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Thursday, April 12, 2012

DEPOIMENTOS SOBRE ANENCEFALIA E BEBÊS MALFORMADOS

Religiosos (todos homens) se transportam da Idade Média para os dias de hoje para protestar contra o aborto de anencéfalos.

O placar para que o Supremo Tribunal Federal legalize o aborto de anencéf
alos está favorável em 5 a 1. Hoje os ministros vão continuar votando e, se tudo der certo, o aborto de fetos sem cérebro será liberado (o que não significa, de forma alguma, que a mulher que queira seguir com a gravidez até o fim não possa fazê-lo. É direito dela. Assim como deveria ser direito de toda mulher abortar diante de uma gravidez indesejada).
Sou a favor da legalização do aborto para todos os casos, como acontece naqueles países ricos que a gente vive tentando copiar. Mas vai demorar, e não é isso que está em discussão agora. No momento trata-se apenas de algo meio medieval até, e que nem sei se consiste em aborto, exatamente. Afinal, sem cérebro não há vida (quando há morte cerebral os médicos desligam os aparelhos, se a família quiser). Então qual vida está sendo abortada no caso de um feto que não tem cérebro, e que vai “viver” apenas por alguns minutos fora do ventre da mãe? É extremamente cruel forçar mulheres a se submeterem a isso. Não dá nem pra acreditar que o Brasil ainda exija essa maldade em pleno século 21. Somos o quarto país do mundo em número de partos de fetos anencefálicos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, só países muçulmanos e alguns na América Latina proíbem o aborto de fetos sem cérebro (este post super esclarecedor do ano passado explica tudo). Nesse quesito e em tantos outros relacionados ao aborto, nós estamos do lado do atraso. Obrigamos mulheres a carregar cadáveres em seus ventres! Eu fico muito indignada com as pessoas que consideram o ventre um receptáculo e que dão mais importância ao “direito à vida” de um ser sem vida que a uma mulher.
No excelente guest post da Amana publicado anteontem, ela sugeriu que a discussão sobre o aborto saia da dicotomia entre “pró-vida” (muitas aspas aí) e pró-escolha, e abranja um debate sobre a responsabilidade coletiva que é ter um filho. O post atraiu todo tipo de troll e de gente que, por algum milagre, parece ter sobrevivido à falta de cérebro. Mas também rendeu comentários importantes. Gostaria de compartilhar dois deles (ambos anônimos) com vocês.

Comentário 1
Eu só queria comentar uma coisa com vcs sobre como é o aborto nesse caso de anencefalia, porque meu irmão passou por isso com a esposa dele, então eu acompanhei a história.
No caso dele não precisou de justiça, o médico atestou, fez a carta de aborto e o plano cobriu tudo, sem problemas. Mas foi assim: como o diagnóstico veio um pouco tarde, 15 pra 16 semanas (com 12 os médicos já falavam que tinha um problema, mas a minha cunhada quis confirmar) e até o aborto ser feito levou um tempinho também (coisa de uma semana), já não é mais aquele fetinho pequenininho que dá pra fazer curetagem, então o nome "antecipação de parto" é bem correto porque de fato acontece um parto.
A mulher do meu irmão foi internada e o parto induzido com remédio, e a mulher fica acordada o tempo todo. É como um parto qualquer de natimorto e a mãe pode escolher ver ou não o filho.
É tudo muito cruel e, de verdade, acaba com a vida da mulher, do marido, dos avós... porque a gente tá falando aqui de uma gravidez que se não foi planejada, era desejada, era tão desejada que a mulher faz pré-natal, compra roupinha, escolhe nomes pra daí descobrir essa novidade terrível.
Por enquanto eles falam que não vão tentar outro filho, daí se nota que foi bem traumático.
Agora imaginem vocês obrigar uma mulher a completar NOVE MESES sabendo que é isso que vai acontecer no final? Muito cruel.
Que o Supremo atue com a razão pelo menos dessa vez. Comentário 2
Lola, acompanho seu blog há algum tempo, às vezes concordo com você, às vezes não (acho natural, não?).
Quis deixar meu ponto de vista e minha história e assinei como anônimo porque realmente não quero me identificar. Eu tive um filho com uma malformação severa que sobreviveu até os 7 meses de vida dentro da UTI, e a minha impressão é que as pessoas têm uma visão muito romanceada do que é passar seus dias com um filho malformado. Não é tão bonito nem sentimental quanto parece. A família abandona mesmo -- o primeiro da lista a sumir é o pai, em vários níveis, desde simplesmente não aborrecer muito e deixar a mãe cuidar da criança, até tornar a vida da mãe um inferno e (finalmente!) ir embora. Em 7 meses (até que tive sorte!) conheci 1 (UM) pai que realmente se importava com a filha internada. O resto da família abandona também. Não se iludam.
Talvez apareçam para uma visitinha de 15 minutos no final da semana, e se você tiver sorte alguém fica lá por meia hora para você correr e tomar um banho em casa. Lembro de uma mãe que me contou, quando o filho foi internado, que a mãe dela (avó da criança) disse que sentia muito, mas claro que não ia poder ajudar daquela vez porque ela tinha viagem marcada para Bariloche. A grande revolta dessa mãe era pensar que se qualquer um dos outros netos dela, crianças saudáveis e normais, estivessem dentro de uma UTI, a avó com certeza cancelaria a viagem e ficaria ali ao lado. Mas como é o menino doente mesmo... Outra dificuldade enfrentada é o julgamento dos outros. Você já está fragilizada e ainda as pessoas desconhecidas resolvem se meter na sua vida. Você tem culpa, de alguma forma, pela tragédia que está passando, lógico. Se tivesse orado mais, comido mais, comido menos, se estressado menos, tomado mais ou menos vitaminas etc, etc. Imagina eu, que sou ateia, o que ouvi. Falta Deus na minha vida, lógico. E minha paciência não estava das melhores.
Alguém perguntou se uma mãe abortaria um filho se soubesse que ele não teria chances. A minha resposta: se eu soubesse que meu filho nasceria com essa malformação, que passaria por 3 cirurgias inúteis, que viveria ligado em aparelhos, que precisaria fazer exames de sangue todos os dias e levaria em média 10 picadas por vez, que faria controle de dextro de 3 em 3 horas, que teria 13 septicemias e que no fim morreria afogado no próprio sangue que inundou seus pulmões, eu abortaria sem pensar duas vezes.
Para quem disse que nem um animal aborta, vale lembrar que os animais abandonam ou matam os filhotes que nascem doentes.
Eu gostaria de ter feito esse texto soar um pouco menos agressivo, mas acreditem que a intenção não foi agredir ninguém. Foi só expor friamente como é a vida quando é seu pé que o sapato aperta o calo.
E, se me permitem um conselho, para todos aqueles que são favoráveis à manutenção das gestações de fetos com graves malformações: tirem um tempo, talvez uma ou duas horas por semana, e se proponham a cuidar de uma dessas crianças/adolescentes/adultos que dependem da MÃE 24 horas por dia, para que essa mãe possa sair, relaxar, ir ao cinema, sei lá. Lembrem-se que essas mães não têm vida.
Abraço a tod@s.

Thursday, October 27, 2011

GUEST POST: O PARTO QUE NÃO PERTENCE À MULHER

Em qual parto a mãe mantém contato com o próprio corpo?

No dia da criança, estive em SP para um evento organizado pelo Instituto Alana sobre Criança e Consumo, onde não só pude aprender muito, como também tive o privilégio de conhecer várias mães blogueiras. Entre elas estavam Kalu e Renata, que são algumas das vozes por trás do incrível Mamíferas. Como o excelente nome do blog já indica, elas são árduas defensoras do parto natural, da amamentação prolongada, da maternidade por apego, e de tudo que, num mundo utilitarista e apressado como o nosso, é visto como radical. Pois é, vivemos num país em que dizer que o parto natural é melhor para a mãe e o bebê é visto como radical. Em que o senso comum insiste que o único parto possível é a cesárea. Isso, além de absurdo, vai contra o que recomenda a Organização Mundial de Saúde, que só considera cesárea aceitável em 15% dos casos, e não em 85%, como ocorre no Brasil.
Em agosto eu, q
ue optei por não ser mãe, virei titia pela primeira vez. Meu irmão e minha cunhada insistiram que queriam um parto natural, humanizado. Foi dificílimo -- não pelo parto em si (feito na água), mas pelo desafio em encontrar um médico que tivesse essa mentalidade. Eles passaram por oito médicos e tiveram de peitar o plano de saúde, que não queria pagar o parto natural. Um desses médicos disse a minha cunhada: "Você só precisa se preocupar com o enxoval; o resto, deixa comigo". Tem jeito maior de excluir uma mulher do seu próprio corpo?
É disso que Nanda, qu
e atualmente vive em Maceió e tem seu próprio blog, mas é parte atuante do Mamíferas, fala neste guest post, que publico com grande orgulho. Discutir gravidez e parto e tantas outras coisas mamíferas são definitivamente assuntos feministas, que só não têm mais espaço por aqui porque me falta a experiência. Mas, pessoalmente, apoio todas as causas dessas mães tão "radicais". Aprenda com o post da Nanda (eu aprendi muitão).

Embora não haja consenso na comunidade científica, há fortes evidências de que as sociedades primitivas eram matriarcais. Isso me parece bem óbvio, afinal, as mulheres sempre foram as geradoras de nova vida, e não pareceria tão óbvio o papel dos homens-neandertais nessa reprodução vital. A mentalidade matriarcal sobreviveu muito bem enquanto a raça humana permaneceu nômade, mas foi só ancorar-se em um lugar para que tudo mudasse.

O surgimento da propriedade privada foi uma dessas mudanças, que veio lado-a-lado com o patriarcado. Isso transferiu o papel da mulher -- de líder -- a uma simples perpetuadora dos genes masculinos, para que a propriedade adquirida com tanto esforço não se perdesse nas gerações futuras.

Mas veio uma era, e foi-se uma era, e o homem ainda não controlava a vagina. Ele poderia tomar a mulher para si, enxertá-la de sementes, mas quem gerava e paria continuava sendo a mulher. E o parto continuou cercado da aura feminina: as parteiras eram sempre mulheres (e esse comportamento repete-se nas sociedades tribais não inseridas na cultura majoritária), e homens eram proibidos no momento do parto até muito recentemente.

Até que veio a rainha Vitória da Inglaterra. Provavelmente não a primeira mulher, mas o primeiro registro de um parto em posição de litotomia -- deitada, com as pernas abertas para o médico e o rei serem testemunhas daquilo que os homens por muito tempo foram proibidos de presenciar. Não é preciso ser médico ou blogueira de maternidade para entender que dar à luz deitada dói muito mais, basta um conhecimento prévio sobre como a gravidade funciona. Não à toa, a rainha Vitória também nobilizou o parto com anestesia.

Antes da anestesia, já existia a cesárea. Abrir uma mulher ao meio quando na verdade ela já estava aberta, só que em outro lugar, era visto como medida de última instância -- só praticado em parturientes já mortas, ou prestes a morrer -- já que a cesárea as mataria de qualquer forma. Existe uma história sobre o nascimento de Júlio César ter sido pela via bárbara cirúrgica, e presume-se ser daí a origem do termo cesariana, mas o termo caedare -- cortar -- parece ser uma justificativa mais plausível.

Junta-se seis à meia dúzia: a medicalização do parto e os avanços da ciência, e tem-se uma sociedade cesarista. O homem finalmente conquistara aquele quinhão reservado à fêmea e agora podia ele mesmo tomar conta do serviço. Bastava, para isso, que a mulher se deitasse, se anestesiasse, e se deixasse cortar.

Existe uma falsa ilusão de que a cesariana é uma libertação da mulher das obrigatórias dores do parto. Dores essas, reza a lenda, que Deus presenteou Eva após o Pecado Original: "Multiplicarei as dores de tua gravidez, será na dor que vais parir os teus filhos", disse o bom velhinho. Que o parto é a dor mais excruciante que uma mulher jamais sentirá na vida, é consenso universal. Os filmes mostram, as novelas mostram, sua avó falou e você leu a respeito. Não parecem haver dúvidas de que parir é ajoelhar no milho, e a cesariana são joelheiras.

Isso se reflete na escolha de grande parte das mulheres pela via cirúrgica, já no início de sua primeira gravidez. Como poderia uma mulher que nunca sentiu sequer as dores do trabalho de parto saber que não aguentaria as dores do próprio? Senso-comum. Louvemos a cesária, e não só aqui no Brasil, mas como um fenômeno mundial que cresce a olhos vistos e torna-se um problema de saúde pública.

Mas vamos elucidar um pouco essa cirurgia tão banalizada. WikiPédia diz: “São sucessivamente abertos o tecido subcutâneo e a aponeurose dos músculos reto abdominais, separados os músculos na linha média e abertos o peritônio parietal, o peritônio visceral e a parede uterina. O próximo tempo é a extração do feto, seguida da retirada da placenta e revisão da cavidade uterina. São então suturados os planos anteriormente incisados.” Contando: seis camadas. E esqueceram de mencionar o tecido cutâneo, a própria pele. Ainda soa agradável, se levarmos em consideração que a mulher estará anestesiada do pescoço para baixo.

Tendo em mente que a cesárea é uma cirurgia de grande porte, percebemos que ela não é a solução para a tão temida dor, mas sim um adiamento da mesma. Gostaria muito de ser apresentada a uma mulher que conseguiu passar pelo pós-operatório de uma cesariana sem doses cavalares de analgésico: eu apertaria sua mão com uma chave-inglesa para verificar o funcionamento de seu sistema nervoso.

Eu não sou contra a cesárea, não sou mesmo. Acho um procedimento médico muito importante -- quando necessário. E ele dificilmente é necessário. Mas ele agrada o sistema ao serializar os nascimentos, agrada aos homens, que participam mais do que a mulher em uma cesárea, e agrada à algumas mulheres, que podem procriar sem sentir dor.

E é esse último ponto que incomoda mais: a cesárea como uma opção de via de nascimento, e não como um procedimento médico de emergência. Estamos em um blog feminista, e se eu estou escrevendo aqui, é porque obviamente defendo o direito da mulher ao próprio corpo. Defendo isso com unhas e dentes, tanto que defendo o aborto.

Enxergo como uma questão bem simples: se não quer parir, aborte. E quando eu falo parir, veja bem, eu estou falando do parto normal, vaginal, natural, o nome que você quiser dar (apesar de serem todos diferentes entre si). Quem pare é a mulher, e quem faz a cirurgia, ou a cesariana, é o médico. Parir, como uma questão linguística e sociocultural, é retomar algo que nos foi roubado pelo homem, ao avançarmos tanto em conquista pela emancipação.

Voltando à questão, existem vários motivos pelos quais uma mulher engravida: acidente, desejo e futilidade sendo um resumo básico da questão. Se foi por acidente, apesar de ser proibido por lei e um enorme tabu, o aborto ainda é uma opção -- arriscada, por não ser legalizada -- mas repetida à exaustão. Não abortou? Então deal with it: tem um bebê crescendo dentro de você e agora é ele quem escolhe a hora em que vai sair.

Se você optou por compartilhar seu corpo com o de outro ser -- e vejam bem: eu começo a falar sobre o direito desse outro ser a partir do momento em que ele passou a ser uma escolha da mulher que o carrega -- você não tem o direito de escolher a hora em que ele vai nascer. Existe uma série de fatores biológicos que determinam isso, que convergem para o trabalho de parto e o parto em si.

Considero uma cesariana eletiva mais criminosa do que um aborto -- até porque nem vejo o aborto como crime. E a cesariana eletiva me intriga de sobremaneira: se você não arrancou esse feto quando ele ainda não estava pronto, por que é que o arrancaria antes do tempo anyway, só porque ele teoricamente já estaria apto a sobreviver?

Além de uma série de outras maneiras de aliviar as dores do parto, existe a anestesia, que evoluiu bastante desde o clorofórmio da Rainha Vitória. Claro que a anestesia traz consigo alguns percalços -- como a obrigatória posição de litotomia e consequente episiotomia (corte no períneo), mas dói menos. Se é a busca pelo direito de não sentir dor, a solução é a anestesia, não a cesariana.

E podemos entrar no mérito das histórias escabrosas que foram ouvidas da vizinha da tia-avó, sobre os absurdos oriundos de um parto normal mal-conduzido e/ou na saúde pública. Mas podemos também lembrar que a cesariana seriada é um fenômeno novo na medicina, e não parecem existir muitas pessoas dispostas a estudar os efeitos dela na população (talvez porque quem estude essas coisas sejam médicos, e a maioria dos médicos se beneficia da cultura cesarista).

Se lutamos por direitos da mulher, lutamos também pelo direito de parir. De parir, como um ato de protagonismo da mulher, de recuperação de seu matriarcado e de sua vagina. E essa é uma luta feminista também.

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