante, inclusive por ser bastante raro. Eu, por exemplo, sou ateia há tanto tempo (desde os treze anos), que não me lembro do passo a passo do meu ateísmo. Lembro apenas que havia (há ainda) diferenças irreconciliáveis entre meu feminismo e a crença em uma figura patriarcal, masculina, barbuda e branca que é chamada de Deus (com maiúscula). Gostaria de frisar que nem eu nem o Robson estamos fazendo apologia ao ateísmo, apenas narrando uma experiência pessoal. E não se pode negar que ateus seguem sendo um dos grupos mais discriminados que há no Brasil. Assumir nosso ateísmo com orgulho é uma forma de combater este preconceito. Eis o "testemunho de não fé" do Robson.

Um testemunho de não fé pode ser visto com olhos desdenhosos por religiosos e mesmo por alguns irreligiosos, que podem achar que estou fazendo o mesmo que evangélicos que depõem como se converteram ao cristianismo -– ou seja, de alguma forma pregando que sigam meu exemplo, que mais pessoas se tornem ateias.
Mas, por outro lado, mostrar às pessoas por que virei ateu poderá lhes derrubar mitos sobre o abandono da fé religiosa –- como a falsa crença de que ateus o são porque “fizeram pacto com o demônio” ou porque queriam uma “liberdade libertina” de “embriaguez, orgias e drogas” a despeito dos ensinamentos das igrejas. Assim sendo, o testemunho ateísta pode servir como uma investida contra o preconceito que tantos religiosos têm contra os ateus, suas (des)crenças e sua motivação para ter abandonado a religião.
Meu ateísmo veio em fevereiro de 2005, bem antes de eu ter a visão de mundo que tenho hoje. Posso dizer que foi a primeira grande revolução pessoal pela qual passei –- as outras foram o vegetarianismo e o hábito de ler. Eu já estava com minhas crenças teístas em decadência desde meados de 2004, e o ateísmo foi a conclusão dessa desconversão.
Até a primeira metade de 2004 eu era bastante cristão, embora não frequentasse igrejas. Era um cristianismo de tendência protestante. Eu orava todos os dias, acreditava que Jesus existiu e “morreu na cruz para nos salvar”, cria em demônios e encostos –- quando havia briga na família, eu achava que era intervenção demoníaca –-, levava a sério que Jesus poderia voltar a qualquer momento e a banda que eu mais apreciava era uma banda cristã de metal alternativo.
Então frequentador de fóruns virtuais de tema livre, me deparei em um deles (já extinto), em julho de 2004, com o conto (provavelmente lendário) da entrevista à radialista cristã Laura Schlessinger, no qual se mostrava que o deus cristão era benevolente para com a escravidão e outros absurdos da lei do Pentateuco. Foi minha primeira decepção com a Bíblia -– que, a saber, eu nunca tinha lido fora do Salmos 91.
Poucos dias depois, li em um outro site que Deus não só apoiava a escravidão no Velho Testamento como também fazia guerras no mesmo, tal como um grão-general. Minha ideia sempre tinha sido a de que Deus tinha uma ética imutável e pacifista e que os hebreus bíblicos eram um povo pacífico que só guerreava para se defender. Entendi então que eu era cristão simplesmente porque não conhecia a Bíblia.
Então, já voltei às aulas (do pré-vestibular que eu fazia na época) não mais cristão, mas ainda crente em Deus -– numa certa crença teísta que denomino pós-cristã. Continuava orando, acreditando em providência divina e crendo que Deus me ajudaria a fazer um grande vestibular. Tanto que, num blog pessoal que eu mantinha naquele tempo (que não era o Consciência Efervescente nem tampouco o Consciencia.blog.br), inseria em cada post, nas semanas anteriores ao vestibular que eu faria para Jornalismo, uma frase parecida com “Deus, me guie rumo à vitória!”, e expressava o desejo de que Deus ajudasse John Kerry a tirar o malfeitor George W. Bush do poder nas eleições estadunidenses de então.
A crença teísta pós-cristã permaneceu estável até o terrível tsunami do Oceano Índico. Tanto que paguei promessa por ter passado no vestibular com uma nota alta andando um grande pedaço da avenida que liga minha casa à UFPE e beijando o chão do prédio onde eu estudaria (por apenas dois meses, desistindo do curso de Jornalismo por crise psicológica).
Depois do tsunami, li em uma notícia um ateu falando que o tsunami e as tantas mortes humanas causadas eram uma prova da inexistência de um deus pessoal como aquele em que eu ainda acreditava. Minha fé então foi minada, e passei por uma transformação gradual da crença à descrença. Via Deus como uma entidade de existência cada vez mais duvidosa. Em janeiro de 2005 fiz uma “oração de despedida”, esperando que a divindade provasse sua existência me ajudando mesmo sem orações.
Poucos dias depois da “oração de despedida”, minha crença “decaiu” ao deísmo –- eu passei a acreditar que Deus nada mais era do que uma energia cósmica transcendental que movia o universo, inclusive crendo que a energia escura seria algo que transcendia o universo material, como uma característica do deus-energia transcendente.
Mas a crença não parou mais de “decair”, de modo que passei a ser agnóstico depois de ter deixado de acreditar na energia transcendental, adquirindo um ceticismo incipiente que era o embrião do meu atual pensamento irreligioso. Às vésperas do meu aniversário de 18 anos, em fevereiro de 2005, completei então minha transição ao ateísmo.
Por algumas poucas vezes, nos meses que se seguiram, passei por momentos de conflito com familiares e amigos intolerantes para com ateus. Mas depois deixei de ter esses problemas, uma vez que as pessoas com quem convivo aceitaram tacitamente meu ateísmo. Vez ou outra algum(a) parente ainda tenta me perturbar, insistindo a mim que “Deus (o da Bíblia) existe” e que “Jesus morreu na cruz para nos salvar”, comportamento a que respondo com indiferença.
Hoje vivo muito bem em se tratando de condicionamento psicológico e espiritual. Ao contrário do que o preconceituoso senso comum religioso acredita, não tenho nem um pingo de infelicidade espiritual, nenhum problema relacionado à falta de “respostas” metafísicas. Contemplo a natureza e o fenômeno da vida com muito regozijo, ao contrário do desencanto que supostamente marca o pensamento ateísta segundo religiosos.
Minha posição sobre a morte é que ela é o fim de minha existência, a volta para o nada, mas nada impediria que surgisse uma nova consciência em algum lugar do universo -– ou, quem sabe, em outros universos paralelos -– que assumisse o papel que minha consciência exerce hoje, o de contemplar e interagir com o mundo fora do meu corpo -– a grosso modo, uma espécie de reencarnação sem espírito.
E, para tornar minha convicção ateísta ainda mais sólida do que já é, periodicamente tomo conhecimento de novos fatos que me comprovam que a crença em um deus pessoal é incoerente: orações frustradas com a morte ou sofrimento de pessoas religiosas, pessoas mostrando como o deus em que creem é relativo e subjetivo demais para existir objetivamente, catástrofes que atestam a inexistência de providência divina interventora etc.
Assim eu vou vivendo, sem nenhuma divindade e com muita disposição para viver uma vida feliz.

Thursday, January 5, 2012

GUEST POST: SIM, SOU ALGUÉM E SOU FELIZ SEM DEUS

- Johnny, já chequei três vezes: não há ateus embaixo da cama!

Apesar de eu não ser
uma ateia militante (combato os preconceitos que inúmeras religiões ajudam a perpetuar, mas não tento fazer com que ninguém abandone sua religião), nunca estive no armário. Sou uma ateia assumida, e isso já tem décadas. Sinto-me ofendida quando ouço que ateus não têm morais, valores, ou ética. Portanto, me encho de orgulho de publicar um guest post como este do Robson, do blog Consciência, que já colaborou demais com este bloguinho ao escrever outros três posts condenando o uso genérico da palavra homem para se referir ao ser humano, e outro post (um dos campeões de comentários) sobre ateofobia. Obrigada por mais este post, Robson. Concordo com tudo, com exceção dos seus gostos pessoais (você gosta de hobbits!).

Sou alguém e sou feliz sem (um) Deus. Sou ético e tenho bom coração sem ele. É o que sou. Sou aquilo que tan
tos religiosos juram que não existe: alguém que descrê em Deus, respeita os irmãos de senciência e leva uma vida agradável –- não a mais agradável possível, com que eu sonho diariamente, mas me sinto bem confortado com o que tenho ao meu alcance hoje, livre de grandes problemas.
Religiosos ateofóbicos dizem que ninguém pode ser feliz nem bondoso sem o Deus deles. Dizem que ninguém que não crê em Deus pode viver uma vida boa, saudável e moralmente reta. Para eles eu sou alguém que não existe. Porque sou feliz e bondoso sem um Deus para me guiar e moralizar.
Não me sinto superior de forma alguma, mas eu sinceramente posso sentir uma ponta de pena daqueles que dizem coisas do tipo “Sem Deus eu não sou ninguém”, “Sem Deus eu não sei viver”, “Sem Deus eu não sou nada!”, “Sem Deus minha vida não tem sentido!”. Porque isso revela um tanto de pequenez, submissão humilhante e autoestima deficiente viciada na religião. E também porque há no planeta centenas de milhões de pessoas -– talvez passem do bilhão -– que, a despeito da crença auto-humilhante e negacionista de tantos crentes, são algo/alguém, sabem viver e têm uma vida provida de sentido sem uma entidade superior que chamem de Deus.
Tenho família e amigos fiéis e sou financeiramente razoável (nem pobre nem abastado). E, claro, sou cheio de amor para dar. Amor a tod@s –- mulheres (em todos os sentidos), homens (fraternidade, amizade, respeito e apreço), animais não humanos (carinho, amizade e respeito ético) e Natureza silvestre (devoção, carinho, comunhão espiritual e profundo respeito não só como mantenedora da vida, mas também como portadora de um sentido intrínseco que eu gostaria de desvendar).
Gosto de computador, de internet, dos meus blogs, dos meus artigos, do Twitter, de alguns “blogs sujos”, de alguns blogs de humor, das tirinhas de memes, do Trollface, do FFFFFUUUUU-, de games de estratégia, de praia, de viajar, de florestas, do céu estrelado da noite, de contato com a Natureza, de animais não humanos (o que se reflete também em meus hábitos de consumo), de Coldplay, de synthpop, de new wave anos 80, de rock pernambucano, do antigo movimento Rock Brasil, de sair com amigos, de paquerar, de amar, de visitar livrarias, de sucos de maracujá e acerola, de comida vegana, de revisão e correção de textos, de livros, de sociologia, da esquerda política, de feminismo, de abolicionismo animal, de antimilitarismo, de ambientalismo, de teoria socioambiental, de Educação Ambiental, de História à Annales, de ler sobre religiões politeístas e orientais, de literatura ateísta, de O Senhor dos Anéis, de Star Wars, de Matrix, de Smallville, de Beavis & Butt-head, de Cavaleiros do Zodíaco, de Dragon Ball Z, do anime Yu-Gi-Oh, de Capitão Planeta, dos Simpsons, de Chaves, de Chapolin, de rir com gols contra… Sou um ser humano íntegro, com emoções, gostos, interesses, necessidades, anseios, sonhos, tudo o que um ser humano normal tem.
Sou, estou, sinto, gosto, amo, detesto, sofro, protejo, luto, rio, choro, regozijo, trabalho, contemplo, medito, conquisto, fracasso, venço, perco, supero… Sem Deus. Sem Javé, sem Cristo, sem Allah, sem Zeus, sem Xangô, sem Shiva, sem Odin, sem Amaterasu, sem a Deusa e o Deus, sem Ísis, sem Dagda, sem Marduk, sem Baal, sem Ngai, sem Quetzalcoatl, sem Inti, sem Aton, sem nenhuma deidade.
Sou um dessas centenas de milhões de seres humanos que sabem que sentido da vida, ética, bondade e alegria de viver independem de religião e crença. Não preciso de deus nenhum, tampouco de recompensas e punições como o céu e o inferno cristãos, para me dizer o que é certo e errado e que devo ser submisso a uma divindade altamente contraditória para ser feliz. E isso, a despeito da intolerante crença de tantos, não me tira o conceito de moral -– pelo contrário, modéstia à parte, minha consciência ético-moral respeita e zela por muito mais seres vivos do que a média da população religiosa respeita (ou diz respeitar), ainda que isso não seja regra no ateísmo.
Por mais que suas igrejas e a Bíblia neguem isso aos cristãos pouco tolerantes, há ateus boníssimos e cristãos perversos e criminosos –- da mesma forma que há também cristãos boníssimos e ateus perversos e criminosos. Ao contrário do que os Datenas da vida vociferam, não ter Deus no coração não me leva a cometer nenhuma violência, crueldade, crime ou transgressão legal, ao mesmo tempo em que “amar a Deus sobre todas as coisas” não impede que tantos padres abusem de crianças, inúmeros pastores extorquam seus “cordeiros” e muitos fanáticos assassinem e destruam “em nome de Deus”.
Não vou me arrogar como um exemplo de pessoa moral e reta, tenho defeitos e vícios (nenhum, porém, que comprometa minha saúde) como qualquer ser humano, mas minha vida e personalidade me são bastantes para derrubar diversos odiosos mitos morais que envolvem o ateísmo.
Como o de que Deus seria necessário para dizer o que é certo e errado: especialmente porque muito do que a tal moral bíblica diz como certo os Direitos Humanos e também os Direitos Animais, ambos de cunho essencialmente secular, consideram eticamente censurável –- guerras, genocídios, sacrifícios animais, estupros, machismo, homofobia, intolerância religiosa, ódio, extorsão com pretextos religiosos etc. E porque mesmo a grande maioria dos ditames morais que os cristãos obedecem hoje não são bíblicos, mas sim laicos -– em outras palavras, mesmo para os próprios crentes a Lei de Deus na prática não prevalece mais sobre a Lei dos Humanos (“dos homens” não, por favor).
E o de que o ateísmo teria sido responsável pela malignidade dos Stalins, Pol Pots e Milosevics da vida: além desse mito ser uma generalização extremamente preconceituosa e ignorar que, ao contrário das religiões, o ateísmo, não sendo nenhum sistema organizado de crenças mas sim a ausência dele, não determina qualquer orientação moral, ele ignora a existência dos assassinos cristãos que até apelaram ao seu Deus para justificar seus crimes, como Hernán Cortés, Francisco Pizarro, Adolf Hitler, Tomás de Torquemada, George W. Bush, Teodósio e inúmeros papas das Idades Média e Moderna.
Sou algo e alguém, sou feliz e moralmente reto e minha vida tem todo um sentido sem Deus, e não tenho vergonha nenhuma de dizer isso, pelo contrário. Faço questão de fazê-lo -– aliás, sou obrigado a isso, ainda mais neste país em que infelizmente a não amoralidade ateísta não é considerada algo óbvio. E sou mais satisfeito ainda por poder dizer que sou oposto aos religiosos intolerantes e teocêntricos no que tange a ser livre daquela submissão e autoestima viciada que condiciona todo o sentido da vida, a felicidade e a própria qualidade de ser algo ou alguém a um Deus específico.
É para mostrar que ateus também são gente como qualquer cristão, como qualquer religioso, que escrevi este texto. Para mostrar que todos os seres humanos são moralmente iguais, são igualmente humanos, são igualmente sencientes, são igualmente vivos, são igualmente seres com ou sem Deus. E não é a ausência dele que nos faz deixar de ser tudo aquilo que somos em essência.
Se você ainda acredita que sem Deus é impossível ser alguém e viver, conheça a nós ateus. Conviva conosco. Busque nos entender. Abandone seus preconceitos. Aceite-nos como somos. Aceite os irreligiosos que somos.

Thursday, October 20, 2011

GUEST POST: ATEOFOBIA, NEGAÇÃO DA LÓGICA ATEÍSTA E INCITAÇÃO À INTOLERÂNCIA

Deus não acredita em ateus; logo, ateus não existem.

Robson, do blog Consciência, já nos deu um guest post importante (dividido em três partes) sobre por que não se deve mais usar homem quando queremos dizer humano. Agora ele fala de um outro problema, a ateofobia e a incitação do ódio contra os ateus.

Que triste! Esses pedófilos não têm Deus no coração!”. Assim foi a expressão de diversos religiosos no Twitter depois do caso do blog de pedofilia que foi alvo de campanha de denúncia em massa no site na madrugada de 26 para 27 de junho últimos. Numa investida coletiva contra pedófilos, quem acabou em parte pagando o pato foram os ateus, cuja descrença em divindades acabou sendo a ferramenta dos ateofóbicos para os equipararem a criminosos. Porque, afinal, para eles não existe o bem sem Deus, o que podemos explicar por diversos motivos.

Essa é uma das várias formas de cristãos fundamentalistas expressarem seu etnocentrismo religioso que, direta ou indiretamente, nega a existência de qualquer lógica em credos ou não credos que excluam o deus bíblico. Para essas pessoas, existe amor, bondade, justiça, compaixão, ética, o bem quando seu deus está presente. Seres humanos são vistos como incapazes de qualquer realização benigna sem a influência da divindade.

Isso leva à crença de que a falta de Deus é tudo de ruim. É maldade, é imoralidade, é perversidade, é injustiça, é violência. Só que quem pensa assim acaba ignorando, ou até mesmo desconhecendo, que existem pessoas que não acreditam nesse deus e não são ruins. E fatalmente a ignorância dos que não acreditam em uma lógica fora de Deus acaba se convertendo num preconceito dos mais pesados.

E isso vem aumentando à medida em que esses crentes começam a usar mais intensivamente a internet e se deparam com os ateus se expressando nas redes sociais. Se por um lado continuam imersos em uma fantasia onde o ateísmo enquanto descrença provida de lógica própria não existe, por outro chocam-se (em todos os sentidos) com os descrentes e declaram-lhes aversão. O que dá origem à estereotipação lógica de associar a descrença ateísta/”falta de Deus no coração” à criminalidade e à perversidade e, por tabela, taxar ateus como imorais e potenciais criminosos.

O perfil @ateus_atentos no Twitter, pelo qual o ativista em prol do respeito aos ateus Daniel Sottomaior denuncia, com minha colaboração, a ateofobia naquela rede-microblog, escancara quase diariamente essa endemia de ateofobia. Os ditados preconceituosos e aversivos que encontra e expõe via retweets nos permitem concluir o que este artigo teoriza: a intolerância contra quem não acredita em Deus se explica tanto pela fantasia religiosa em que se nega a existência de uma lógica não teísta como pela reação de estranhamento hostil à até então ignorada existência de ateus, mais um terceiro motivo que explico adiante.

Ideal e teoricamente isso só diminuiria até o status de comportamento minoritário e socialmente inaceito quando as igrejas em geral começassem a aceitar a existência dos descrentes em Deus e buscar interpretações bíblicas que incentivem a coexistência respeitosa entre cristãos e ateístas.

Porém isso é muito improvável hoje em dia, uma vez que nem mesmo a existência de uma categoria ainda mais óbvia e tornada visível, a dos LGBT, é aceita e tolerada pela esmagadora maioria das denominações cristãs. E o pior é que lésbicas e gays são discriminad@s pelos cristãos por muito menos -– amar pessoas do mesmo sexo –- do que os ateus que, quando incitados, negam a existência da entidade suprema do cristianismo, algo inaceitável e hediondo para muitos religiosos.

E há um segundo motivo que na prática inviabiliza a generalização do respeito aos descrentes: a existência de ateus prósperos e de “bom coração”, que respeitam as leis humanas e portam muitas virtudes sem precisarem se escorar nos ditames morais cristãos, prova que é sim possível uma vida reta, ética e próspera sem Deus. Assim o ateísmo acaba sendo encarado como uma ameaça aos desígnios das igrejas de se manterem em crescimento e arrogarem o monopólio sobre a moral humana.

Aceitar a existência de uma lógica de vida desprovida da divindade seria abrir as portas dos templos para os fiéis evadirem do controle social e psicológico exercido pelos sacerdotes, bispos e padres. E isso contraria os interesses daqueles clérigos mais inescrupulosos, avessos à liberdade de aderir e desaderir de religiões por livre-arbítrio.

Isso explica grande parte do porquê de as igrejas não adotarem de bom grado o princípio da tolerância para com ateus e preferirem manter os fiéis presos na Caverna de Platão onde o ateísmo é nada mais do que a sombria “falta de Deus” e, logo, a compilação de tudo o que é mau, imoral e perigoso. E nos revela mais uma razão, talvez a mais forte de todas, para a ateofobia que se escancara tantas vezes em que pedófilos, racistas e assassinos são denunciados à sociedade: os clérigos incitam a intolerância.

Essa incitação ganha toda uma lógica quando é observado o seu paralelo atualmente mais em evidência, a incitação dos crentes à homofobia por parte dos regentes das igrejas. Estes, ao mesmo tempo em que mantêm íntegra a Caverna de Platão sem ateísmo, açulam a caluniosa e difamatória crença de que quem deixa de crer em Deus se entrega às trevas, ao capeta, se torna mau como o Pica-Pau e compra uma passagem só de ida para o inferno eterno. Isso de uma forma um tanto parecida com quando incitam o ódio contra quem desobedece aos ditames homofóbicos do Pentateuco bíblico.

Assim, esperar que as denominações cristãs voluntariamente façam as pazes com os incrédulos acaba sendo uma ingenuidade. A solução para a inaceitabilização social da ateofobia é bem mais complicada do que isso. Penso que há pelo menos duas alternativas realistas hoje: levar a cabo iniciativas neoateístas de contrapropagandeamento das religiões mais intolerantes e retromorais, ou incentivar-se entre os ateus a disposição de se reunirem em torno da causa antipreconceito, tornando esta a segunda coisa em comum entre grande parte deles (a primeira é a própria descrença em deuses).

Como não sou um neoateu que deseja o fim de qualquer forma de crença religiosa -– embora deseje sim o colapso daquelas denominações eclesiais, hoje tão numerosas, que têm a fanatização, a atrofização intelectual, a retromoralidade e o açulamento de intolerâncias como praxes –-, eu aposto na segunda opção. A questão é como torná-la realidade neste contexto atual em que nem mesmo os próprios ateus, talvez em sua maioria, reconhecem ser alvos de preconceito e discriminação e tantos em sua categoria rejeitam associar-se a grupos de mobilização seja lá quais forem. [Adendo da Lola: eu incluo outro entrave -- infelizmente, há muitos ateus machistas, homofóbicos e racistas. Ficaria estranho se eles abraçassem uma causa antipreconceito].

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