A poesia no espaço primeiro de sua retórica
Livro da psicóloga, advogada e poeta Núbia Feitosa, mais conhecida em Paço do Lumiar como Núbia Dutra, retrata de forma brejeira nuances do cotidiano dentro de uma esfera romântica simples e singela; em alguns momentos a escritora alça grandes voos e sugere outros Por Fernando Atallaia
Da Agência Baluarte
Lendo as primeiras linhas de ‘Andarilha’(Editora CBJE, 87págs.,2011, distribuição gratuita), chega-se a constatação de que aquela poesia simples e acalentadora produzida no Estado por nomes como Dagmar Desterro, Teresa Braúna Moreira Lima e Dilercy Adler, ainda tem espaço no Maranhão literário de hoje. Mesmo diante das inúmeras investidas das vanguardas atuais e do domínio do Visual pesando sobre a arte poética realizada atualmente na capital e demais cidades do país, o apelo sugerido por Núbia Feitosa em sua obra de estreia ganha a receptividade do público.
A literatura escrita por mulheres no decorrer de sua flagrante busca de espaço no Brasil contemporâneo só encontrou dicção própria a partir da década de 70, com nomes como Ana Cristina César, Bruna Lombardi e Martha Medeiros. E aqui não se fala de cânones e ícones literários como Adélia Prado e a paulistana Hilda Hilst. Reservadas que estão às peculiaridades e temáticas de suas obras, estas últimas absorvidas por outras conjecturas temático-poéticas e existenciais não caberão à análise do texto presente.
A poesia de Núbia Dutra é fôlego inicial: pretende alcançar o leitor mais simples, mas aqui ou ali insinua grandes perspectivas estéticas.Como no poema 'A Vida Escrachada' onde a autora empreende a busca de realidades sutis dentro do imaginário das relações amorosas e abre margem para uma interpretação do Ser numa esfera mais existencialista. Ela diz 'enquanto eu já ri dos rigores, fugi dos favores e odeio os andores, busco verdejar'. Essa busca das contrações pessoais oriundas da vivência da poeta nada mais é que os elementos que encorpam o livro do início ao fim. Uma certa viagem em torno de fins, começos, idas e voltas fazem de ‘Andarilha’ uma obra densa e demasiadamente humana.
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| Núbia Dutra: psicóloga, advogada e poeta, ela é um dos grandes nomes da política luminense; escritora é pré-candidata a prefeita de Paço do Lumiar |
No campo dos signos e estilo literário, a autora impõe despretensão. 'andei por aí sofrendo, fiz um parto daquele parto' afirma em ‘Lágrimas Paridas’, outro poema contido no repertório da artista que no livro mostra a feição de uma humanista mulher, mãe e fêmea. Essa visão antropológica de Núbia Dutra adquire forma e cor nas temáticas que escolhe e nos temas trabalhados: poeticidade de verve fundamental para o cotidiano agônico de seres perpassados por adversidades várias, em particular as mulheres em seus redutos femininos. Uma aura de desencanto e inconformismo norteiam a obra e as intenções da autora, mas há também climas de paz, brandura e a sutileza de quem já amou intensamente rumo às perdas e dilacerações dos referenciais.
Essa visão disforme-porque ampla e heterogênea- pontua toda a obra de forma reticente e estabelece estruturas estéticas pouco lineares. Vez por outra a poeta lança mão da sonoridade e atenta para o uso dos sonetos, mas a obra em si é delineada e construída em versos livres, soltos e bem dispostos à página. Quando extravasa emoções, o tema superabunda e os padrões de métrica não são respeitados. Procedimento que eleva a semântica e o ‘poder do falar’ a altas significâncias. Ganha o leitor. O livro alimenta ainda um mosaico de propostas confessionais, típico da poesia escrita por mulheres, entretanto, já sinaliza para uma autora de visão aguçada e fazedora de seu próprio caminho histórico-literário. Núbia Dutra já lançou a rede ao mar. Agora é só não temer novos mergulhos: ‘Este negócio de escrever poesia é bicho danado de difícil. Entra prova e sai prosa, o bicho da pena não para’’. Vamos torcer para que continue!

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