Thursday, February 16, 2012

GUEST POST: É DURO TER CABELO DURO

Recebi este email da Cecília, que tem 15 anos e mora no Rio de Janeiro. Ele me deixou triste porque suas palavras mostram o quanto Cecília internalizou o racismo que ouviu a vida inteira. O racismo não é explícito -- vem só disfarçado de "gosto pessoal" por um cabelo liso que, por coincidência, é o padrão caucasiano. Não sei muito bem como ajudar esta garota, a não ser recomendando ótimos vídeos como o "Solte o cabelo, prenda o racismo" e "O que o cabelo fez para ser chamado de ruim?". Já publiquei diversos guest posts de moças, algumas tão jovens quanto ela, que aprenderam a aceitar suas cabeleiras. Mas ela ainda parece estar muito longe desse estágio. Me ajudem a ajudar a Ceci!

Eu sou uma pessoa insegura desde sempre, com tudo. Nunca me achei bonita o suficiente, sou extremamente ansiosa, desenvolvi uma compulsão alimentar por doces e como o tempo todo pra descontar minha ansiedade. Depois da 'comilança' vem a depressão, o sentimento de que eu sou um lixo, me xingo de todos os nomes e fico me odiando por um bom tempo, autoestima lá embaixo. Detesto minhas curvas e meu corpo. Sou do tipo 'pêra', sabe? Não tenho seios, minha cintura é fina e meu quadril é muito largo, ou seja: muito desproporcional. Sou normal, nem magra nem gorda (me enxergo como uma baleia), mas tenho tendência a engordar, a celulites e flacidez. Já fiz várias dietas e jejuns, tenho pânico de engordar, mas sempre volto a comer.
Dizem que eu sou bonita, meu namorado vive afirmando isso, e tem dias que eu realmente me sinto assim, mas uma coisa sempre me impediu de ser feliz: meu cabelo. Eu não o suporto, sou extremamente infeliz e só fico bem no dia que volto do salão. No resto dos dias, me sinto péssima e insegura com minha aparência.
Você já deve imaginar que meu cabelo é crespo. Mas aí eu digo que crespo é pouco pro meu. Minha juba é insuportável de cuidar, de manter, de tratar, de alisar. É um inferno, de verdade. Embora eu seja bem branquinha, falo que meu cabelo é "de negro". E não é racismo não, meus avós são mestiços e me deram essa herança ótima (só que ao contrário).
É duro ter cabelo duro. Quando você é pequeno, as outras crianças riem de você, fazem piada e te humilham (quem falou que na infância nós somos inocentes, tá mentindo. Crianças sabem direitinho como atacar e ferir as pessoas). Conheci todas as marcas de palha de aço através dos apelidos carinhosos pro meu cabelo. "Assolan", "Bombril", "Sarará", "Pixaim", e outros nomes muito fofos pra quem tá com a autoestima em formação.
E quando você cresce, é o resto do mundo reparando mais ainda. Adolescente é um bicho cruel. Fala, aponta, segrega, humilha. Pratica bullying como se fosse algo normal. Por causa disso eu evito ir à praia e à piscina pra não molhar o cabelo sem ter chapinha por perto. Viajar é um inferno, porque preciso usar secador e prancha a cada ida à piscina, a cada banho que molhe o cabelo. Não saio de casa sem todo esse ritual de fritar o cabelo, e ficar 'ao natural' pra mim é insuportável, me sinto mais feia do que o habitual. Me arrumo horas antes pra dar tempo de tentar melhorar.
Gasto os tubos, às vezes mais do que posso, com salão de beleza. Perco um tempo precioso, arrisco minha saúde com produtos químicos desde muito novinha (sim, eu faço relaxamento desde uns cinco anos de idade, mais ou menos). E dói, Lola, dói. Arde o coro cabeludo, o olho e a pele, puxa, e mais toda a sorte de coisas ruins. Ainda sim, não dura pra sempre. Dois meses depois eu volto pra essa tortura de novo. Tudo porque eu não consigo abdicar da minha vaidade, não consigo desencanar e não ligar pro que pensam.
Não gosto de ter cabelo esticado o tempo todo. Queria poder acordar e ir pra escola sem ter que queimar meu cabelo todo dia. Não ter que gastar quantias enormes com coisa que faz mal pra mim. Juro que queria. Ter uma liberdade que a sociedade só dá pra quem tem cabelo liso, 'bom'. Mas não, não posso. Tenho que me sujeitar a algo que eu odeio e que me faz ficar igual a todo mundo (o mundo agora é louro e liso, já viu, né?) porque, se não for assim, apontam, julgam e falam mal. Eu sou uma pessoa infeliz, insegura com meu corpo e principalmente com meu cabelo porque as pessoas me fizeram assim.

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