skip to main |
skip to sidebar
GUEST POST: SAÍ MAIS FORTE DO CÂNCER
Giovana Damaceno é linda, e vocês já já vão ver porquê. Ela é jornalista em Volta Redonda, RJ, tem um blog, e também um livro de crônicas publicado, Mania de Escrever, que pode ser comprado aqui. E ela é tão generosa que me enviou várias fotos para publicar aqui. Este é o tipo de guest post que informa e emociona ao me
smo tempo. Coragem, pessoas! Vão fundo.Ao receber o pedido da Lola para escrever um guest post sobre minha experiência com o câncer de mama, pensei que seria algo rápido e prático a fazer, mas já escrevi tanto a respeito que chegou a me dar um branco. Por onde começar? O que exatamente interessaria aos leitores da Lola? Então decidi falar um pouco de cada momento, resumindo ao máximo o que levaria mais de um dia para relatar.Sou jornalista, cronista, escrevo uma coluna para o jornal da minha cidade e também no meu blog. Logo que fui diagnosticada com um câncer de 8cm na mama esquerda, em março de 2009, aos 40 anos, tratei de contar a meus leitores, falar da minha surpresa, confessar minha dor e meu medo, mas já dando a volt
a por cima, adiantando que daquele limão eu faria uma caipirinha. E esta caipirinha eu estou bebendo até hoje.Detectei um caroção na mama esquerda por mero acaso. Fazia autoexame regularmente e a última mamografia, de um ano atrás, estava ok. Um dia, no trabalho, dei um tempo do computador e espreguicei. Na descida dos braços, passei ambas as mãos pelas laterais das mamas e levei um susto. Ali estava um ser indesejado, que só seria identificado como câncer meses depois (o primeiro diagnóstico foi de nódulo, com 4cm). É importante frisar que a forma como passei a mão na mama em nada tem a ver com os movimentos normalmente ensinados para fazer o autoexame.Os primeiros dias após a notícia foram de desespero total. A primeira coisa que se pensa é: vou morrer. E en
quanto aguardava os trâmites normais para iniciar a quimioterapia, fui me acalmando, olhando o problema de forma prática (como sempre fiz) e colocando literalmente o tratamento na agenda. Claro que o choque sacode corpo e alma e, pra quem consegue ter o mínimo de equilíbrio (eu consegui, ah!) é um ótimo momento para reflexão: para quê estou passando por isso? Com esta pergunta em mente virei pra Deus e disse: “Estou levando uma sacudida de ombros, eu sei. Pois então eu estou pronta pro sacrifício. Seja o que for que tiver de aprender com isso, conto som Sua força e amparo. Vamos juntos que eu venço esta parada. Câncer gosta de tristeza,
portanto ele se abrigou no lugar errado e não vai ficar aqui por muito tempo!”Foram seis sessões de quimioterapia, a cada 20 dias, que me levaram quase ao fundo do poço. Chamava os dias pós quimio de escuridão. Não encontrei nada melhor pra definir dias de enjoo quase insuportável. Ficava sozinha, em silêncio, na minha cama, sem conversar com ninguém, sem pensar, só enjoando e dormindo, sem comer, só bebendo água bem gelada, com gelo e gotas de limão, um dedinho de cada vez. Fraqueza, vertigens, pernas moles. Quem me conhece não acreditaria que aquela era eu. Só não vomitava porque meu médico, o oncologista Fernando Almeida, prescreveu um coquetel de remédios que seguravam no estômago o pouco que eu conseguia comer. O enjoo parece o mesmo da gravidez, multiplicado centenas de vezes; quem já teve filho pode imaginar, de leve. Sempre aconteciam num período de sete a dez dias após a sessão e depois melhorava um pouco e eu já conseguia co
mer melhor.Exatamente no 17º dia depois do início do tratamento meus cabelos se foram. Tratei de passar máquina logo que observei queda mais volumosa, porque não quis ver minhas longas madeixas se soltando da cabeça. Não quis usar peruca. Optei por muitos chapéus, lenços e turbantes. Sempre saía de casa com a cabeça colorida. Pior que ficar careca foi mudar de cor, assim, meio cinza, e com aquela cara redonda, que parecia inchada, sem cílios e sem sobrancelhas. Aliás, não é só cabelo da cabeça que cai; é do corpo todo! Tentei fazer piada disso tudo e fui levando. Fiquei mal mesmo por causa da quimio a partir da terceira sessão. Os efeitos causados pelas drogas são cumulativos e o corpo vai ficando cada vez pior. Tonteira, memória fraca, muita dor pelo corpo todo, como se a carne estivesse apodrecend
o. Não podia ficar muito tempo na mesma posição, deitada ou sentada, que tinha a sensação de estar me desintegrando. Tudo com dor. E com muito enjoo. E na boca um gosto amargo/pútrido permanente, que me fez consumir latas de pastilha Valda, tubos e tubos de spray de menta, balas Halls (preta e azul) sem fim. Meu médico também incluiu nas prescrições de remédios uma pílula que me ajudasse a dormir, porque uma das substâncias contidas entre as drogas provocava insônia. Após a sexta e última sessão tive que me conformar em apenas esperar passar. Não conseguia ler, mal via TV, todos os sintomas ficaram ainda mais intensos, até começarem a diminuir depois de vinte dias. A temida cirurgia veio após o tratamento quimioterápico. Mesmo com o sucesso da primeira etapa do tr
atamento, que zerou o tumor, seria preciso me submeter à mastectomia para evitar que as células anormais (que formam o tumor) voltassem a se reorganizar. E a opção encontrada pelo meu mastologista, Eduardo Millen, foi o esvaziamento da mama e reconstituição imediata com material retirado do meu abdômen -– o TRAM. No mesmo procedimento cirúrgico -– que durou seis horas -– foi feita a adenomastectomia e a reconstrução por cirurgia plástica. O Eduardo abriu minha mama pela frente, com uma incisão por cima da aréola, esvaziou todo o conteúdo e preservou mamilo e aréola. O cirurgião plástico, Leopoldo Menezes, então entrou em cena. Abriu um corte na barriga, de um lado a outro, como numa cirurgia plástica. No baixo ventre ele cortou os dois músculos e junto com a gordura abdominal trouxe tudo para a mama, por dentro, por meio d
e um túnel. Meus músculos abdominais hoje sustentam a minha mama, recheada com minha própria gordura abdominal e é também através destes músculos que o novo recheio é irrigado com sangue. No abdômen foi colocada uma tela de polipropileno, para manter tudo mais ou menos de pé (mais ou menos mesmo; barriguinha de tanquinho, nunca mais!). Sem os músculos ganhei a limitação de não poder mais me levantar ou deitar reta; só de lado. Motivo pelo qual não faço exercícios abdominais, por exemplo.Após a cirurgia e devida recuperação, encarei 25 sessões diárias de radioterapia. Mais tranquilas de fazer, mas nunca sem sequelas. Foi somente por causa da radio que minha nova mama não ficou exatamente perfeita. Estão aqui, inteiros, meu mamilo e aréola, mas a mama ficou mais endurecida embaixo, pois a ‘queimadura’
provocada pela radio causou uma anomalia nas pontas dos músculos que a sustentam, chamada esteatonecrose. Ainda pretendo fazer uma cirurgia de correção de simetria, que vai tornar minha mama direita menor e mais firme, e assim e evitar ao máximo meus péssimos humores na hora de escolher e vestir roupas que disfarcem ou não destaquem a diferença entre as duas (mesmo com enchimentos no sutiã, a diferença não é totalmente disfarçada).Ao lado, durante todo este tempo, em cada minuto, em cada choro, em cada projeto futuro discutido, estava o maridão (também falo assim, Lola). Chegava a brigar sério comigo quando me via falar com a voz mais mole. “Para com isso que você não é assim! Faço qualquer coisa que você precisar, desde que se dirija a mim com a mesma altivez de sempre!” E eu respirava fundo, levantava a cabeça e pedia: “Pode me trazer um copo d’água, por favor?”, com a voz ma
is firme que a fraqueza provocada pela quimio me permitia. Um homem que posso dizer que é perfeito. Falo pouco sobre isso porque ninguém acredita e achariam que sou louca. Mas ele é. Se me perguntassem que defeito tem o maridão, não saberia o que responder. Mesmo. Entende a alma feminina como só uma mulher entenderia, é um companheiro exemplar, compreensivo, paciente, e me ama incondicionalmente. Sim, este ser existe e é o meu maridão. Junto com ele contei com outras pessoas que, reunidas, dei o nome de equipe de apoio. Mãe, filho, duas amigas sensacionais, irmãs, irmãos, cunhadas. Cada um no seu quadrado, dando tudo o que podiam. E meus médicos, a quem vou morrer (daqui a muuuitos anos) agradecendo.Costumo dizer que me salvei do câncer porque tive fé, não só no Deus que acredito, mas nos meus médicos e principalmente em mim. Como disse, coloquei o tratamento na agenda e fui seguindo aquele
roteiro, programando dia após dia. Não deixei de sonhar, refiz meus planos para o futuro, fiz um grande planejamento do que faria depois do fim do tratamento. Isso é importante, muito importante, embora seja difícil não sucumbir ao medo. Mas logo no início do tratamento ouvi de uma mulher que passou pelo mesmo problema que o medo é a maior armadilha. Também descobri rápido para quê estava passando por tudo aquilo: para me mudar, para crescer, para ser uma pessoa melhor, depurada, e isso foi fundamental. Estranho dizer tudo isso assim, num texto, para pessoas que não me conhecem pessoalmente, mas foi assim mesmo. Surgiu uma pessoa corajosa dentro de mim que nunca imaginei que pudesse existir.Parece tudo muito perfeito, né? Não, não é. Só eu sei o quanto de dor sen
ti, quantas vezes chorei sozinha, a intensidade do pânico que me tomava frequentemente, como era desanimador acordar de manhã e lembrar “estou com câncer...”, as dores da cirurgia, a exaustão de tanta gente me tocando, me virando, mexendo, sacudindo. Ninguém -– ninguém mesmo –- que não tenha passado por isso pode fazer ideia do que seja, física e emocionalmente, viver uma experiência com o câncer. Mas eu decidi que comigo seria diferente e eu fiz a diferença. Até agora estou plenamente saudável, voltei a trabalhar no início de 2010, minha vida profissional é super ativa. Eu e o maridão temos atividade sexual plena, apesar de eu ficar ainda meio constrangida por meu corpo não ser mais perfeitinho. Sem contar a menopausa precoce que as sessões de quimio me deram de presente. Aí rola um probleminha com o cal
or, que ninguém merece!Creio que o texto ficou grande demais para este espaço, mas há muitos outros detalhes sobre esta experiência que contei no meu blog. Quem se interessar, é só acessar o marcador “O ano do meu crescimento” que tem tudo lá. Obrigada, Lola, pela oportunidade. Espero ter esclarecido algo para a mulherada e para os homens também. Qualquer dúvida, estou à disposição.
No comments:
Post a Comment