Saturday, February 25, 2012

GUEST POST: UNIVERSIDADE, LUGAR DE ASSÉDIO?

Em outubro, por conta de uma mesa redonda da qual iria participar, pedi pra vocês que narrassem casos de assédio sexual e discriminação por parte de professores. Foram mais de 250 comentários, de todos os cantos do país, contando a mesma história de desrespeito às alunas, impunidade e descaso das instituições. Um desses casos, um que aconteceu na UFPE no ano passado, finalmente foi levado adiante. O julgamento será nesta segunda, dia 27 de fevereiro, na 13a vara da Polícia Federal de Pernambuco, às 14 horas. Neste guest post, uma graduanda da universidade conta o que aconteceu, e faz um apelo: "A violência não é um problema só de quem a sofre, é um problema de tod@s nós. Ontem foi ela, amanhã pode ser você". UPDATE: Veja no final a condenação, que saiu em maio.

Um dia as máscaras caem. Alguns indivíduos acreditam na impunidade, amedrontam, ameaçam e violentam, certos de que seu status, seu dinheiro e seu prestígio lhe darão segurança, mas um dia se deparam com pessoas para as quais toda essa casca de nada vale, pessoas que colocam a boca no trombone.
Pois bem, pode parecer que estou divagando, mas estou somente iniciando mais um relato de violência contra a mulher. Mais um entre milhões que acontecem todos os dias, e confesso que muito me desanima ver que as estatísticas pouco têm diminuído e muitas vezes são até invisíveis em certos casos, como em ambientes acadêmicos. Então vamos lá...
Em meados do ano passado, uma aluna e funcionária da Universidade Federal de Pernambuco afirmou ter sido estuprada por um professor. Como qualquer orientanda, numa bela tarde, ela tinha uma reunião marcada com ele em sua sala para discutir sobre sua pesquisa, cujo próprio acusado se convidou para orientar. Ele inicia a conversa falando da sua enorme coleção de máscaras e blá bla bla bla bla... A aluna, por sua vez, começa a falar sobre o projeto; afinal de contas, era para isso que ela estava lá. Nesse momento, ele pega em suas mãos e diz: “Você está muito tensa, relaxe”. A partir daí, o circo dos horrores se forma e mais uma violência se concretiza. Prendendo as mãos dela, ele apalpa seus seios. Ela então, se solta e junta suas coisas, e sai da sala. Ele vai atrás dela, e a segue pelas escadas do prédio da faculdade, cínico e no intuito de continuar a violentá-la psicologicamente. Em um dado momento, ele apalpa sua bunda, ela se esquiva e pede para que ele pare. “Só se você pegar na minha”, foi sua resposta. Ao chegar ao térreo, ela busca ajuda em seu ambiente de trabalho e é encaminhada à coordenação de sua pós-graduação. Chorando e desesperada, ela espera quatro horas até a coordenadora aparecer e pedir para que ela se acalme. A coordenadora insinua que ela pode ter se confundido, que talvez ele não tivesse feito aquilo, mas por ela estar nervosa, pode ter imaginado coisas. Oi? Então ela imaginou ter sido apalpada? Imaginação fértil, não é? E para finalizar com chave de ouro, a coordenadora pergunta a ela se não quer que ligue pro professor e peça para ele lhe pedir desculpas...
Corajosamente, ao sair da universidade, a aluna vai à Delegacia da Mulher e presta queixa. As delegadas no plantão indiciam o professor por estupro [já que, segundo a lei 12015 de agosto de 2009, para que haja estupro não é mais preciso a conjunção carnal; logo, o que era antes tido como Atentado Violento ao Pudor é hoje considerado estupro] e encaminham o caso ao Ministério Público Estadual. Entretanto, o promotor que recebe o caso rejeita a acusação e afirma no processo que tudo não havia passado de uma “passada de mão”, palavras dele.
Por que isso aconteceu? Podemos especular? Primeiro, o acusado é uma pessoa muito influente, pois trabalha na área de segurança pública. Segundo: para muit
os desses cidadãos que estão no poder, violência de gênero é algo que não existe e tudo acaba por se resumir em falácias, mentiras por parte das vítimas e absolvição do agressor.
Para completar, é marcada uma audiência de conciliação! Colocar frente a frente vítima e acusado. Acreditando na incompetência do Ministério Público de julgar o caso, o ad
vogado da vítima entra na instância federal.
A própria leva todo o processo à Promotoria Federal e depois de quinze dias entra em contato com o promotor que pega seu caso. No processo ele pede a exoneração do acusado, dá veracidade à versão da vítima, e encaminha o caso para a juíza.
Nesse momento a aluna está esperando ser chamada para que o processo de depoimento e tudo mais comece. Por mais incrível que possa parecer, a justiça está fazendo a sua obrigação, que é investigar o que houve, e punir, caso o acusado seja considerado culpado. Tudo parece ir bem se não fosse o esquecimento do caso por parte tanto da universidade, quanto dos professores e profissionais e, sobretudo, por parte dos alunos.
Esse caso não foi o primeiro do professor. Junto com esta vítima, outra também o denunciou. Há outros que por medo as mulheres, alunas, professoras e profissionais não denunciam. Não é o primeiro dentro da instituição. É sabido por todo mundo que violências, sejam elas simbólicas, psicológicas e físicas acontecem no ambiente acadêmico, lugar da ciência, dos letrados e de toda sapiência, mas isso não é divulgado. As vítimas sofrem sozinhas e caladas, e a universidade fecha os olhos para isso. E o pior de tudo: os próprios professores sabem, mas nas suas funções de educadores nada podem fazer, empurram a poeira para debaixo do tapete e dizem: “É, isso acontece mesmo, mas não podemos acusar ninguém sem provas”, ou “A pessoa pode alegar perseguição política”. No fim das contas o corporativismo predomina, e nada é feito.
No entanto, para mim há uma omissão e uma negligência que me parecem ainda pior: a dos alunos. Simplesmente não falam sobre o assunto. Logo que ocorreu esse último caso (até onde sabemos), eles fizeram algum burburinho, mas hoje? Uma borracha foi passada em suas memórias. Não sabem eles que com esse silêncio ajudam para que mais e mais pessoas, sejam homens ou mulheres, sejam violentad@s e passem por mais e mais situações desse nível.
Por isso venho, através desse relato, trazer uma reflexão: é necessário que tomemos partido. Chega de imparcialidade que só leva à impunidade; violência contra as mulheres existe sim e está batendo a nossa porta. Não precisa, se não quiserem, defender a versão da vítima, o que deve ser exigido é a apuração do caso e o não esquecimento. Cobrar, cobrar, cobrar. Cobrar para que o professor seja afastado enquanto o processo acontece. No momento não importa se ele é isso ou aquilo -- ele está sendo acusado pela justiça e continua dando aula.
Se a justiça é para todos, que julguemos todos igualmente e não ofereçamos regalias. Mas enquanto a violência contra a mulher for tratada com esse desrespeito e conivência por parte de todos, mais e mais meninas e mulheres serão vítimas. Vítimas de seus “educadores”, de seus pais e, por que não, de toda a sociedade. No caso especifico das universidades, depois de muita luta, nós mulheres conseguimos entrar no espaço acadêmico, e não podemos aceitar ser expulsas de lá pela violência.
P.S.: A condenação saiu em maio, e desta vez a Justiça foi exemplar. O professor da UFPE e cientista político Jorge Zaverucha foi condenado a um ano e nove meses de prisão (a ser cumprido em regime aberto, mas com restrição de direitos), a pagar R$ 50 mil de indenização à aluna e dez cestas básicas por mês (durante toda a sua pena) para uma entidade beneficente, e a perder seu cargo na Federal. Obviamente, seus advogados vão entrar com recurso, pois a punição foi dura. Espero que ela seja mantida. Muitos parabéns à aluna, que teve a coragem de denunciar, e a tod@s que se mobilizaram em seu apoio. Eu, de minha parte, tenho orgulho de ter publicado este guest post. Obrigada.

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