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Algumas leitoras pediram que eu comentasse uma reportagem do Fantástico do último domingo (veja aqui), e como eu tardo, tardo, tardo, mas não falho (ahan), tô na área. A
matéria era sobre maridotecas, um espaço nos shoppings feito pra que os homens relaxassem enquanto suas esposas percorressem todas as lojas como as malucas incontroláveis que somos. O estranho é que eu já tinha lido algo sobre essa “tendência” bem antes da reportagem. Mas, enfim, algumas mulheres são entrevistadas pra provar que o senso comum está absolutamente certo: “Ah, eu adoro gastar!”, diz uma. “Toda mulher gosta demais de um shopping”, diz outra. Eu ouço essas coisas e meu cérebro faz cálculos: eu sou mulher. Eu não gosto de shopping. Logo, eu não sou mulher? Puxa, mas como assi
m? Como uma mulher pode não gostar de shopping, ainda mais de shopping completamente lotado em época de natal? É o paraíso na terra! Não. É ponto pacífico pra reportagem que 1) mulher adora shopping, e 2) homem odeia shopping. Então, pra eles, há um espaço com atendentes jovens e bonitas (não aquelas umas que eles têm em casa), massagem, pebolim, TV com jogos -– sabe, que nem tem brinquedoteca pra deixar as crianças? Nada como infantilizar os homens também e deixar alguém cuidando deles! “Mas antes de entrar, tem pedágio”, diz o repórter. E a câmera mostra os mar
idos dando dinheiro e cartão de crédito pras suas respectivas. Porque, óbvio, mulher não trabalha! Mulher não tem seu próprio dinheiro, já nos ensinou a Gisele naquele comercial! A preocupação do repórter com os maridos é genuína: “Vocês não 'tão lá pra controlar! E o prejuízo depois?” Pois é, como deixar sua mulher solta por aí? Coleira nela! Não consegui prestar atenção no resto da reportagem porque ficava pensando como eu gostaria de receber massagem, comer petiscos e jogar pebolim (é tão legal!) enquanto o maridão vai às compr
as. Exceto que nenhum de nós dois compra muita coisa, graças aos céus. Mas eu queria entender a causa da matéria não fugir nem um tiquinho do senso comum e da vontade de fazer gracinha. Queria que a matéria tentasse resolver esse grande mistério: por que homem vai às compras com a mulher (que em geral, e principalmente no natal, não compra presentes pra ela, mas pros outros)? Possíveis hipóteses:- Pra controlar a mulher. - Pra carregar as sacolas de compras.
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Pra, no caso de um pote de azeitona aparecer na frente deles, o macho conseguir abri-lo.- Pra olhar feio pra esposa e lembrá-la que o sagrado matrimônio só é sagrado pro papa.- Pra estacionar o carro (mulher não sabe dirigir; mulher nem tem carro, como já disse o comercial da Gisele).- Pra participar de um ritual sofrido e sentir-se mais que um provedor -- um grande caçador.Pode ser isso? Fui atrás de mais informações, e só encontrei um post antigo num blog que parece ser de marketing. O nome do post é “Porque as mulheres gostam tanto de comprar?”, que também poderia se chamar “Por que a reforma ortográfica não reduziu as quatro formas de porque a apenas duas?”E a resposta é científica. Quer dizer, de um jeito PsicoEvo de ser: “Na pré-história, cabia a
o homem a tarefa inglória de ir à caça, buscar carboidratos para alimentar sua família. À mulher, cabia a missão de cuidar do lar, ou melhor, da caverna. Sua rotina era limpar o ambiente, cuidar dos filhos, preparar a comida. Por sua iniciativa, a mulher também gostava de sair da caverna e buscar, na natureza, objetos, vegetais e frutas que pudessem ampliar a dieta da família. Uma frutinha aqui, uma lenha ali, a mulher era a grande colhedora da natureza. O tempo passou, mas este hábito ficou na gene feminina. Hoje, o hábito de consumir representa uma evolução daquela mulher colhedora da pré-história. Não podendo simplesmente colher, a mulher de hoje compra, e adora comprar! Portanto, caras leitoras, não se sintam culpadas por gostarem tanto de um shopping. Isto é genéti
co!”Não é possível, eu devo ter vindo com um cromossomo Y! Defeito de fábrica!Puxa, a julgar pelo post (puro senso comum), as mulheres já eram parasitas desde a mais tenra idade da humanidade. Enquanto os machos iam com suas potentes clavas buscar carne de mamute, uma tarefa inglória, as fêmeas tinham a tarefa obviamente gloriosa de limpar a caverna, uma caverna sem luz elétrica e alguns séculos antes da invenção do aspirador em pó. A rotina tranquila das fêmeas deixava tanto tempo livre que elas, por sua sua vontade mesmo, e pra se distanciarem do choro dos Bambans e Pedritas, saíam por aí em busca de coisas absolutamente fúteis, porque, né, quem precisa de fr
utinha se seu homem vai trazer um mamute? Mas hoje sim somos evoluídas: não colhemos, compramos! E pagamos com o cartão de crédito do marido! Uau! E não é pra se sentir culpada, Wilma Flintstone! Você não consegue sair de um shopping porque foi geneticamente programada pra isso!Como esse tipo de pensamento está arraigado na sociedade! As pessoas acreditam nessas baboseiras sem piscar. Afinal, é ciência! Outro dia uma amiga minha, a Manu, contava o que viu num programa de TV verspertino, cujo público-alvo é composto de mulheres. Um especialista explicava que a gente não pode querer discutir a relação com o companheiro nunca, porque homem não gosta mesmo de ouvir, mas, nos raros casos em que a gente de repente quiser se comunicar com nossos machos, deve escolher a parte da manhã.
Por quê? Ah, porque é genético. Na pré-história, os homens saíam pra caçar, geralmente de manhã (por isso, já explicou um psicólogo evolucionista, a cor preferida do homem é azul. Céu azul, sacou? Nós amamos rosa por causa das frutinhas). E à noite os machos estavam exaustos, após tanto esforço físico. Só queriam se jogar no sofá, ver uma partida de futebol na TV, e beber cerveja. Mas, na falta disso tudo, só lhes restava dormir mesmo, pobrezinhos. Nós mulheres precisamos compreender nossos provedores.Pois é. Cadê o meu mamute?
E não é marca de sorvete
Talvez você já tenha visto isso, pois aconteceu na semana passada. Uma marca americana de roupas com uma reputação nada boa (explicarei depois) finalmente decidiu que fabricaria alguns modelitos
maiores, e promoveu um concurso para encontrar uma modelo full-figure que a representasse. Uma atriz gordinha (pero no mucho) chamada Nancy não teve dúvida: chamou uma amiga fotógrafa e juntas fizeram umas fotos que satirizavam a indústria da moda. Nancy ficou bem famosa, criou um tumblr, deu várias entrevistas, e, como o concurso era decidido pelo número de votos dos internautas, acabou vencendo. Ela não tem a menor vontade de fechar o contrato com a marca, como explica neste artigo (em inglês) muito bem escrito. Ela conta que sentiu-se ofendida com o modo engraçadinho/infantil que a marca promoveu o concurso. Era uma procura por uma modelo “booty-ful” (trocadilho entre beautiful, linda, e cheia de booty, ou seja, bunduda), perguntando “Are you the next BIG thing?” (“Você é a próxima grande novidade?”), anunciando que suas calças disco agora vinham e
m tamanho XL, “com espaço extra onde conta”, pedindo para modelos Xlelent (trocadalho entre tamanho XL e a palavra excelente) pra enviar fotos “de você e sua junk” pra marca (junk quer dizer carga, mas é um termo pejorativo, como quando se fala em junk food, comida lixo), e anunciando que a vencedora seria colocada num avião pra Los Angeles pra ser fotografada. Nancy tem razão: é gracinha demais pra tão poucas linhas. Claro que já vi gordas do movimento americano de fat acceptance (aceitação do corpo, mais especificamente, da gordura) usarem o termo bootylicious (algo como o nosso gordelícia), mas há diferença entre uma gorda
usar essas palavras, ou uma pessoa que gosta de gordas, e uma empresa que só passou a considerar investir em tamanhos grandes após quase ir à falência. Sim, porque a American Apparel tem perdido mercado a cada ano. E durante um tempão recusou-se a oferecer tamanhos grandes. Agora que tá com a água no pescoço...Mas até aí, há uma enormidade de marcas que se negam a vestir cheinhas. A American Apparel é famosa por outros motivos. Primeiro, pelas campanhas que faz — quase sempre meninas muito jovens, que parecem mesmo menores de idade, em poses ahn, sexy, pra não dizer vulgares. Segundo, a marca é notória pela “excentricidade” — sejamos gentis —
do dono, que adora aparecer. Este perfil dele de 2004 é impressionante. Se Orson Welles estivesse vivo, poderia fazer um novo Cidadão Kane de um cara que gosta de dar entrevista pra repórteres mulheres enquanto se masturba, e não vê problema algum em sair com empregadas de sua fábrica (desnecessário dizer que ele enfrenta uma coleção de processos por abuso sexual). Mas vamos falar de coisas boas, como a atitude de Nancy. Pessoalmente, adorei o que ela fez. Sou uma grande fã do humor e da ironia. Outro exemplo fantástico de como o humor pode subverter o lugar comum é o curta “Poses”, de Yolanda Domínguez, que parte de uma ideia simples (fazer com que mulheres em lugares públicos imitem as poses patéticas das tops)
para duvidar de um sonho adolescente: sério mesmo que alguém pode ambicionar ser modelo de uma indústria que trata as mulheres tão mal? Nancy ajudou a chamar a atenção e mandou uma mensagem sobre o que acha da American Apparel e da sua tentativa de cativar o público GG. Quando perguntada por que ela fez isso com AA, e não com outras campanhas, ela respondeu que foi pela insinuação que uma gordinha só poderia ganhar um contrato pra trabalhar praquela marca se vencesse um concurso especificamente pra gordas (“a mensagem que uma garota submissa e seminua sempre cons
eguiu espaço sem dificuldade na publicidade da AA, mas para as mulheres maiores, seria preciso competir uma contra a outra para merecer a chance”). Mas nem tudo são flores. Uma modelo que participou seriamente do concurso da AA detestou que Nancy arruinou sua chance. Pra essa moça, o concurso era uma oportunidade pra sua carreira. Imagino que algumas consumidoras também possam não ter gostado dessa transgressão. Afinal, logo quando uma marca opta por ser mais inclusiva, a gente tira sarro dela? E sempre havia o risco de pessoas não entenderem a brincadeira de Nancy.Quer dizer, alguém podia levar as fotos a sério? Claro, podia. Mas pra quem conhece um pouco mais do conte
xto, fica difícil. Por exemplo, a gente sabe que é meio tabu ver mulher comendo em propaganda. Quando uma modelo come num comercial de chocolate, ela come escondido, como se fosse um pecado, e prova apenas um pedacinho minúsculo. Nada de comer uma barra inteira. E o chocolate nesses comerciais está quase sempre associado a sexo, ao prazer proibido. Portanto, ver uma mulher, ainda mais uma mulher acima do peso, colocar um frango inteiro na boca — ahn, só pode ser paródia. Mesmo.Detalhe: Nancy é uma “size 12”, que equivale a 40 ou 42 no Brasil. Ou seja, ela só pode ser considerada gorda num mundo em que o size 0 é visto como desejável. O size 12, afinal, é a média das mulheres americanas. Ainda assim, só costuma ser vendido em lojas
especializadas em tamanhos grandes. Eu sempre pensei que o capitalismo fosse mais inteligente. Como que um padrão pode ser visto como fora do padrão? Tem alguma lógica nisso? Nenhuma, exceto que moda é sinônimo de elitismo. Logo, não quer ser associada a qualquer uma. E “qualquer uma”, no caso, somos praticamente todas nós. Que venham mais rebeldias como a de Nancy.
Astronauta de 2001 fala com sua filha de 1950 via SkypeA gente sempre tem fascínio por saber se as previsões que fizeram do futuro dera
m certo, né? Tem desde as distopias, como Admirável Mundo Novo (escrito por Aldoux Huxley em 1932) e 1984 (escrito por George Orwell em 1948), passando por filmes de ficção científica como 2001, Uma Odisseia no Espaço (de 1968, um ano antes de pisarmos na lua), O Exterminador do Futuro (1984) e Blade Runner, o Caçador de Andróides (de 1982, mas que se passa em 2019; ainda não chegamos lá), entre tantos outros. Em geral esses filmes se dão bem em prever várias profecias, mas quase sempre erram na moda! É verdade, observa só: eles acertam em dizer que poderemos ver a imagem do nosso interlocutor a quilômetros de distância, enquanto f
alamos com ele através da tela do computador (Skype, alguém?), mas derrapam feio em mostrar esse mesmo intelocutor vestindo calça boca de sino, sabe? Estou pensando em 2001, que tá cheio de coisa que bate, e no entanto as pessoas de hoje se vestem de uma forma bem diferente do que na odisseia no espaço! (sem falar nos móveis! O que são aquelas poltronas futuristas? Nem da prancheta mais desvairada de um designer atual sai uma monstrosidade dessas). Falta mui
to pra termos viagens através do tempo, teletransporte (eu penso em A Mosca, sempre) e colonização de planetas. Mas um montão de coisas esse pessoal criativo previu certo. Há dúzias de posts que apontam com propriedade quais foram esses acertos; logo, o meu certamente não será um deles (nem que eu quisesse).
Só queria chamar a atenção pra um artigo (clique para ampliar) tirado deste livro, que foi reproduzido
neste blog que adoro. O livro é de 1979, e olha só as previsões que eles fizeram pro nosso futuro. Traduzo algumas partes: “A televisão está mudando de uma caixa para se observar para um instrumento de mão dupla. Jornais eletrônicos já estão disponíveis. Telefones com TV devem ser uma realidade prática pelos meados dos anos 80. Tirar cópia xerox pelo telefone já existe [isso se chama fax?]. Combinar os dois pode resultar em milhões de funcionários de escritório podendo trabalhar em casa se quiserem”. E olha a ilustração! Um carinha com controle remoto assiste a uma TV gigante com som stereo. Outro na janela usa o que parece ser uma câmera gig
ante para filmar sem usar filme, apenas um pouquinho de fita. O número 3 é uma TV de tela plana ultrafina (no máximo 5 centímetros), que está ligada a um supermercado. O sistema mostra o que está faltando na despensa. O que eu gosto é que não tem imagens na tela! O pessoal que cresceu com computador não acredita que, até meados dos anos 90, o computador era monocromático, com letras verdes em fundo negro. A coisa mais colorida que tinha era... o Tetris!No número 4, lemos “Tocador de video disc usado para gravar da TV e para replay filmes favoritos”. É, isso já es
tá meio ultrapassado. Mas eles previram isso quando o videocassete ainda estava engatinhando!O 5 eles erraram feio mesmo. Não conheço ninguém que tenha robozinho pra nos servir drinks. Essas atrocidades de vez em quando aparecem em feiras de tecnologia asiáticas, mas, felizmente, é só (eu tenho vontade de morder inventores que criam robôs de estimação pra substituir cães e gatos de verdade). E o número 6? Muito legal. “Buraco para cartas. Até 1990, a maior parte do correio será enviada de forma eletrônica [eles erraram só em alguns anos]. Enviar uma carta consistirá em colocá-la na frente de uma copiadora na sua casa ou num correio central. Um leitor eletrônico
será enviado a um satélite, que o enviará a seu destino. Como as outras ideias eletrônicas, a economia em tempo e energia podem ser enormes”. O Twitter ninguém previu, certo?Putz, eles acertaram tanta coisa... Infelizmente projetaram que estaríamos morando em moinhos. E vestindo roupas meio esquisitonas.
Os tempos definitivamente mudaram, só não tenho certeza se foram pra melhor. Tipo, quando eu era criança, não havia ninguém na minha turminha que tingisse o cabelo. E talvez até fosse divertido encher o
rosto de blush, mas uma coisa era atacar o estojo de maquiagem da mamãe quando não tinha ninguém olhando, outra era ter o seu próprio estojo, e ficar se checando no espelho o tempo todo. Era extremamente raro alguma menininha adotar esse estilo de vida nos anos 70.Já hoje é assim: há spas para crianças, e esses spas incluem, além da dieta obrigatória, tirar sobrancelhas e fazer depilação preventiva (lógico, porque assim como ninguém faz dieta pra ficar bonita, só pra ficar saudável, todo esse ritual da aparência não é visto como uma imposição estética, mas higiênica: é sujo ter pelos). Uma grande rede de supermercados acabou de lançar toda uma linha de maquiagem para meninas de 8 a 12 anos, as chamadas tweens (consumidoras no limiar entre a infância e
a adolescência). Nos EUA, tweens já gastam cem milhões de dólares por mês em produtos de beleza (e olha que não vou nem mencionar essa praga de concurso de miss pra garotas de 5 anos). As meninas não falam mais em diversão como motivo para copiarem mulheres adultas. Hoje elas dizem que querem ser sexy, mas ser sexy pra quem aos nove anos? Pra si? Pra meninos que nessa fase ainda nem têm interesse pelo sexo oposto? Pra pedófilos? Tem mais: as cirurgias plásticas para menores de 18 anos dobraram nos EUA na última década. Mais um dado: em 2005, a média de idade das americanas para começar a usar produtos de beleza era 17 anos. Apenas
quatro anos depois, essa média já tinha caído pra 13 anos. Outro: uma estimativa aponta que meninas entre 11 e 14 anos são expostas a uma média de 500 anúncios por dia. Imagina o que isso faz pra autoestima. Por aqui, segundo um estudo da Universidade Federal do Pernambuco, 90% das brasileirinhas entre 10 e 14 anos se acham gordas e fazem regime. Olha só que idade propícia pra se desenvolver doenças gravíssimas como bulimia e anorexia! A revista Newsweek analisou as últimas tendências de beleza e constatou que uma menina americana de 10 anos, ao chegar aos 50, terá torrado quase 300 mil dólares — só com o seu cabelo e seu rosto! Vamos nos concentrar somente no que uma mocinha gasta com pedicure e manicure, e já dá pra pagar quatro anos de universidade nos EUA (e olha que universidade americana é quase tão cara quanto creminho anti-idade). Se essas meninas já estão
obcecadas com rugas imaginárias aos oito anos, não quero nem pensar no que farão quando chegarem a uma idade em que rugas realmente existam. Pareço exaltada? Pois é. Ainda estou esperando que alguém me explique que isso é bom pras meninas. Tem quem veja minhas queixas como uma tentativa ditatorial de lutar contra o consumismo. As garotas deveriam ter a liberdade de escolher o que consumir, ué. Mas de qual livre arbítrio estamos falando, cara pálida? N
ão há mais opção. Tente encontrar sapato sem salto para sua filhinha de seis anos, e depois a gente volta a conversar.Sabe como lanchonetes de fast food anexam brinquedos aos seus hamburguers para que as crianças se tornem consumidoras pra vida toda? Quanto antes se fisga um cliente, mais fiel ele será ― de preferência, pro resto de sua miserável existência. Como isso é diferente de convencer meninas
de cinco anos que elas não estarão completas se não estiverem usando batom? Vou fazer analogia com cigarro, se me permite. Por que quase todos os países proibiram propaganda que seduzisse os menores de idade a fumar? Porque ela funciona! Por exemplo, nos EUA, o personagem da marca Camel, Joe Camel, teve de ser extinto, por ser popular demais entre as crianças. E por que a indústria do cigarro tenta cativar seu consumidor quando ele é assim tão novinho? Porque ele tem menos acesso a campanhas anti-tabagistas, e menor poder de discernimento. Ele é mais facilmente influenciável. Dessa forma, esse consumidor-mirim crescerá associando os bons momentos da sua juventude com ci
garro. Certo, no cigarro, pra solidificar o vício, os fabricantes incluem nicotina e mil e um produtos tóxicos que fazem deixar de fumar algo muito, muito difícil. Ah, dirá você, mas fabricantes de produtos de beleza, ao alvejarem as menininhas, não se valem de substâncias viciantes. Não mesmo? Centenas de imagens por dia e toda uma associação de beleza com felicidade e aceitação (e, hoje em dia, com saúde e higiene!) não são viciantes? Pra mim isso soa como lavagem cerebral. Ah, mas dirá você novamente, cigarro faz mal pra saúde, já está provado, enquanto usar produtos de beleza, não. Bom, não sei, acho que é péssimo pruma sociedade submeter metade de sua população a uma ditadura da beleza, ainda mais quando essa metade é justamente a que ganha menos, e forçá-la a dedicar enorme parcela de seus rendimentos a produtos sem fiscal
ização, que geralmente nem cumprem o que prometem. Pra ser bonita, tem que consumir (não existe mulher feia, só existe mulher pobre, diz o ditado elitista). Pra ser feliz, tem que ser bonita. Pra ser mulher, tem que ser feminina (leia-se vaidosa). Isso tudo a gente ensina a nossas meninas desde a mais tenra idade. Sinceramente? Esses bombardeios eternos me parecem mais viciantes que uma fumacinha com nicotina.