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Wednesday, April 4, 2012

GUEST POST: BRASILEIROS RECLAMAM DEMAIS

Aproveitando que nosso patriotismo deveria estar um pouco em alta, depois que o Brasil adotou medidas de reciprocidade para turistas e visitantes espanhóis (o que deixou a Espanha, que está numa séria crise, tristinha), publico hoje o guest post da Ana Paula, uma brasileira que mora nos EUA há oito anos. Ela é engenheira civil com mestrado e doutorado em Geotecnia, e é professora da Universidade da Flórida.
Não concordo com tudo que ela diz no post, mas não há dúvida que brasileiros, principalmente os de classe média, na qual me in
cluo, reclamam demais, e muitas vezes de barriga cheia. E basta morar um tempinho no exterior pra constatar que aquele mito de que "país civilizado é outra coisa!" é só isso, um mito. Eu vivi um ano nos EUA e tive um monte de problemas, daqueles que os brasileiros juram que só acontecem aqui. É disso que trata a indignação da Ana Paula.

Preciso desabafar e acho que você é a pessoa certa pra "ouvir". Essa minha revolta começou ao ler o post de uma amiga no facebook e ver a resposta de uma outra brasileira à ela.
Aqui está o post da minha amiga:
Recebi a conta da sala de emergência e estou chocada: 9,713 dólares! Deveria ser crime cobrar tanto de alguém que precisa de assistência médica! Não removeram meu estômago! Foi só dor! Meu seguro saúde pagou 8,406 dólares. O resto da conta, 1,300 dólares, sou eu que terei de pagar!" E aqui está a resposta que me deixou revoltada: Concordo contigo! Isso é fora de cogitação! Mas se fosse no Brasil, eles também teriam removido seu estômago!"
Estou tão de saco cheio dos brasileiros reclamarem do que têm. Moro nos EUA há 8 anos e quando vejo esse tipo de comentário, fico revoltada. É essa mania de todo mundo achar que lá nada presta e aqui tudo é uma maravilha. Durante uma visita ao Brasil, minha filha, então com um ano e meio, precisou ser levada a um ER, num domingo, pra fazer um enema. Esperei uns 15-20 minutos na sala de espera e fui levada pela enfermeira direto à sala da médica que já estava lá a minha espera. Fui super bem atendida e logo em seguida, a enfermeira veio nos buscar e levar pra sala do procedimento, sem esperas, e saí de lá com custo zero!
A mesma coisa já tinha acontecido aqui nos EUA quando minha filha tinha 3 meses, também num domingo. Ficamos uns 10-15 minutos na sala de espera. Mas aí vem a enfermeira te colocar numa sala, fazer mil perguntas (que serão perguntadas novamente pelo médico) e ficamos lá, uns 45 minutos esperando o médico chegar. O mesmo procedimento foi feito. A conta? Mais de mil dólares, dos quais meu seguro pagou uma parte e me sobraram U$ 350. Agora, e quem não tem seguro? Faz o quê?
No caso da minha amiga, foi descoberta uma úlcera, imagino que tenham feito exames. Mas uma conta de quase 10 mil?! Acho o atendimento médico no Brasil muito superior ao daqui. Mesmo quando se tem seguro saúde, os médicos sofrem uma pressão muito grande das seguradoras pra reduzirem pedidos de exames, procedimentos etc. Numa gravidez aqui, se fazem um ou no máximo dois ultrassons. Acho que aí no Brasil, mesmo pelo SUS, fazem-se uns seis ou sete.
E o sistema odontológico, então? Aqui, além dos dentistas quererem sempre partir pra canais, coroas e extração do dente (é a filosofia do “pra que arrumar, quebrou, joga fora”, como tudo aqui), o custo é absurdo. Conheço famílias que esperam uma viagem aos seus países de origem pra fazerem o tratamento. Mesmo com plano dental, os procedimentos são pagos somente 20% a 50% (quanto mais caro o procedimento, menos eles pagam). Eu nunca vi tantas pessoas jovens com dentes tão arruinados, pretos de cárie ou mesmo faltando muitos deles. E pessoas jovens. E não são pessoas paupérrimas não. Outro dia vi duas mulheres na Disney assim. A entrada na Disney custa caro, então dá pra imaginar que elas não eram muito pobres. E a faculdade de odontologia daqui não aceita nem o plano de saúde que a própria universidade oferece aos demais funcionários, quanto mais atender à população pobre de graça ou a custos módicos como as universidades do Brasil fazem.
Mas não foi só pelo comentário maldoso em relação à saúde no Brasil que fiquei revoltada. É porque tô cansada mesmo de ver brasileiro reclamando. Pode ser sim que ainda existam muitos problemas a serem solucionados. Por exemplo, a segurança. Eu admito que na cidade onde moro a gente pode andar tranquila, sem ter que se preocupar em ter a janela do carro fechada, ou ter que estar sempre agarrada à bolsa. Mas aposto que nas grandes cidades americanas existem problemas de segurança também.
Sabe o que tem me irritado também? As reclamações sobre a Copa no Brasil. Odeio ver no FB o famoso post mostrando números relacionados com a Copa e reclamando que primeiro deveriam arrumar escolas, estradas etc... Parece que o brasileiro sempre reclama de barriga cheia e tá sempre insatisfeito. Lola, você aposta quanto que, se o Brasil tivesse perdido mais uma vez ser sede da copa, tava todo mundo reclamando e metendo a boca na FIFA e se achando injustiçado porque afinal, somos os únicos pentacampeões, e nada mais justo que a copa fosse no Brasil?
Enfim, acho que é só quando a gente vai morar em outro lugar pra aprender a dar valor ao que tem. Cada pessoa que reclama do Brasil deveria ser obrigada a morar um ano aqui. Aposto que iriam voltar para o Brasil de braços abertos. Capaz até de beijarem o solo brasileiro, à la João Paulo II, quando aterrissassem!

Saturday, January 21, 2012

GUEST POST: CAMISINHA E BOATOS NÃO TÊM HORA

Vinicius tem 24 anos, é estudante de Medicina, e me enviou o seguinte relato -- que me fez lembrar bastante nas campanhas de abstinência sexual e outras besteiras.

Sou leitor do seu blog há algum tempo, e você é ótima. Adoro sua lucidez.
Não sei se você usa o Facebook [Nota da Lolinha: Não, not yet]. Lá, vez por outra, aparecem umas "campanhas" que me deixam nauseado. Sou estudante de medicina e esses dias um colega de curso postou uma foto no Facebook que faz parte desse tipo de material deseducativo. Mais uma daquelas campanhas que marcham contra a saúde pública. O panfleto estampa em letras tamanho 100 os dizeres: A camisinha não te protege. Na coluna à direita, utilizando uma fonte reduzida, aparece: da culpa da vergonha do medo da inseguranZzZzZzZ (insira aqui os clichês. Muitos). Embaixo o gran finale: SEXO TEM HORA. Não há prazer maior do que obedecer a deus. Preserve-se. Confesso que um botão NÃO CURTIR naquela hora fez uma falta danada.
O autores da peça publicitária fazem parte do Ministério Entre Jovens do Rio de Janeiro, ligado à Igreja Assembleia de Deus. Eles vendem os "folhetos evangelísticos" via internet. O pacote com 100 unidades custa R$ 4,00 mais o frete. Além de pregar contra a saúde pública, há panfletos contra um monte de outras coisas, inclusive (pasmem) o halloween.
O fato é que fiquei estarrecido e revoltado. Primeiro pela divulgação irresponsável desse tipo de campanha. As pessoas se esquecem do poder de alcance da rede social e dão RT em qualquer besteira sem sequer pensar na quantidade de gente que irá ler aquilo e consequentemente formar uma opinião.
Há dois anos, durante a campanha de vacinação contra a gripe, ocorreu fato semelhante. Divulgaram via e-mail que a vacina estava na verdade provocando a gripe e incitava o
s idosos a não irem se vacinar. Felizmente a campanha atingiu uma boa meta de imunização e o boato foi pras cucuias. Isso é muito perigoso. Espertinhos que querem continuar no anonimato adoram começar "polêmicas" dessa forma. Nada mais cômodo. Acho que o pior de tudo foi o fato da informação ter sido passada a mim por um futuro profissional da saúde, que irá ter a camisinha como recurso na promoção da saúde de seus pacientes.
Você é evangélico e sua igreja prega a castidade? Ótimo. Siga a castidade e seja feliz desse jeito. Porém saiba que no seu consultório não irão aparecer somente irmãos-castos-da-igreja (eu não boto minha mão no fogo por ninguém, que fique claro). Você vai precisar atender pessoas que optaram por utilizar o sexo como forma de prazer. E aí? Você irá pregar a palavra pro paciente dentro do consultório, convencendo-o a seguir a bíblia e praticar o sexo somente como está escrito lá, ou oferecerá a camisinha e outros métodos contraceptivos como forma de prevenção? Qual é a sua atribuição dentro do serviço de saúde, evangelizador ou médico?
Isso não acontece somente em relação aos métodos contraceptivos, acontece também no atendimento ao abortamento de risco, ao paciente hepatopata cirrótico, ao depressivo suicida. Todos destratados e discriminados durante o acolhimento no serviço de saúde.
Claramente o panfleto prega a favor do sexo com fins reprodutivos e contra a utilização da camisinha. Dessa forma, alimentando as várias polêmicas que já surgiram sobre sua eficácia, desde se há porosidades no látex até a grande incidência dos rompimentos do material durante a relação sexual. O Ministério da Saúde, o órgão competente para emitir pareceres sobre a situação da saúde no país, emitiu uma nota bastante didática e clara sobre o método. O resumo da ópera é o que todo mundo já sabia: a camisinha tem uma eficácia estimada em torno de 90-95% na prevenção da transmissão do HIV. Protege. E MUITO.
Outra: se estorou é porque ela foi mal colocada por falta de instrução adequada. Da
í apareceu um monte de gente, que cabulou a aula de porcentagem no ensino fundamental, dizendo: Não, se não protege 100% então não é eficaz. Queridão, a chance de você morrer ao cair de uma cadeira é de uma em 4 473. Você vai deixar de se sentar por causa disso? E não me venham com a conversinha de que sexo pode ser evitado. Andar de bicicleta, viajar de avião, nadar na praia e até andar debaixo de coqueiros também pode, e eu não conheço nenhum igreja que seja contra isso. Fica claro que é uma discussão muito mais puritano-moralista do que científica. Como tantas outras (aborto, células tronco, homossexualidade) nas quais a religião quer se impor enquanto autoridade que necessita ser consultada pela ciência.
Depois de tantos boatos, instalou-se uma confusão na cabeça das pessoas. Muitos líderes religiosos embasaram-se nessa falácia dos 10% para propagar a suposta falta de eficácia da camisinha. Criou-se um pânico coletivo e uma série de distúrbios psiquiátricos vieram à tona. Pacientes que já eram propensos a depressão, desenvolveram-na. Pacientes com crises de ansiedade chegaram até a fazer uso de ansiolíticos. Pacientes repetindo o mesmo exame várias vezes e sobrecarregando o serviço. Não duvido nada ter ocorrido casos de suicídio somente pelo temor de ter contraído o vírus. Enfim, a histeria coletiva. A troco de quê?

Monday, January 16, 2012

GUEST POST: EM VÁRIOS PROCEDIMENTOS, SÓ O SUS SALVA

Vivi em Joinville durante quinze anos sem ter plano de saúde e, nos (poucos) momentos em que eu e o maridão precisamos de atendimento, fomos muito bem atendidos (o maridão, inclusive, teve retirado um tumor maligno -- câncer de pele mesmo -- das costas, pelo SUS). Chegando a Fortaleza, todos me disseram que eu não poderia depender de saúde pública, que seria temerária. Contratamos um plano de saúde. E não estamos felizes com ele. Ele é caro pacas e não para de aumentar. Tem um outro lado. Pra mim, saúde é um direito. Ninguém deveria ter que pagar por direitos. E, se eu acho que saúde deve ser pública, é contraditório que eu pague um plano particular.
Sem falar que a saúde particular usa muitos recursos do SUS, como apontou a Carolina num ótimo guest post de dezembro. Agora quero publicar, com muito orgulho, este texto da Bruna, de Belo Horizonte, estudante no décimo período de Medicina na UFMG. Diferente da maioria dos seus colegas, ela não vem de família rica, e, talvez por isso, quer ser uma das exceções e se dedicar integralmente à saúde pública. Diz ela: "Quero fazer residência em saúde da família e trabalhar sempre em Centros de Saúde, na Atenção Primária: sem consultório, sem ter que me submeter aos convênios e nem ser constrangida a cobrar por um atendimento particular. Além disso, mobilizo-me muito pela causa ambientalista e sou vegetariana. Meu hobby é defender meus ideais". O meu também, Bruna! Veja se ela te convence a lutar pelos seus.

A “campanha” nas redes sociais que pedia ao ex-presidente Lula que tratasse seu câncer no SUS causou um grande alvoroço virtual. E com ele, alguma dose de discussão. Da minha parte, muitos devaneios. Primeiro, devo informar que, de início, aderi à “campanha” sim, mas com uma visão de quem está do “outro lado da mesa” no SUS. Com o seguinte pensamento: serviços públicos são feitos para cidadãos de uma nação, pelos cidadãos dessa mesma nação –- ao menos, deveria assim ser. Logo, nossos políticos, como oriundos do seio do nosso próprio povo, se fossem de fato usuários dos serviços de que são incumbidos de gerir, defenderiam melhorias nesses mesmo serviços como interessados diretos nos benefícios proporcionados, em vez de visar ganhos secundários. Portanto, se não existisse Sírio Libanês e cia, os hospitais públicos seriam bem melhores, com a capacidade de acomodar também “gente do escopo” dos nossos “ilustres” governantes (só pra citar como exemplo, a ex-senadora Marina Silva já foi usuária do Sistema Único de Saúde, quando ela foi vítima de Malária. E sim, ela sobreviveu a ambos, à doença e ao tenebroso SUS).
Então, começou a contra-campanha. Gente que achava uma desumanidade tremenda querer desejar para alguém um tratamento na rede pública, que o certo era torcer pela sua melhora. Aí que caiu minha ficha, que muitas pessoas que aderiram à “campanha” tinham era exatamente a tal intenção de que o político supracitado recebesse um tratamento de má qualidade.
Fiquei indignadíssima. Os hospitais-escola de que faço uso são excelentes. Os atendimentos que os pacientes recebem estão anos-luz à frente de muitas consultas por convênio. Considerei como ofensa pessoal frases do tipo “Sou contra quem faz piadas com câncer e quero que o ex-presidente fique bem”. Pois nessa frase está implícito que hospitais públicos jamais trariam bem estar a pacientes lá internados, e isso está na contramão de tudo que tenho visto. E também dos atendimentos que tenho prestado. Como se minha competência, e a de diversos colegas, tivesse sido insultada.
Antes de ser aluna de medicina, eu também tinha a ideia do SUS como esse caos tremendo -– eu, que sempre fora usuária de planos de saúde. Mas é bem diferente. Há muitos avanços inimagináveis. Claro que a maioria deles estão no sudeste, nas regiões e cidades mais ricas. Mas é preciso desmitificar o sistema público.
Pra início de conversa, um breve histórico: o SUS surgiu em 1988, com a nova Constituição. Antes, as políticas de saúde pública eram esparsas, não unificadas e, principalmente, não universais. Sim, porque o SUS foi construído sob o alicerce de três princípios básicos: universalidade, equidade e integralidade. Até o início do século passado, pobre era tratado nas santas casas, por caridade. Com Getúlio Vargas, começou um embriãozinho da saúde pública, mas só tinha acesso quem tivesse carteira assinada, e os camponeses eram excluídos também. Cada trabalhador -– dentre os contemplados -- contribuía à IAP (Instituto de Aposentadoria e Pensões) de sua categoria.
No regime militar, as IAPs foram unificadas num sistema maior, o INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). Ainda, a assistência era restrita ao contribuinte dos setores secundário e terciário -– quando no mercado formal: ou seja, uma minoria. E o sistema unificava saúde e previdência. Como o número de aposentados ainda era muito pequeno, o dinheiro arrecadado foi muito mal investido.
Grande parte foi drenada pela construção de hospitais... privados! (supostamente, em troca de alguns atendimentos via rede pública). E graças a isso, o modelo de assistência médica no Brasil fora desde então calcado na assistência hospitalar e especializada (o que é ruim, pois não se baseia na prevenção, é mais caro, e mais sofrível para os usuários, que entram no sistema a partir de uma doença). Só recentemente tem se investido em um novo modelo baseado na assistência primária (focado na prevenção, muito mais custo-efetivo e mais agradável para o usuário, já que evita o adoecimento; sem, contudo, prescindir da atenção especializada, quando necessária).
Foi isso. Foi assim que começou o embrião do rombo da previdência: dinheiro público empregado em obras particulares.
E então, o que acontece hoje?
O SUS é financiado com recursos destinados à Seguridade Social. Assim como a Previdência. Mas nossa Constituição não prevê nenhum tipo de alíquota mínima, do PIB ou do que for, para o SUS. Então, adivinha só, a Previdência drena a maior parte dos recursos, sobrando muito pouco para a nossa combalida saúde pública.
Lógico que a corrupção também desvia muito, e não só da saúde. Mas dentro do que seria formalmente disponibilizado para a saúde, muita coisa acaba tendo que ser usada para tapar os buracos da Previdência.
Porém, há muitos espetáculos que o sistema promove, ainda mais tendo-se em vista a demanda de recursos que não é adequadamente suprida.
Você sabia, por exemplo, que nenhum plano de saúde cobre qualquer tipo de transplante? E que, quanto a atendimento de urgência, em caso de politraumatizados, os serviços de referência são da rede pública? (cito o Hospital João XXIII, de Belo Horizonte, como referência no estado de Minas). Ainda, sabia que doenças raras que exigem medicamentos de custo muito elevado têm seu tratamento custeado pelo SUS? E, caso não se lembre, ainda, o Brasil é referência mundial em tratamento de HIV/AIDS; isso eu afirmo com experiência pessoal de quem vem acompanhando pacientes soropositivos. São gente como a gente, de todos os matizes, todos os biótipos. Contraíram o vírus, mas uma vez diagnosticados, são acompanhados e levam uma vida tão saudável como a de quem é soronegativo. Com todo o suporte de equipes multidisciplinares de saúde e amplo acesso a anti-retrovirais.
Mais um exemplo: se você, acidentalmente, ingerisse algum veneno, ácido, produto de limpeza; se tomasse remédios em excesso e, em sequência, desistisse do suicídio, sabe a quem iria recorrer? A um serviço de toxicologia. Novamente, o Hospital João XXIII é uma das referências nacionais. Quem está em Belo Horizonte é atendido no plantão; quem está no interior de Minas, ou mesmo em outros estados que não dispõem desse serviço, será atendido por um médico local que agirá sob a orientação de um dos serviços de toxicologia. Não, hospitais particulares não dão conta do recado.
Fechando a conta: nós, o grosso da classe média pra cima, acompanhamos nossa saúde através do sistema particular. E deduzimos os gastos com planos no cálculo do imposto de renda, de maneira que esses gastos significam, por outro lado, menos arrecadação para financiar a saúde pública. Porém, quando precisamos das operações, dos procedimentos, dos remédios mais caros, nada de convênios: só o SUS salva.
Para se ter uma ideia, nos EUA não existe saúde pública, e os convênios dominam o mercado, sempre com uma ótima margem de lucro, e péssima assistência, claro. (Insisto, para quem ainda não assistiu, que assista ao documentário Sicko – SOS Saúde, do americano Michael Moore). No Brasil, a ascensão econômica das classes C e D tem contribuído para aumentar o número de usuários dos planos particulares. E tenho muito medo, baseado em dados concretos, que isso leve o SUS a minguar, e que nossa situação chegue a ficar calamitosa como na terra do Tio Sam.
Por fim, gostaria de concluir minhas ideias não só como estudante de medicina, mas, como já disse, entusiasta e futura profissional do SUS, e, principalmente como cidadã brasileira. Será que vale a pena simplesmente nos acomodarmos em nossos convênios e consultas particulares? Gostaria que começássemos a buscar -– ao menos, experimentar para conhecer -– atendimento pela nossa saúde pública, para que, sendo parte dela, pudéssemos sustentar essa bandeira. Deixar de lado essa ideia de deixar para quem não pode e vestir a camisa. O sistema propõe-se universal, não caritativo, não para “quem não pode”. Saúde não é bem de mercado, item vendável a quem puder pagar melhor. É um direito inalienável a qualquer cidadão.

Tuesday, January 10, 2012

GUEST POST: NÃO POSSO DOAR SANGUE PORQUE SOU "PROMÍSCUA"

A L. me enviou um relato que me deixou de cabelo em pé. Ela foi impedida de doar sangue. Isto é bastante comum para os gays (estou aguardando um guest post a respeito). Mas leiam, meninas, e gelem ao constatar quantos parceiros sexuais precisamos ter em um ano para sermos consideradas promíscuas e, portanto, dentro do grupo de risco. Ah sim, isso transando com camisinha!

Hoje eu fui doar sangue voluntariamente pois para doar sangue divulgam que você só precisa:
Estar em boas condições de saúde.
Ter entre 16 e 67 anos, desde que a primeira doação tenha sido feita até 60 anos;
Pesar no mínimo 50 quilos;
Estar descansado (ter dormido pelo menos 6 horas nas últimas 24 horas);
Estar alimentado (evitar alimentação gordurosa nas 4 horas que antecedem a doação);
Não ter tido hepatite após os 10 anos de idade;
Não ter evidência clínica ou laboratorial das seguintes doenças infecciosas transmissíveis pelo sangue: Hepatites B e C, AIDS (vírus HIV), doenças associadas aos vírus HTLV I e II e Doença de Chagas;
Não fazer uso de drogas ilícitas injetáveis;
Não ter malária.
Mas apesar de estar ciente que me qualifico para a doação, qual não foi a minha surpresa ao ver que não podia doar pois estava em um grupo de risco!
Passei pela primeira triagem onde verificam se eu tenho anemia; passada essa fase, fui chamada para a entrevista. A médica me perguntou sobre a minha saúde, se eu estava descansada e sobre minha vida sexual nos últimos 12 meses. Informei a ela que eu não tinha parceiro fixo, e que tive um relacionamento de oito meses, e que durante o período de um ano além desse parceiro tive mais dois parceiros sexuais "casuais", totalizando 3 (três) parceiros. Informei também que cuidava da minha saúde e que NUNCA fiz sexo sem camisinha na vida. Ainda assim, ela me informou que pela minha conduta sexual eu não poderia ser doadora pois pela nova legislação eu me encontrava num grupo de risco!
Perguntei para a médica se não seria pior se eu tivesse um parceiro fixo e não usasse camisinha com ele. Quem me garante que o meu parceiro usa camisinha caso tenha uma "aventura" fora de casa? Ela disse que me entende e que também é contra essa rigidez da triagem. Voltei para casa p. da vida com a notícia que eu só poderia doar sangue daqui a nove meses se, e somente se, eu tiver uma conduta mais conservadora quanto aos meus instintos.
E a camisinha não presta pra nada então? Ou seria tudo culpa de um moralismo idiota? Nessa matéria encontra-se o que mudou desde junho na legislação para doadores de sangue!
Ao comentar com amigos, alguns me relataram outros absurdos como os que passam as pessoas que se assumem gays ou lésbicas na entrevista e não podem doar pois tem-se aquele preconceito de que ser gay ou lésbica incorre em promiscuidade. Enquanto isso, estudos comprovam que no Brasil cresce a cada dia o número de mulheres heterossexuais e monogâmicas que são infectadas pelo vírus HIV pelos seus parceiros fixos!
Seguem dois relatos que encontrei sobre homossexuais e a impossibilidade de doar sangue: "'Protocolo' barra doação de sangue por dentista ser gay", e "Preconceito ou precaução?".
Lola, tod@s nós sabemos como nossos bancos de sangue estão sempre precisando de doadores. Como é que pode que uma triagem de um serviço de tamanha importância como esse seja feita desta forma? Teremos que burlar o sistema até quando queremos fazer o bem?

Thursday, December 22, 2011

GUEST POST: ESTADO DE CALAMIDADE NA SAÚDE

Tive o prazer de conhecer a ótima blogueira Carolina Pombo num evento sobre Criança e Consumo. Ela escreve muito sobre maternidade, mas tem sofrido com o estado da saúde no Brasil. Segundo o que ela me disse num email, "Depois de me formar no mestrado e adentrar no mercado de trabalho, numa instituição pública, a realidade tem me parecido muito mais difícil do que a Academia costuma considerar. Por isso, escrevi o texto abaixo, mesmo temendo pelo meu emprego (já que sou contratada e não estatutária)... Mas, gostaria muito de vê-lo em seu blog, onde um número grande de pessoas poderá ler e debater". Bom, Carol, ei-lo! Torço para que você não perca o emprego!

Mais uma vez, passei por uma situação bem desgastante ao tentar ser atendida num laboratório particular na zona sul do Rio de Janeiro. Sim, eu quero falar de saúde pública, e começo deixando bem clara a minha posição na cadeia predatória desse sistema: eu sou mulher, de classe média, sou formada em psicologia e trabalho há poucos meses numa instituição pública de saúde –- considerada referência para vários outros hospitais da minha cidade. Moro no Rio de Janeiro, onde fiz o mestrado em Saúde Pública. A situação que eu comecei a relatar não é novidade: cheguei às 9 horas da manhã, num laboratório enorme no Leblon, com 12 horas de jejum, para fazer um exame de glicose, com as pernas estranhamente doloridas e me sentindo muito enjoada. Era a minha tentativa de confirmar o resultado levemente alterado do último exame. Depois de uma hora e meia aguardando para ser atendida, e vendo que, paralelamente, se formava outra “porta de entrada” –- de pessoas “indicadas”, que conheciam fulano ou beltrano, que simulavam uma queda de pressão, enfim, que não aguentavam mais esperar em pé de igualdade aos outros mais de quarenta pacientes que se acumulavam na sala de espera --, resolvi consultar uma auxiliar de enfermagem sobre o tempo de jejum máximo que é considerado para se fazer um exame de glicose. (Eu já desconfiava que eram 12 horas, mas como ninguém até aquele momento me consultara sobre o tempo que eu estava sem comer, e como a toda hora vejo mudarem esses parâmetros de diagnóstico da diabetes, fiquei na minha, esperando).
Por ter se passado o tempo máximo de jejum não fui atendida, e fui embora faminta, frustrada, com raiva, depois de fazer uma reclamação sobre a “fila paralela” que se formara e que certamente atrasara o meu exame e o de tantos outros. Saí, pensando nas manchetes das revistas Época, Carta Capital e IstoÉ daquele fim de semana, que criticavam e até ridicularizavam os movimentos pela internet afora para que o presidente Lula fizesse seu tratamento contra o câncer pelo SUS. Já há algum tempo tenho percebido que nós, usuários do sistema suplementar de saúde, mesmo sendo também maioria da força de trabalho no SUS, conhecemos muito pouco o estado da Saúde no Brasil. Isso porque nos acostumamos a tratar a saúde como mercadoria.
Assim como nos EUA, o mercado da saúde em nosso país já é enorme e crescente. Lá, ele fica em primeiro ou segundo lugar, em termos de participação na economia nacional. Mas, isso não é segredo, faz parte do projeto político-social adotado pelo Estado e apoiado pela maioria da população. Os americanos gostam de “merecer” as coisas, não gostam de política social “de graça”. Mas, aqui, no Brasil, o que acontece é o crescimento de um mercado “camuflado”, mal e porcamente regulado, às custas do dinheiro e das instituições públicas. Sabe aquele cardiologista bambambam que você se gaba de ter como “médico de família” pelo seu plano de saúde? É o coordenador do serviço de cardiologia do hospital público XYZ de São Paulo (formado na USP e ex-residente de um serviço público). Ah, mas ele consegue dar conta dos pacientes do plano, do particular e do hospital? Isso não é, necessariamente, um problema, desde que ele mande os laudos por email, e dê um jeitinho de aparecer no hospital pelo menos uma vez por semana para assinar o ponto -– e olhe lá!
Aqui, pacientes, médicos, gestores, jogam nos dois times, usam os dois sistemas, quando lhes convém -– com exceção daqueles cidadãos que não têm condições de pagar por nenhum plano de saúde (mesmo esses precários e baratos planos hospitalares) e dependem estritamente do funcionamento do SUS. Esses são submetidos a esperas muito mais longas: 23 dias num leito aguardando exames do risco cirúrgico tá bom pra você? O médico faltoso põe a culpa no baixo salário, o governo não aumenta os salários porque já parte do princípio que funcionário público não presta, e o dinheiro vai então para as empresas privadas que prestam serviços públicos, como as Organizações Sociais (famosas OS’s que os cariocas estão importando de São Paulo), fundações, terceirizadas, ONGs etc. Essas, muitas vezes, pertencem aos mesmos proprietários de grandes redes particulares.
Outro dia, abri uma revista no avião, indo pra Sampa, e dou de cara com uma propaganda de página inteira: “Venha trabalhar para a Saúde no Rio: salário de R$ 15.000,00 para médico de família, sem experiência”. Era de uma OS convocando novos profissionais para trabalhar nas equipes de saúde da família (SUS!), nas favelas do Rio. Apesar do salário quase quatro vezes mais alto do que o de um médico federal que trabalha em serviço de emergência e cirúrgico, eles penam para manter as equipes, e acabam usando critérios duvidosos na seleção. Penam porque as condições de trabalho são péssimas, porque a gestão agora é estritamente baseada em produtividade -– ou seja, exige-se um número x de consultas domiciliares por hora, sem a real preocupação com a qualidade do atendimento, e porque as OS’s não podem oferecer a cobiçada “estabilidade” e “aposentadoria integral” do serviço público. Ora, entre fazer uma dobradinha entre consultório privado e a matrícula no hospital público, ou ter que dedicar-se exclusivamente a cumprir as metas de produtividade das equipes de saúde da família, o que é mais vantajoso? Essa é a lógica que tem prevalecido em muitos casos.
Apesar de, na lei, termos um sistema público de saúde universal, já chegamos no mesmo patamar de divisão entre gastos públicos e privados que os EUA. De acordo com o relatório da Organização Mundial da Saúde, de 2010, em termos de financiamento da saúde, 41% é público, 59% é privado. Ou seja, mais da metade de todo o dinheiro que financia nosso sistema global é do próprio bolso dos cidadãos, direta ou indiretamente. Isso inclui gasto com remédios, exames em laboratórios particulares, pagamento de planos de saúde, entre outras coisas. Isso quer dizer que pagamos duplamente, e na prática, poucos são os que conseguem ter acesso a atendimentos de qualidade.
Prezad@ colega trabalhador da saúde, usuári@ de planos, cidadão das classes médias, não pense você que há uma grande diferença entre SUS e não-SUS. O segundo não vive sem o primeiro. Entendo perfeitamente o incômodo das pessoas com o fato dos políticos (de todos os políticos) não usarem o SUS, e passei a entender melhor ainda depois de conhecer um senhor que teve exatamente o mesmo diagnóstico do presidente Lula e demorou mais de um mês para conseguir marcar a quimioterapia pelo plano de saúde (sem contar todo o tempo de espera num INCA ou hospital público de referência para o tratamento do câncer). Mas, se esses “movimentos” serviram para despertar a raiva de alguns e a inveja de outros, mesmo às vezes parecendo de muito mau gosto, desejo que eles sirvam para despertar em você, profissional e usuári@ da saúde, uma compreensão mais crítica do estado da saúde em nosso país. E, para fazê-l@ avaliar em que medida ele tem a ver com você e com suas próprias práticas no dia dia.
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