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Wednesday, April 4, 2012

COLHENDO LEITURAS

A Série COLHENDO LEITURAS traz relatos não acadêmicos sobre experiências de leitura literária.


AO LER MAR MORTO ME TORNEI MAIS VIVO

Por: Tcharly Briglia



Descobrir o prazer pela leitura é uma tarefa similar às primeiras experiências prazerosas que temos na vida. É como se descobríssemos que, muitas vezes, nossa aparente solidão pode ser amenizada com a companhia de um escrito agradável, tocante e capaz de nos fazer sorrir, refletir e repensar nossas atitudes. Acho que comecei a encontrar o prazer na leitura lendo Marcos Rey, com o intrigante Rapto do Garoto de Ouro. Passei a infância e a adolescência lendo muito mais gibis, jornais e revistas, os quais me interessavam pra valer e aprimoraram meu vocabulário, minha escrita e meu gosto por tudo que vem do campo das letras. Só aos dezessete anos é que resolvi encarar com mais afinco a leitura do escritor itabunense Jorge Amado. Embora já tivesse lido Gabriela, cravo e canelaquando ainda tinha quinze anos, foi só quando li Mar Morto, como sugestão de uma grande amiga e professora, é que me encontrei submergido nas ondas de pura literatura e sentimentos intensos da obra amadiana.
Ilustração: Oswaldo Goeldi
Assim como a vaga, no mar, leva o que encontra pela frente, a leitura de Mar Morto me levou para outras praias, “nunca antes navegadas”. Descobri a poesia na prosa, encantei-me com a narrativa dos homens do cais da Bahia de Todos os Santos e do amor pelas suas mulheres, tão esposas e mães, como Iemanjá é para seus pescadores. Impossível não se encantar com a história de Guma e de Lívia, aquela que ama por escolha e que escolhe ficar ao lado do homem que ama, mesmo sabendo das dificuldades que poderia enfrentar. Guma é abençoado pelo amor de muitas mulheres guerreiras, que dão o tom do romance, lírico a cada página, marcante a cada letra e singular em cada personagem.
Com Rosa Palmeirão, vislumbramos a quebra do estereótipo feminino, bem longe da submissão que tentava ser imposta na época. Com a professora Dulce, vemos o “sacerdócio pedagógico” como crença em dias mais felizes, e não como sujeição ou imposição. O milagre esperado por ela é a crença que a educação pode transformar a vida de todos, fé inabalável que ainda vemos resvalada na prática de tantos docentes que, diariamente, ensinam acreditando no milagre do conhecimento, independente da sua área de alcance.
Lívia, personagem que sai da cidade e abre mão de uma vida mais fácil em nome do amor, acaba por representar a personificação perfeita do papel de Iemanjá, a eterna mãe e esposa, ao assumir com brilhantismo a difícil missão de ser condutora do barco de Guma, quando da morte do seu grande amor. Não se trata do romance clichê, marcado pelo encontro fortuito dos mocinhos, mas do romance de carne e osso, que evidencia ambas as partes de uma relação, esteja a maré alta ou baixa. O casal enfrenta as intempéries do destino, não foge do que está traçado e descobre a felicidade marcada por momentos pontuais.
Jorge Amado consegue ser lírico ao extremo em Mar Morto. Esse é um dos motivos que me faz gostar tanto da leitura de tal romance, pois ele consegue romper as classificações rígidas que nada combinam com a arte e, muito menos, com a liberdade desejada pela escrita amadiana.
A leitura, para mim, sempre foi uma espécie de experiência singular, que põe em xeque nossas crenças, nos apresenta o desconhecido e nos faz companhia intelectual, filosófica, cultural, sentimental e, até mesmo, humana. Ler é mergulhar nas ondas das infinitas possibilidades do prazer, do saber, da palavra. Assim como os personagens de Mar Morto desbravam novos caminhos na luta por realizar seus sonhos, cada novo leitor que se descobre envolvido pelo mundo maravilhoso da leitura, é um novo ser humano, preparado para lidar com as surpresas do cotidiano e disposto a ser levado pela maré de profundo prazer estético. Ao ler Mar Morto, com o risco do trocadilho, me tornei mais vivo para explorar o fértil terreno da literatura brasileira. 


Tcharly Briglia nasceu em Itabuna - BA. Graduou-se em Letras pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e atualmente desenvolve atividades de ensino (Língua Portuguesa, Leitura, Língua Inglesa) na rede privada.

Friday, October 28, 2011

COLHENDO LEITURAS

Série "Colhendo Leituras", inaugurada neste instante, traz relatos particulares e não acadêmicos sobre experiências de leituras literárias.


Cem anos de solidão em mim
 Por: Larissa Pereira


Muitos anos depois, diante da tela do computador, eu me lembraria do impacto causado pela leitura da saga dos Iguarán-Buendía. Foram dias e dias em que estive tomada pela aura daquela família, absorta em um mundo de peixes e galos, partos e viagens. Cores, sussurros e cheiros de tão fantásticos eram reais.
Os personagens de Cem anos de solidão se impregnaram de tal forma em minha vida que cheguei a assustar-me. Minha medula óssea teria sido tomada por aquelas minúsculas histórias? A espantosa simplicidade das confusas histórias de Macondo estava encravada em mim, conduzindo minha percepção do mundo. Os Aurelianos e os Josés Arcadios se faziam presente na matéria fluida de meu cotidiano, pressionando-me contra sucessivos muros. Não havia pelotões de fuzilamento tampouco coros de mulheres inférteis mortificadas pela beleza para me vigiar. Não obstante, eles estavam lá. Os diálogos de Cem anos de solidão sabiam de mim. O marrom e o rubro esmaecidos convocavam-me para também eu ser uma Remedios sem cabelo. Uma Amaranta sem piedade. Uma Úrsula sem descanso. Uma Pilar sem pudor. Uma Rebeca com dor.
Meme e Maurício Babilônia. Por: Carybé
Para o meu professor de teoria da literatura, da graduação em Letras, aquelas sensações atendiam pelo nome de realismo fantástico. A virgindade corrompida dos meus olhos aprendia, então, a olhar aquelas cenas em que a fronteira entre o vivido e o imaginado era mais do que tênues. Em vão busquei categorizar, definir, enquadrar. Em vão busquei aplicar fórmulas ao entendimento da diegese de Gabriel García Márquez. Fiz dela, na verdade, um prato perfeito, de culinária saborosa. Da diegese fiz digestão. Tomei para mim a lucidez dos que se amarram em árvores e esperam a visita de ciganos profetas. Teci tantas mortalhas quanto fosse possível. No caminho, só recordava e só vivia.
 Melquíades, o cigano. Por Carybé

Avessa às polarizações, me encontrei na umidade de uma casa impúbere, embora marcada pelo frescor da novidade cíclica dos sentidos que são sentidos. Tal foi a minha marca depois da leitura de Cem anos de solidão. Minha condição de gente, mulher, nordestina, professora, pesquisadora de almas e sonhos, desde sempre transfigurada pela reinvenção diária de infinitas macondos.Muitos anos depois, quando desejei escrever este texto e reli em mim tantas personagens, tive medo, mas também tive beleza. A persistente inquietude literária ainda fazia parte de mim. O mundo me parecia dolorosamente mais vivo depois da literatura.

Úrsula Iguarán e José Arcádio Buendía (núpcias). Por Carybé.

José Arcadio Buendía, enlouquecido, sob o castanheiro. Por: Carybé

Úrsula Iguarán (centenária). Por Carybé







Larissa Pereira é natural da lendária e mítica cidade de Ipiaú-BA. Professora da rede pública de ensino, Mestre em Estudo de Linguagens pela UNEB.
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