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GUEST POST: CAMISINHA E BOATOS NÃO TÊM HORA
Sou leitor do seu blog há algum tempo, e você é ótima. Adoro sua lucidez.Não sei se você usa o Facebook [Nota da Lolinha: Não, not yet]. Lá, vez por outr
a, aparecem umas "campanhas" que me deixam nauseado. Sou estudante de medicina e esses dias um colega de curso postou uma foto no Facebook que faz parte desse tipo de material deseducativo. Mais uma daquelas campanhas que marcham contra a saúde pública. O panfleto estampa em letras tamanho 100 os dizeres: A camisinha não te protege. Na coluna à direita, utilizando uma fonte reduzida, aparece: da culpa da vergonha do medo da inseguranZzZzZzZ (insira aqui os clichês. Muitos). Embaixo o gran finale: SEXO TEM HORA. Não há prazer maior do que obedecer a deus. Preserve-se. Confesso que um botão NÃO CURTIR naquela hora fez uma falta danada.O autores da peça publicitária fazem parte do Ministério Entre Jovens do Rio de Janeiro, ligado à Igreja Assembleia de Deus. Eles vendem os "folhetos evangelísticos" via internet. O pacote com 100 unidades custa R$ 4,00 mais o frete. Além de pregar contra a saúde pública, há panfletos
contra um monte de outras coisas, inclusive (pasmem) o halloween.O fato é que fiquei estarrecido e revoltado. Primeiro pela divulgação irresponsável desse tipo de campanha. As pessoas se esquecem do poder de alcance da rede social e dão RT em qualquer besteira sem sequer pensar na quantidade de gente que irá ler aquilo e consequentemente formar uma opinião.
Há dois anos, durante a campanha de vacinação contra a gripe, ocorreu fato semelhante. Divulgaram via e-mail que a vacina estava na verdade provocando a gripe e incitava os idosos a não irem se vacinar. Felizmente a campanha atingiu uma boa meta de imunização e o boato foi pras cucuias. Isso é muito perigoso. Espertinhos que querem continuar no anonimato adoram começar "polêmicas" dessa forma. Nada mais cômodo. Acho que o pior de tudo f
oi o fato da informação ter sido passada a mim por um futuro profissional da saúde, que irá ter a camisinha como recurso na promoção da saúde de seus pacientes.Você é evangélico e sua igreja prega a castidade? Ótimo. Siga a castidade e seja feliz desse jeito. Porém saiba que no seu consultório não irão aparecer somente irmãos-castos-da-igreja (eu não boto minha mão no fogo por ninguém, que fique claro). Você vai precisar atender pessoas que optaram por utilizar o sexo como forma de prazer. E aí? Você irá pregar a palavra pro paciente dentro do consultório, convencendo-o a seguir a bíblia e praticar o sexo somente como está e
scrito lá, ou oferecerá a camisinha e outros métodos contraceptivos como forma de prevenção? Qual é a sua atribuição dentro do serviço de saúde, evangelizador ou médico? Isso não acontece somente em relação aos métodos contraceptivos, acontece também no atendimento ao abortamento de risco, ao paciente hepatopata cirrótico, ao depressivo suicida. Todos destratados e discriminados durante o acolhimento no serviço de saúde.Claramente o panfleto prega a favor do sexo com fins reprodutivos e contra a utilização da camisinha. Dessa forma, alimentando as várias polêmicas que já surgiram sobre sua eficácia, desde se há porosidades no látex até a grande incidência dos rompimentos do material durante a relação sexual.
O Ministério da Saúde, o órgão competente para emitir pareceres sobre a situação da saúde no país, emitiu uma nota bastante didática e clara sobre o método. O resumo da ópera é o que todo mundo já sabia: a camisinha tem uma eficácia estimada em torno de 90-95% na prevenção da transmissão do HIV. Protege. E MUITO.
Outra: se estorou é porque ela foi mal colocada por falta de instrução adequada. Daí apareceu um monte de
gente, que cabulou a aula de porcentagem no ensino fundamental, dizendo: Não, se não protege 100% então não é eficaz. Queridão, a chance de você morrer ao cair de uma cadeira é de uma em 4 473. Você vai deixar de se sentar por causa disso? E não me venham com a conversinha de que sexo pode ser evitado. Andar de bicicleta, viajar de avião, nadar na praia e até andar debaixo de coqueiros também pode, e eu não conheço nenhum igreja que seja contra isso. Fica claro que é uma discussão muito mais puritano-moralista do que científica. Como tantas outras (aborto, células tronco, homossexualidade) nas quais a religião quer se impor enquanto autoridade que necessita ser consultada pela ciência. Depois de tantos boatos, instalou-se uma confusão na cabeça das pessoas. Muitos
líderes religiosos embasaram-se nessa falácia dos 10% para propagar a suposta falta de eficácia da camisinha. Criou-se um pânico coletivo e uma série de distúrbios psiquiátricos vieram à tona. Pacientes que já eram propensos a depressão, desenvolveram-na. Pacientes com crises de ansiedade chegaram até a fazer uso de ansiolíticos. Pacientes repetindo o mesmo exame várias vezes e sobrecarregando o serviço. Não duvido nada ter ocorrido casos de suicídio somente pelo temor de ter contraído o vírus. Enfim, a histeria coletiva. A troco de quê?
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