Saturday, February 5, 2011

SEGREDOS DO TEMPO - entrevista com o músico Sapiranga

Antonio Raimundo Sapiranga ou simplesmente (densamente) Sapiranga, natural de Gandu (região sul da Bahia, Brasil), atualmente reside em Salvador (Bahia). Como andarilho e artista, já transitou por linguagens outras e diversas paragens. A esta altura da caminhada Sapiranga se prepara para trazer ao público o seu álbum Segredos do Tempo, com previsão de lançamento para março de 2011. O trabalho tem Produção Musical e Fonográfica de Sapiranga; Direção Musical de Bráulio Villares Barral; Arranjos de Sapiranga e Bráulio Villares; além de contar com um texto de apresentação escrito pelo músico Xangai.

Trajetória
Foto: Andréa Etter
 Sapiranga acumula na bagagem mais 10 anos de carreira musical , em 2005 gravou o Pássaro Noturno, o seu Disco (CD) de estréia, lançado inicialmente em São Paulo e depois pelo interior do Brasil (produção Independente). Sapiranga tem em seu currículo apresentações em diversos espaços no país, tais como: Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA-USP), Teatro Clara Nunes (Diadema-SP), Concha Acústica do Teatro Castro Alves (Salvador-BA), Praças do Pelourinho (Salvador, Bahia), Cinelândia (Rio de Janeiro-RJ), Festival de Inverno de Paranapiacaba-SP (evento que reuniu nomes como o  guitarrista norte-americano Stanley Jordan, Wagner Tiso, o grupo de percussão Uakti, o violonista Yamandú Costa). Participou de espetáculos em Jundiaí, cidade que patrocinou o primeiro CD do Artista. Ainda em Jundiaí desenvolveu o projeto Ventos Solares no Museu Histórico e Cultural da cidade, o Solar do Barão, evento que aconteceu em 2005. Sapiranga também esteve se apresentando ao lado de nomes como Eugênio Avelino (Xangai), Margareth Menezes,  Almir Sater, José de Ribamar Viana (Papeti),  Zé Geraldo, o bandolinista e compositor Armandinho, o Maestro João Omar, Raimundo Sodré, Roberto Mendes, Mário Ulloa, entre outros.
Em 2009 esteve em cartaz no Goethe Café (Salvador), com o projeto Sapiranga ConVida. No ano seguinte o projeto aconteceu no Tom do Sabor, na mesma cidade. Nas várias edições do projeto, além de divulgar a sua música da zona da mata, Sapiranga  contou com a participação especial de músicos, poetas e cantadores. Essas parcerias, ao lado da receptividade do público, representam o reconhecimento do trabalho de Sapiranga no cenário soteropolitano. Agora ele se prepara para o vôo mais alto. É o que fica registrado nesta entrevista.


OPERÁRIA DAS RUÍNAS – Você está em fase final dos preparativos para o lançamento do disco Segredos do tempo. O que representa esse trabalho na sua trajetória de artista?

Sapiranga - A outra margem! Neste momento eu consigo mostrar um arcabouço que norteia a minha caminhada artística. Falo em relação aos gêneros, estilos e linguagens contidas no Disco. Ele é uma parte de minha bússola sonora e humana. Nele, está o meu olhar sobre o mundo em que vivo. Este CD traz elementos, texturas e sons que integram a minha vida. Um pouco do que escutei e li. Segredos do Tempo é o meu pequeno caleidoscópio.


OPERÁRIA DAS RUÍNAS - Segredos do Tempo, além de identificar o disco, também é o título de uma canção que compõe o álbum. Parece que a sua filha Clarinha, aos 3 anos de idade, foi quem deu os primeiros versos dessa canção. Em quais circunstâncias isso aconteceu?

Sapiranga -  “A infância é um momento no paraíso”.  Nós morávamos em São Paulo e eu senti a necessidade de voltar para casa (Bahia). Vinha com alguns sonhos para realizar e buscas para fazer. Gravar um Disco na Bahia era um dos sonhos! O meu avô (Dodozinho) morava em Valença, eu tinha algumas economias e pude ficar por lá durante um tempo. Clara Marina estava comigo, desde cedo eu já percebia nela umas nuances sensitivas em relação à arte. As crianças em geral têm essa ligação. A música surgiu em momento bem simples - coisas de compositores - na casa de meu avô, na sala... A harmonia me chegava, a melodia também, eu solfejava enquanto conversávamos sobre o que representava voltar pra casa naquele momento. Eu pedi a Clarinha que  dissesse ao Avô por que tinha vindo para a Bahia, ela disse: “passô tantas istradas, eu vim, foi meu pai que chamô”. Nasceu ali a canção. Realizei alguns sonhos e venho encontrando o que busco!


OPERÁRIA DAS RUÍNAS - Outro episódio interessante se relaciona com um sonho que você teve com o cantor e compositor Chico César, daí surgiu outra canção que também compõe o álbum Segredos do Tempo. Como se deu essa história?

Sapiranga - Isso foi bem engraçado! Foi em Sampa, n’aquelas noites geladas da terra da garoa! Chico César... ele é um grande poeta e músico... inventivo, criador! Estava eu, lá no meu sonho tranqüilo, quando de ‘repente’ aparece aquela figura exótica e singular me dizendo esses versos num ambiente quase indizível, por sobre prédios imensos caminhávamos, mas nós também éramos imensos. Lembro bem suas palavras: A princesa pop do mundo carrega a espada e seu corte. Acordei assustado com a cena e com os versos, ao meu lado o violão também dormia, acordei-o e já comecei a compor, dizendo: Espalhando canyons profundos entre uma e outra civilização, reviver babilônia é um remorso que pesa em todos no coração.
O que me chama a atenção, além do passeio que faço, na letra, por alguns momentos da humanidade, é a sua batida em células percussivas de capoeira (o violão presente como se fosse o berimbau e depois, como a viola dos cantadores repentistas). A música é um misto de capoeira com um canto ibérico. Como é bonito de se perceber os registros que fazem nossa memória...


OPERÁRIA DAS RUÍNAS - Considerando esses episódios, você relaciona sentidos místicos ao seu processo de criação artística?

Sapiranga - Misticismo? Mystikos - Isso vem de uma iniciação em uma religião misteriosa, sendo a busca da comunhão com a identidade, com o consciente ou consciência de uma realidade, divindade, verdade espiritual ou Deus, através da experiência direta ou intuitiva. Sendo assim, considero! Há uma beleza na forma Mística das coisas, porém, prefiro usar o termo Mistérios. É mais possível desvendar os Mistérios do que entender a forma Mística. Quer exemplo? Ouça direito os Segredos do Tempo e desvende os Mistérios! (risos).


OPERÁRIA DAS RUÍNAS - Quais as suas maiores influências como artista? Em que medida elas estão presente em Segredos do Tempo?

Sapiranga - Minhas influências são tantas... Eu gosto do radar que tenho. Com ele busco sonoridades e texturas, isso me faz ver beleza em quase tudo que há. E, de maneira surreal, vou somando e dando forma a outra realidade sonora e até textual. Digo isso porque gosto das buscas pela poética. Com isso não quero dizer que fico em peregrinação querendo alcançar um ‘verso novo’. O que faço é espontâneo! Não estou querendo inventar nenhuma roda ou alfabeto. Simplesmente gosto da palavra quando dita com sotaques diferentes e outros sentidos. Os sentidos estão em quem diz mas, sobretudo, em quem ouve ou lê. A minha principal influência se chama Raul Seixas (atitude). Raul tem uma coisa fantástica que é esse “parentealismo” que nos aproxima dele. A gente, que gosta de Raul, o tem como se ele fosse alguém muito querido, da família... Raul é um artista raro, sei que isso ocorreu com Bob Dylan também e com alguns outros artistas. Gosto de muitos outros, mas estou muito ligado a Raul, Dylan, Luiz Gonzaga e Xangai (O Menestrel de todas as Eras). Falo isso movido pelo sentimento da atitude que eles tiveram. Os cantadores de minha região fazem também parte da construção do meu Eu artista. Hoje, já não vejo a palavra ‘influência’ como o que vem delinear o meu caminho, e sim, ‘confluência’, eu prefiro.


OPERÁRIA DAS RUÍNAS - Você identifica o seu trabalho como som da zona da mata. Como se dá a articulação entre a intensa identificação com a sua terra de origem e esse seu lado desenraizado, de cidadão de todas as partes?

Sapiranga - A Música da Zona da Mata é o meu conceito quanto a algumas canções que faço e se voltam para o tema principal, ou seja, a Mata Atlântica e o lugar onde nasci (Gandu, Bahia). Passeio por muitos gêneros musicais, mas eu sou um Matêro – Homem da Mata (com um radar). Quando eu era menino, a BR-101 estava já passando por minha cidade, cortando-a ao meio. Ali, nos anos 80, todo o progresso também passava. Toda a modernidade tinha a minha cidade como caminho, isso deve ter alguma relação com esse radar, pois eu absorvia de alguma maneira essas impressões. Mas tem outro detalhe, que é o fato de estarmos no Nordeste, esse lado geográfico e poético, estamos ao mesmo tempo com um pé na idade média e o outro no futuro (em alguns aspectos). Eu vejo assim! Para mim a modernidade existente na literatura de cordel e seus versos fantásticos é o que há. Augusto dos Anjos e sua função modernopoética é brilhante. Paulo Freire é o inventor do bom futuro! Zé Limeira, o Poeta do Absurdo, é futurista e belo. Quinteto Violado, Milton Santos, Chico Science... Como não sermos cosmopolitas?
Tudo isso são partículas plantadas no imaginário... Eu sou, sim, um verso nessa imensidão. Telúrico. Todos são...


OPERÁRIA DAS RUÍNAS - No atual contexto de produção musical para rápido consumo, como o seu trabalho se fortalece, consolida e demarca diferenças?

Sapiranga - Isso tudo ainda é muito novo para mim. Pois sou um artista que, por exemplo, preciso vender CDs para seguir adiante. Como vender CDs no mundo da facilidade da ‘Copiaria’? Mas, ainda estou neste momento. Eu não disponibilizo minhas musicas gratuitamente na internet. Não estou podendo fazer isso. Busco ter um controle quanto a essa questão. É um momento realmente delicado, pois nós, cantores e compositores, nos vemos vulneráveis a esse imenso rolo compressor que é o grande mercado, que mesmo sofrendo abalos, domina, lidera, pois o capitalismo tem a sua roupa forte e mutante. Porém, vejo o futuro de maneira bastante otimista. Eu sou artista empreendedor, desses que tem disco para vender dos anos 2000 para cá, então não sofre com a transição maior da indústria fonográfica. Mas, ao mesmo tempo, sei que me dói essa banalização do CD, ou seja, no mesmo momento que é bom termos tecnologia ao alcance de todos, temos também um número bem maior de música sem qualidade ocupando espaços e, o pior, ocupando a mente das pessoas. Mas isso um dia acaba, o futuro vem renovar e trazer de volta o respeito às tradições, sem perdermos os rumos das eras modernas (isso é bem Chico Science) Mesmo com o advento da internet, não são todos os artistas emergentes que se projetam de forma mais relevante com na Net, tem que persistir e buscar ter um bom trabalho. Venho buscando esse lugar de me fortalecer.


Discografia:
Sapiranga Pássaro Noturno (2005)
Sapiranga Segredos do Tempo (2011)


Ouça algumas músicas do primeiro álbum de Sapiranga, Pássaro Noturno, em:

Assista ao vídeo Pássaro Noturno:


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