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Wednesday, August 3, 2011

CRÍTICA: MEIA NOITE EM PARIS / Paris é uma festa. Palavra do Woody

Personagem de Owen Wilson busca a saída

Paris não podia pedir um cartão postal tão sedutor quanto o 41o filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris. Não são só as ruas limpinhas, largas, belas, cheias de monumentos, arborizadas, feitas pras pessoas andarem. É a noção de que em cada esquina da cidade a gente vai esbarrar em algum marco histórico. Dá pra entender por que todos os artistas e inteletuais viviam em Paris na Era do Jazz, assim como é compreensível que o personagem do Owen Wilson, um roteirista de Hollywood e aspirante a romancista, queira ficar lá pra sempre. Ele não quer só ficar em Paris por toda a eternidade ― ele quer é permanecer naquela Paris dos anos 1920 com sua nova gangue de amigos, entre eles F. Scott Fitzgerald, Zelda, Hemingway (melhorou muito a imagem que eu tinha dele! Quero um Ernest assim), Gertrude Stein (Kathy Bates, ideal), Salvador Dali (Adrien Brody, muito engraçado), Buñuel (deu vontade de rever o grande O Anjo Exterminador), Man Ray, T. S. Eliot, Cole Porter (todo mundo conhece a versão que o Chico canta com a Elza Soares, né?), e uma moça divina que já fora amante de Modigliani e agora é de Picasso, Adriana (interpretada por Marion Cottilard, que parece mesmo teletransportada de décadas passadas pra cá). Meia Noite é mais gostoso pra quem já ouviu falar nesses nomes famosos, mas creio que pode ser bem aproveitado até por quem pensa que Man Ray é marca de óculos escuros (vai dizer que não parece?).
Meia Noite deve ser o filme do Woody que tá recebendo a acolhida mais calorosa (de público e crítica) desde Ponto Final, e é uma gracinha. Tem um clima de nostalgia que lembra A Rosa Púrpura do Cairo. Praticamente todo os protagonistas da obra do Woody (tirando o de Ponto Final, que é talvez o que faça esse suspense tão diferente) são o Woody, o próprio ou imitadores. Não se pode esperar que um ator fraquinho como o Owen Wilson faça algo original. Mas ele é o Woody mais convincente dos últimos anos. Owen funciona bem porque seu personagem parece estar tão deslumbrado em compartilhar a sala com as figuras históricas dos anos 20 quanto o ator parece estar em atuar num filme do Woody. Já Rachel McAdams destoa e se sai mal num papel um pouco antipático e não desenvolvido (fica claro que Woody, apesar de ser milionário há décadas, não se identifica com os ricos de direita dos EUA). E nem reconheci o Michael Sheen como o intelectual chatinho disposto a corrigir a guia em Versalhes. Reconheci a Carla Bruni como a guia mas não achei nada de mais.
Além de divertido, Meia Noite traz algumas questões interessantes: por que preferimos uma outra época que não seja a nossa? E, se pudessémos viajar no tempo, em que década gostaríamos de viver? Não sei se eu gostaria de voltar atrás. Por mais que eu e a torcida do Flamengo tenhamos fascínio pela Idade Média, duvido que alguém realmente gostaria de viver naquelas condições. O pessoal da minha geração fala com saudosismo do final dos anos 1960: revolução sexual, protestos mil, mudanças sociais e, no Brasil, a luta pra derrubar a ditadura militar. Parece um propósito nobre viver nesse período, se não lembrarmos que toda a resistência à ditadura foi esmagada, torturada, morta, exilada, presa. Prefiro viver numa democracia do que numa ditadura, lutando pra retornar à democracia. Até porque tenho outras lutas. Fico com pena de quem acha que não há mais por que se lutar hoje em dia.
A gente quase sempre vai achar que uma outra época foi mais interessante do que a que vivemos. Não estou falando do hábito da gente dizer que a década de tal era melhor que a de hoje, que é uma ideia nostálgica ― pensamos que filmes e músicas e costumes da década da nossa adolescência eram mais legais, mas isso só significa que sentimos saudades da nossa juventude. Enfim, não é isso. É voltar bem mais atrás mesmo. Pro personagem do Owen Wilson, a melhor década é a dos anos 1920. Pra Marion, que vive na década de 20, é a Belle Époque, na virada do século 19 pro 20. Mas o pessoal que vivia em Paris naqueles tempos não tinha ideia de que seu tempo seria tão especial a ponto de receber a alcunha de Belle Époque. E taí outro problema: a gente não tem como saber como nossa época será vista depois. Quando eu vivia minha adolescência nos anos 80, nem imaginava que aqueles tempos seriam apelidados de década perdida. Pra mim não pareceu perdida!
É fascinante também como a gente tem o costume de exagerar a beleza do passado (um passado em que a expectativa de vida era muito menor), mas não tem a mesma condescendência com o futuro. Geralmente pintamos o futuro mais como distopia, um pesadelo de ficção científica, do que como utopia. Por mais avançada que seja a ciência daqui a cem anos, por mais que as pessoas que fazem as cidades tenham se tocado e descoberto que vale mais a pena investir em transporte público que individual, por mais que a miséria diminua (vamos ser otimistas), o futuro sempre terá um enorme defeito, impossível de ser corrigido: não estaremos lá. E isso me parece muito injusto. Eu adoraria viver mil anos. Juro que se eu fosse um vampiro imortal você nunca me pegaria reclamando.
Foi um presente ver Meia Noite logo depois de conhecer essa cidade realmente mágica. Na vida real, ninguém conta que chove tanto em Paris quanto em Londres. São pelo menos 250 dias de chuva por ano entre os 365. Mas na comédia romântica do Woody temos dois personagens que acham que Paris fica ainda mais encantadora molhada. Isso sim é amor.

Friday, March 18, 2011

CLÁSSICOS DUVIDOSOS: CRIMES E PECADOS E PONTO FINAL, DOIS GRANDES WOODYS

Vista de rico em Ponto Final (05).

Crimes e Pecados (1989) é a prova cabal no cinema de que deus não existe. É um filme sobre moralidade, mas sem muita esperança. O oftalmologista que manda matar a amante não só escapa sem culpa, como prospera. O produtor mulherengo e ditatorial (comparado a Mussolini) só melhora de vida. Já as pessoas com um centro moral não terminam bem. O filósofo judeu se suicida (deixando nada mais que um bilhete dizendo “Vou sair pela janela”). O rabino fica cego sem explicação. A produtora executiva acaba sucumbindo aos encantos do Mussolini. Mas claro que nem tudo é tão certinho como eu tô contando. Mussolini tem um lado que a gente não conhece (ele é inteligente, sensível à poesia). E a alternativa imediata da produtora seria o personagem do Woody Allen que, apesar de ser boa gente, é meio loser. Começa documentários que não termina, e não ganha um centavo com eles.E lógico que Crimes tá cheio de ótimas piadas também, se bem que quase todas vêm da boca do Woody (uma vem da Mia Farrow. Alan Alda lhe diz: “Se você se esforçar bastante, pode ter o meu corpo”. E ela: “Tem certeza que não prefere deixá-lo pra ciência?”). Woody, que não transa com a esposa faz um ano (ele se lembra da data por que foi o aniversário de Hitler), reclama com a irmã: “A última vez que entrei numa mulher foi quando visitei a Estátua da Liberdade”. Ele manda uma carta de amor à amada, que meses depois a devolve. Woody diz: “Minha única carta de amor. Mas tudo bem, porque eu plagiei quase tudo do James Joyce mesmo. Você provavelmente estranhou todas as referências a Dublin”.
E tem toda uma paixão pelo cinema também, que é sempre uma marca registrada do Woody. Ele vai com a sobrinha e com Mia ver matinês de filmes antigos. No final, ele, o diretor, se encontra com seu protagonista, o oftalmologista, e os dois discutem a trama. O veredito: “Se você quer um final feliz, vá ver um filme de Hollywood”. Pois é, só que final feliz, neste caso, é algum tipo de castigo (judicial ou divino) pra quem comete crimes. E não acontece nada.
(Aliás, 89 foi um bom ano de Oscar. Além de um dos grandes Woody's, teve o melhor Spike Lee, Faça a Coisa Certa, Sexo, Mentiras e Videotape, Harry e Sally, Parenthood, Sociedade dos Poetas Mortos, Valmont, Glory, Cinema Paradiso, Camille Claudel etc).
Ao rever Crimes, pensei: opa, tá cheio de ligações com Match Point (Ponto Final), que Woody fez 26 anos depois. Mas não tem não. As únicas semelhanças é que ambos estão entre as obras-primas do Woody e são sobre sujeitos que, pra facilitar a vida deles e não terem que pagar pelos seus adultérios, matam a amante. Só que, enquanto Crimes é judaico até a medula (deve ser o filme mais judeu do Woody, e logo nessa produção ele decidiu mostrar que deus está morto!), Ponto não tem religião. A questão religiosa é substituída pela luta de classes, por assim dizer. Ponto é sobre alpinismo social, e em Crimes todo mundo é da mesma classe (se bem que a amante assassinada, feita pela Anjelica Huston, é comissária de bordo e não sabe quem é Schubert, o que a coloca numa outra classe). Em Ponto é o assassino que está em desvantagem cultural e precisa aprender as referências pra se encaixar na high society. Em Crimes tem algo de gênero, da amante admirar e querer aprender com o adúltero. Além do mais, há a diferença de idade. Em Ponto o casal é muito mais jovem, e isso interfere. E a discussão gira mais em torno do destino que da moralidade. Mas ambos estão entre as melhores obras da longa filmografia do Woody.Ponto é o filme mais incomum do Woody. É praticamente como se fosse um filho bastardo, fazendo minha imaginação correr sobre se o que é mostrado em Você Vai Encontrar o Homem dos Seus Sonhos é ficção mesmo (um carinha ficar com o manuscrito de outro que morre, e publicá-lo como se fosse seu). Não tem nada a ver com o Woody. Ok, ele trata de ambição e pobreza em O Sonho de Cassandra, mas não tem comparação. Em Ponto fala-se de dinheiro o tempo inteiro, do começo ao fim. É a história de um jovem pobre, esforçado, ganancioso, que cultiva (é a palavra certa no caso) seu amor pela cultura da classe alta (ópera, pintura, literatura) como um meio de ascensão social. Ele não sóCrime e Castigo ― ele estuda a obra, certo de que saber analisá-la pode render frutos. E aí ele se casa por dinheiro com uma rica herdeira. Mas o estranho é que ele é todo formal e evasivo desde o início, na entrevista de emprego para ser professor de tênis num clube de ricos. Ele só parece ser ele mesmo quando está com a única outra pessoa de sua classe, a americana aspirante a atriz e noiva de seu futuro cunhado. Com ela ele é sexualmente agressivo e obcecado. Só com ela. Com todo mundo ele desempenha um papel. Outra diferença com o Woody de sempre é a falta de humor. Claro, há vários momentos em que a gente ri (talvez mais de nervoso), como a ironia máxima da frase “todos sabemos que você é perfeitamente capaz de engravidar uma mulher”, sendo que, apesar das dificuldades pra engravidar a esposa, sua amante está grávida. Mas não tem alívio cômico. Não tem alívio, ponto. É um filme tenso. E tem tanta coisa incrível. O anel bater na cerca e voltar é um achado; eu até me arrepio com essa cena. Adoro que a gente pensa que o sonho no final, em que o protagonista conversa com suas vítimas (a frase “Você foi um efeito colateral” é muito política) parece ser dele, mas não é: é do detetive que desvenda o caso. E gosto muito também como o filme se transforma no seu terço final, e como toda a sequência do assassinato é inesperada e implausível, mas a gente fica sem escolha e torce pelo crápula. E é uma graça como os ricos não acreditam em sorte. Pra eles, é tudo meritocracia. Eles são ricos porque mereceram, não porque nasceram com o bumbum pra lua, já num berço de ouro.
Então, nada disso é sequer sugerido em Crimes e Pecados. São duas obras bem díspares, com parte de uma trama em comum. Mas é muito pouco pra desmerecer Ponto como não original. Quer dizer, o cara faz um filme por ano, todo ano, praticamente desde 1966 (são 46 filmes dirigidos por ele já). Algum dia ele teria que repetir alguma coisinha. E é ridículo que a gente fale em repetição logo no seu filme mais atípico, o grande Ponto Final.
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