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Como faço com comentários que se destacam, guardei este da Cândido no post Feio é o seu racismo. Já faz um tempinho que ela o escreveu, mas gostaria de compartilhá-lo com vocês. Ele vem a calhar numa semana marcada pela decisão unânime do Supremo Tribunal Federal de que as cotas raciais adotadas por 42% das universidades federais no Brasil (só 42%?!) são, sim, constitucionais. Talvez este relato pessoal da Cândido ajude o pessoal que não acredita na existência do racismo (ou que pensa que, se racismo existe, ele não influencia diretamente a vida das pessoas) a refletir um pouco. Leio seu blog já faz muitos meses, gosto muito dos seus textos, nunca havia comentado nada, mas hoje vim falar um pouquinho porque essa questão do racismo sempre foi algo muito presente na minha vida.Bem, sou filha de pai negro (por mais que todo mundo adore dizer que ele é "só um poquinho mais escuro") e mãe branca. Nasci super branquinha, com sardas e um cabelão MARAVILHOSO, bem cacheadão, crespo, que quando criancinha era loiro e com o tempo foi escurecendo, chegando na adolescência a ter todas as cores e tamanhos possíveis dada a minha "rebeldia" de não me render aos alisamentos constantes a que era pressionada por minha família de pai (pasmem, a negra) a fazer. Não tenho traços tão afilados como os da minha mãe; na verdade sou a cara do meu pai. Tenho uma irmã mais escura e um irmão da minha cor. Todos de cabelos crespos.Quando era criança não conseguia entender muito bem como a família do meu pai que era negra odiava tanto o fato de eu e minha irmã termos "cabelos de negros". No meu caso esse comentário sempre vinha junto com o "não sei como tu tão branca nasceu com esse cabelo ruim de nêgo". Tipo, pra minha irmã era de se esperar pela cor, MAS EU... um absurdo, que deveria ser corrigido com um alisamento assim que eu crescesse um pouco. E pro meu irmão, ah! era só raspar, né? Sempre me sentia mal quando ia passar os fins de semana na casa dessa minha família. Fui crescendo, estudando e aprendendo sobre a história da escravidão negra no Brasil e então fui entendendo que esses tipos de visões, comportamentos, atitudes da minha família eram herança da nossa sociedade escravocrata. Eles nem sonham que são racistas, eles perseguiram um ideal de beleza branco a vida inteira, e eles não vão mudar. O que tento fazer hoje é educar meus priminhos mais novos a não repetirem esse tipo de comportamento.Era muito ruim escutar das pessoas quando saía com meu pai: "Nossa, essa menina é tua filha? Tem certeza?" Era pela cor? Era duvidando da minha mãe? Horrível. Meu pai deve ter sofrido muito por isso. Um tempo desses fui na casa de uma amiga e ao me apresentar ao seu pai ele me perguntou de quem eu era filha (coisa de cidade pequena). Quando eu disse de quem eu era filha, ele falou: "Mentira! Tu é filha daquele nêgo feio? Pode não..."Péssimo, né? Sempre fico sem jeito, mas algo que sempre me surpreende é que quando as pessoas descobrem que meu pai é auditor fiscal da Fazenda ele fica "moreninho"! Essa questão da "morenidade" é bem complexa, mas explica muitas situações de racismo velado. Ler Gilberto Freyre com um olhar bem crítico sobre sua "democracia racial" e o "mito da morenidade" é bom pra entender algumas situações. Jessé Souza também consegue explicar a partir de uma leitura bem particular de Freyre como se deu a "modernização" do Brasil. É interessante a explicação dele pra porque a gente tenha absorvido somente alguns aspectos do que vem a ser modernidade ocidental (racionalidade, estado, etc) e como a questão racial, principalmente do negro, ficou nisso tudo.
Por que o segundo tipo é tido como o padrão aceitável?Adorei este comentário que a Yssy deixou no post Feio é o seu racismo, e decidi reproduzi-lo aqui. Ele trata do padrão de beleza racista que determina que só um tipo de cabelo é bonito, e como isso afeta a autoestima de montes de meninas. Aproveitando o tema, ontem recebi vários tweets de leitoras indignadas com o novo anúncio de uma marca de lingerie.
Vamos boicotar a marca, pessoal. Esta e todas as outras que insistem em ser racistas num país em que mais de 50% da população é negra ou parda. Não devemos tolerar racismo e outros preconceitos em lugar nenhum, menos ainda num país com maioria negra. Temos poder como consumidor@s e cidad@s. Da próxima vez que ouvir a expressão cabelo ruim, critique.
Lola, este post me tocou especialmente porque eu cresci exatamente com esse padrão de beleza mart
elando a minha vida e isso trouxe sérios danos em todo o processo de formação da minha autoestima.Tenho a pele clara e o cabelo muito crespo mas um pouco claro também, o que as pessoas chamam de "Sarará". Minha mãe é branca de cabelo liso. Eu nunca tive contato com meu pai, que já faleceu e era negro. Fui levada por todos os lados a acreditar que eu era feia por causa do meu cabelo, que era “de preto”, “ruim”, e vivi muitos anos em luta com ele. Eu não saía na rua quando ele estava natural, alisei o cabelo sistematicamente desde os nove anos de idade, usei até ferro de passar roupa para alisá-lo (como muita gente) e fiquei careca duas vezes por alisamentos com soda cáustica, uma dessas vezes no dia da minha “formatura” da quarta série, aos dez anos de idade. Quando eu era menor, queria ser paquita. E minha mãe, que também era mu
ito nova, chorava porque sabia que eu nunca seria paquita, afinal, eu não era uma menina branca, loira de cabelos lisos! Como minha mãe e toda a família dela são brancos, eu não tinha nenhuma referência, e achava que eu era simplesmente feia. Eu demorei décadas para perceber que o que eu sofri na infância na verdade era racismo! Estudei em uma escola pequena, privada, classista e racista -- que só tinha um aluno negro, bolsista, claro. E as crianças lá cantavam para mim a música “Reggae Night” e eu não percebia na época porque aquilo para eles era uma ofensa e porque eu realmente me ofendia tanto. Minha mãe conta que, quando eu nasci, uma das primeiras coisas que falaram pra ela foi “Ainda bem que nasceu branquinha”… E outras pessoas da família da minha mãe falavam que meu cabelo
era crespo por causa da idade, hormônios da adolescência, ou de uma influência sei lá daonde (nunca negra!). Enfim, hoje, aos vinte e cinco anos, com o cabelo crespíssimo, totalmente natural, formada em Antropologia e morando na África, em Moçambique, eu olho para trás e percebo quantas formas e diferentes expressões o racismo pode adquirir na nossa sociedade, principalmente nessa fábula da miscigenação que é o Brasil e na formação de uma auto-estima feminina, o que por si só já é um processo complicado nesse bombardeio de padrões que a sociedade machista nos impõe.Fico revoltada por imaginar quantas crianças, principalmente meninas, da minha e de tantas outras gerações cresceram sem imaginar que podiam ser consideradas bonitas -– por elas e pelos outros!
Por outro lado, vejo uma luzinha no fim do túnel em algumas coisas como o clipe da Willow Smith de uma música chamada “Whip my Hair”. Tudo bem, sei que não é uma coisa lá muito progressista e reproduz vários clichês, mas é a linguagem da molecada mostrando uma menina negra, de cabelo crespo, trançado como a “popular”, incentivando as outras crianças a “whip your hair” seja lá como ele for… Precisamos de mais expressões desse tipo no Brasil, que ajudem a empoderar as crianças negras, f
azê-las ter orgulho se sua origem e sentirem-se lindas e poderosas com seus cabelões! Quem sabe o fato de a maioria da população brasileira já ter “coragem” de se auto-intitular parda ou negra seja também um indício de que esta caminhada contra o racismo pode começar a andar a passos um pouco mais largos… porque o caminho ainda é muito longo!
Recebi este email da Cecília, que tem 15 anos e mora no Rio de Janeiro. Ele me deixou triste porque suas palavras mostram o quanto Cecília internalizou o racismo que ouviu a vida
inteira. O racismo não é explícito -- vem só disfarçado de "gosto pessoal" por um cabelo liso que, por coincidência, é o padrão caucasiano. Não sei muito bem como ajudar esta garota, a não ser recomendando ótimos vídeos como o "Solte o cabelo, prenda o racismo" e "O que o cabelo fez para ser chamado de ruim?". Já publiquei diversos guest posts de moças, algumas tão jovens quanto ela, que aprenderam a aceitar suas cabeleiras. Mas ela ainda parece estar muito longe desse estágio. Me ajudem a ajudar a Ceci!Eu sou uma pessoa insegura desde sempre, com tudo. Nunca me achei bonita o suficiente, sou extremamente ansiosa, desenvolvi uma compulsão alimentar por doces e como o tempo todo pra descontar minh
a ansiedade. Depois da 'comilança' vem a depressão, o sentimento de que eu sou um lixo, me xingo de todos os nomes e fico me odiando por um bom tempo, autoestima lá embaixo. Detesto minhas curvas e meu corpo. Sou do tipo 'pêra', sabe? Não tenho seios, minha cintura é fina e meu quadril é muito largo, ou seja: muito desproporcional. Sou normal, nem magra nem gorda (me enxergo como uma baleia), mas tenho tendência a engordar, a celulites e flacidez. Já fiz várias dietas e jejuns, tenho pânico de engordar, mas sempre volto a comer.Dizem que eu sou bonita, meu namorado vive afirmando isso, e tem dias que eu realmente me sinto assim, mas uma coisa sempre me impediu de ser feliz: meu cabelo. Eu não o suporto, sou extremamente infeliz e só fico bem no dia que volto do salão. No resto dos dias, me sinto péssima e insegura com minha aparência.
Você já deve imaginar que meu cabelo é crespo. Mas aí eu digo que crespo é pouco pro meu. Minha juba é insuportável de cuidar, de manter, de tratar, de alisar. É um inferno, de verdade. Embora eu seja bem branquinha, falo que meu cabelo é "de negro". E não é racismo não, meus avós são mestiços e me deram essa herança ótima (só que ao contrário).É duro ter cabelo duro. Quando você é pequeno, as outras crianças riem de você, fazem piada e te humilham (quem falou que na infância nós somos inocentes, tá mentindo. Crianças sabem direitinho como ata
car e ferir as pessoas). Conheci todas as marcas de palha de aço através dos apelidos carinhosos pro meu cabelo. "Assolan", "Bombril", "Sarará", "Pixaim", e outros nomes muito fofos pra quem tá com a autoestima em formação. E quando você cresce, é o resto do mundo reparando mais ainda. Adolescente é um bicho cruel. Fala, aponta, segrega, humilha. Pratica bullying como se fosse algo normal. Por causa disso eu evito ir à praia e à piscina pra não molhar o cabelo sem ter chapinha por perto. Viajar é um inferno, porque preciso usar secador e prancha a cada ida à piscina, a cada banho que molhe o cabelo. Não saio de casa sem todo esse ritual de fritar o cabelo, e ficar 'ao natural' pra mim é insuportável, me sinto mais feia do que o habitual. Me
arrumo horas antes pra dar tempo de tentar melhorar. Gasto os tubos, às vezes mais do que posso, com salão de beleza. Perco um tempo precioso, arrisco minha saúde com produtos químicos desde muito novinha (sim, eu faço relaxamento desde uns cinco anos de idade, mais ou menos). E dói, Lola, dói. Arde o coro cabeludo, o olho e a pele, puxa, e mais toda a sorte de coisas ruins. Ainda sim, não dura pra sempre. Dois meses depois eu volto pra essa tortura de novo. Tudo porque eu não consigo abdicar da minha vaidade, não consigo desencanar e não ligar pro que pensam. Não gosto de ter cabelo esticado o tempo todo. Queria poder acordar e ir pra escola sem ter que queimar meu cabelo todo dia. Não ter que gastar quantias enormes com coisa que faz mal pra mim. Juro que queria. Ter uma liberdade que a sociedade só dá pra quem tem cabelo liso, 'bom'. Mas não
, não posso. Tenho que me sujeitar a algo que eu odeio e que me faz ficar igual a todo mundo (o mundo agora é louro e liso, já viu, né?) porque, se não for assim, apontam, julgam e falam mal. Eu sou uma pessoa infeliz, insegura com meu corpo e principalmente com meu cabelo porque as pessoas me fizeram assim.
Este é o lindo desenho que a Lívia fez pra Ester.R. tem 16 anos, é daqui de Fortaleza e, inspirada pelo caso da Ester, me env
iou este relato. Aproveito aqui para recomendar este lindo vídeo da campanha "Solte seus cabelos, prenda o racismo". Não é um caso muito raro de se ver. Apesar de não ser negra e nem de ser filha de pais negros, eu, como a maior parte dos brasileiros, tenho ascendência negra e nasci com o cabelo afro, cacheadinho e bastante volumoso desde pequenininha. E com esse meu cabelo já passei por poucas e boas. É sobre ele o relato que eu vou contar.Tudo começou quando eu era bem pequenininha, na primeira escola, uns três ou quatro aninhos. Sempre fui muito alegre e gostava muito de dançar. Minha avó cuidava do meu cabelo e sabia fazer
vários penteados bonitos, então eu sempre parecia uma bonequinha. A primeira vez que eu aprendi que deveria odiar o meu cabelo foi num passeio da escolinha. Durante uma brincadeira entre os alunos, eu entrei no meio da rodinha de crianças e professoras pra dançar. Acontece que eu tinha ido para a piscina, meu cabelo estava secando sem creme para pentear, ao natural, e obviamente eu queria saber mais era de brincar. O resultado foi uma pequena moita cacheada na minha cabeça. E quando entrei na rodinha e comecei a dançar, de repente estavam todos rindo de alguma coisa. Coleguinhas e tias. Só fui perceber que a piada era eu (e o meu cabelo) depois de um tempo. Aí eu saí da roda. A partir daí eu comecei a dizer que queria ser loira, ter cabelo liso e olhos ve
rdes. A imagem perfeita do padrão. Chorava dizendo que era feia, que eu não queria ter nascido daquele jeito. Com o tempo, eu fui crescendo, e a minha avó, talvez por não saber o que fazer, começou a me levar na cabeleireira para passar relaxante e alisante no cabelo com 7 anos de idade. Felizmente, eu nunca fui tímida e mesmo com o cabelo "ruim" aprendi a me sentir especial. Mas com tantos procedimentos químicos feitos desde a infância, o cabelo foi ficando ruim de verdade.Até que, relaxamentos e progressivas depois, eu cortei o meu cabelo no ombro, tratei e conseguir voltar a ver os meus cachinhos saudáveis. O problema é que, na indústria cosmética, poucos são os produtos para cabelo cacheado realmente eficazes. A maioria dos cabeleireiros têm pouquíssimo conhecimento sobre como lidar com esse tipo de cabelo de forma saudável, acham que a única solução é a q
uímica. Junte então a falta de informação com o preconceito por parte das pessoas. Um dia uma cabeleireira, negra, com o cabelo alisado, me abordou num restaurante perguntando se eu não queria alisar o meu cabelo pois ficaria muito mais bonito, fácil de manter, etc etc etc. Respondi que não, que tinha orgulho dele do jeito que era. Mas as pessoas são cruéis, Lola. Eu era constantemente motivo de piada por causa do meu cabelo. E quem fazia as piadas eram os meus próprios "amigos". Eu ria e fingia levar na esportiva, enquanto as meninas de cabelo liso colecionavam elogios. Ao mesmo tempo, eu não encontrava um cabeleireiro que não me oferecia uma "escova de não-sei-o-quê" junto com mil argumentos de realizar o procedimento (
e desistir do meu cabelo natural). É também uma questão de custos. É muito mais lucrativo vender procedimentos químicos, e o cliente ter que voltar ao salão de 4 em 4 meses em média para retocar a parte da raiz que cresceu natural, ao invés de vender apenas tratamentos como hidratação, em geral mais baratos e que são necessários para manter saudável tanto o cabelo natural como o cabelo modificado por químicas.Até que eu me rendi. Alisei o cabelo e deixei só alguns poucos cachos na ponta. Na primeira vez ficou lindo, elogios, o fim das piadinhas inconvenientes. Na segunda vez, meu cabelo sofreu um dano ime
nso, e chegou ao estado de "calamidade" que nunca havia chegado antes. Veio a raiva do profissional irresponsável que aplicou o produto da forma incorreta, o arrependimento de não ter seguido firme e forte com os cachos, de não ter ouvido pessoas que me aconselharam a não mudar, como alguns poucos amigos e o meu namorado. Mas hoje, um ano depois, sabe o que eu percebi? Que aquele cabelo volumoso, cacheado, que chama a atenção é meu, só meu, e faz parte da minha identidade. Cabelo liso pode ser lindo e prático, mas não é meu.
Minha história capilar caminha para um final feliz agora. Decidi pacientemente esperar o cabelo crescer inteiro de novo, e cuidar de uma parte de mim que tem sérias chances de se tornar a preferida, ainda que todo o resto seja amado. Pesquiso na internet e vejo que tem muitas meninas na mesma situação que eu e que compartilham pequenas diquin
has umas com as outras. Hoje eu sou feliz tendo cabelo cacheado (ainda que na base da técnica do "dedinho" e do "papelote"), olhos castanhos e sendo morena.O que eu quero dizer para as leitoras e os leitores do seu blog é que a "ditadura do cabelo liso" é sim uma forma de racismo. Não vivemos em países eslavos para sermos todas loiras dos cabelos lisíssimos. É absurdo que o Brasil, um país com uma diversidade racial tão grande, tenha tanto preconceito disfarçado. Quantos não me diziam que eu estava certa de "assumir meu cabelo" (como se fosse algo que eu precisasse de muita coragem e humildade para admitir tamanha diferença perante à sociedade), mas tinham o mesmo cabelo de etnia negra como eu e viviam tentando aparentar o padrão caucasiano. A verdade é que tem que ter muita atitude para ir contra esse padrão. Portanto, não vou dizer que "se aceitem" como se fosse um ato
passivo de conformação, mas mostrem às pessoas que todos têm o direito de serem aceitos! Que todos têm o direito de te aceitar do jeito que é e te respeitar assim. Não tolerem piadinhas. Não deixem que as pessoas te convençam que por causa de qualquer característica sua, seja cabelo, cor de pele, forma corporal, você não pode ser bel@. A beleza começa dentro de nós (sei que é clichê), e não num pote de escova progressiva milagrosa. PS: Se alguém precisar de alguma referência quanto à cuidados com cabelos crespos e cacheados, foi aqui que eu aprendi muita coisa.