A Série COLHENDO LEITURAS traz relatos não acadêmicos sobre experiências de leitura literária.
AO LER MAR MORTO ME TORNEI MAIS VIVO
Por: Tcharly Briglia
Descobrir o prazer pela leitura é uma tarefa similar às primeiras experiências prazerosas que temos na vida. É como se descobríssemos que, muitas vezes, nossa aparente solidão pode ser amenizada com a companhia de um escrito agradável, tocante e capaz de nos fazer sorrir, refletir e repensar nossas atitudes. Acho que comecei a encontrar o prazer na leitura lendo Marcos Rey, com o intrigante Rapto do Garoto de Ouro. Passei a infância e a adolescência lendo muito mais gibis, jornais e revistas, os quais me interessavam pra valer e aprimoraram meu vocabulário, minha escrita e meu gosto por tudo que vem do campo das letras. Só aos dezessete anos é que resolvi encarar com mais afinco a leitura do escritor itabunense Jorge Amado. Embora já tivesse lido Gabriela, cravo e canelaquando ainda tinha quinze anos, foi só quando li Mar Morto, como sugestão de uma grande amiga e professora, é que me encontrei submergido nas ondas de pura literatura e sentimentos intensos da obra amadiana.
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Ilustração: Oswaldo Goeldi |
Com Rosa Palmeirão, vislumbramos a quebra do estereótipo feminino, bem longe da submissão que tentava ser imposta na época. Com a professora Dulce, vemos o “sacerdócio pedagógico” como crença em dias mais felizes, e não como sujeição ou imposição. O milagre esperado por ela é a crença que a educação pode transformar a vida de todos, fé inabalável que ainda vemos resvalada na prática de tantos docentes que, diariamente, ensinam acreditando no milagre do conhecimento, independente da sua área de alcance.
Lívia, personagem que sai da cidade e abre mão de uma vida mais fácil em nome do amor, acaba por representar a personificação perfeita do papel de Iemanjá, a eterna mãe e esposa, ao assumir com brilhantismo a difícil missão de ser condutora do barco de Guma, quando da morte do seu grande amor. Não se trata do romance clichê, marcado pelo encontro fortuito dos mocinhos, mas do romance de carne e osso, que evidencia ambas as partes de uma relação, esteja a maré alta ou baixa. O casal enfrenta as intempéries do destino, não foge do que está traçado e descobre a felicidade marcada por momentos pontuais.
Jorge Amado consegue ser lírico ao extremo em Mar Morto. Esse é um dos motivos que me faz gostar tanto da leitura de tal romance, pois ele consegue romper as classificações rígidas que nada combinam com a arte e, muito menos, com a liberdade desejada pela escrita amadiana.
A leitura, para mim, sempre foi uma espécie de experiência singular, que põe em xeque nossas crenças, nos apresenta o desconhecido e nos faz companhia intelectual, filosófica, cultural, sentimental e, até mesmo, humana. Ler é mergulhar nas ondas das infinitas possibilidades do prazer, do saber, da palavra. Assim como os personagens de Mar Morto desbravam novos caminhos na luta por realizar seus sonhos, cada novo leitor que se descobre envolvido pelo mundo maravilhoso da leitura, é um novo ser humano, preparado para lidar com as surpresas do cotidiano e disposto a ser levado pela maré de profundo prazer estético. Ao ler Mar Morto, com o risco do trocadilho, me tornei mais vivo para explorar o fértil terreno da literatura brasileira.
Tcharly Briglia nasceu em Itabuna - BA. Graduou-se em Letras pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e atualmente desenvolve atividades de ensino (Língua Portuguesa, Leitura, Língua Inglesa) na rede privada.