Tuesday, August 9, 2011

PEREGRINAÇÃO POR UMA CIDADE SEM CALÇADAS

Eu e maridão num lindo parque em Roma



Como comecei a contar, o maridão e eu passamos metade do mês de julho em férias pela Europa. Foi divino: conhecemos (ou no mínimo caminhamos rapidinho por) várias cidades, como Roma, Pisa, Genebra, Tours, Bordeaux, Paris, San Sebastian, Toledo, Madrid, Cáceres, Évora e Lisboa. Foi quase tudo perfeito, se não considerarmos o dia em que tentamos ir andando do nosso hotel pro museu do Vaticano. Como a gente podia saber? Tinham dito pra gente em Roma que nosso hotel ficava a 8 quilômetros do centro e a 4 do Vaticano. Ou seja, que havia um vaticano no meio do caminho. Quatro quilômetros a pé nem pareceu tanta coisa. E eu, toda sábia-zen, dizia pro maridão que mais importante que chegar ao lugar desejado era a jornada até lá, pequeno gafanhoto. Mas no meio do caminho a gente percebeu que nunca chegava lá, que não havia absolutamente nada aproveitável naquele percurso puramente residencial, e que as calçadas estavam minguando. Sério mesmo, a impressão que tivemos é que Roma é um lugar sem calçadas, só ruas. E, como todos sabem, é perigoso andar na rua, porque disputa-se o lugar com bichos muito mais poderosos que você (chama-se carro). É verdade que vimos em Roma muitos mais carrinhos Smart (que o maridão chamou de carro de brinquedo, mas é uma graça, e basicamente virou meu sonho de consumo, se eu ainda tivesse a menor vontade de dirigir, e se ele não custasse no Brasil a absurda quantia de 60 mil reais!) que no resto da Europa, o que no mínimo denota alguma preocupação ambiental, mas essa cidade bonita e antiga ― dois mil anos de história! ― não me pareceu ter sido feita pra pedestres. E uma das minhas maiores obsessões no momento se refere a espaços públicos. Quando uma cidade é feita só de ruas, e só de ruas pra carros, sem um transporte coletivo decente (no caso de Roma até existe uma desculpa para o metrô ser tão restrito: cada vez que começam a cavar para fazer mais quilômetros de metrô, encontram alguma relíquia. E como a cidade é patrimônio da Humanidade, e tombada ― como deve ser ―, há de fato esse obstáculo para não ter mais linhas), estamos privatizando o espaço público. A cidade, que deveria ser de todos que a habitam ou a visitam, passa a ser daquele carro particular, geralmente levando apenas um passageiro (o próprio motorista). Quantas pessoas, bichos de estimação e árvores poderiam harmonizar o espaço ocupado pelos carros?

E isso não é só com os carros não. Roma é uma cidade cheia de bares e restaurantes com mesinhas nas calçadas. Lindo e fofo, né? Hum, não exatamente. Porque aquela calçada em frente ao bar, que deveria ser pública, agora pertence ao bar. E se você quiser sentar-se lá não vai encontrar um magnífico banco público (que, em todo o mundo, cada vez mais são extintos ou repletos de tranqueiras para que mendigos e outra “gente diferenciada” não os ocupem para dormir lá), e sim uma cadeira com mesinha. E, pra sentar lá, só consumindo alguma coisa. Ou seja, você vai ter que pagar pra usar um espaço que deveria ser público, e pelo qual você já paga, através dos impostos (inclusive, em vários lugares custa mais caro pro consumidor comer ao ar livre que dentro do bar/restaurante). Isso sem falar que é muito mais difícil caminhar por uma calçada já estreita repleta de mesinhas, tendo que se desviar delas. Como faz um cadeirante, por exemplo, pra transitar por ali? Não faz.

Ando acompanhando a revolta de algumas pessoas de Belo Horizonte com novas leis que vão afetar o funcionamento de bares com mesinhas na calçada em um dos bairros mais boêmios da cidade, Santa Tereza. Li a reclamação do dono de um tradicional bar na “capital dos botecos”. O interior de seu bar é minúsculo, tem apenas lugar pra três mesas. Todo o resto fica ao ar livre, na calçada. E a prefeitura de BH quer mudar isso (também pra diminuir o barulho à noite numa zona que, até a década de 70, era apenas residencial). A gritaria dos frequentadores dos botecos contra essas mudanças é grande e até compreensível: tradição e tal (em cidades com pouco mais de cem anos, algo que dure três décadas vira tradição). Mas não é meio cômodo abrir um bar nessas condições? A gente aluga ou compra um cubículo, instala lá uma microcozinha e três mesas, e usa o espaço público ― a calçada ― para acomodar os clientes. Que, aliás, não são cidadãos, mas consumidores? É a tônica do capitalismo: o cidadão que se dane, viva o cliente. Sorry, mas, pra mim, isso soa como privatização do espaço público. E observamos essa dinâmica em Roma direto (ao contrário de Paris, que tá cheio de calçadões).

Mas, voltando, estávamos indo andando pro Vaticano e de repente não havia mais calçadas, placas, previsão de quando e como chegar lá, nada. Paramos no único ponto de ônibus que vimos em não sei quantos metros e perguntamos pra uma moça italiana muito prestativa e com um excelente inglês se o Vaticano ainda estava muito longe. Ela disse que sim, e que seria melhor pegar o ônibus, mas aí se lembrou que não dá pra comprar passagem de ônibus dentro do ônibus (cujas empresas já acabaram com a função do cobrador, pra cortar despesas, e até parece que a economia gerada foi passada pro passageiro), e obviamente o lugar mais próximo pra comprar a passagem era... em frente ao museu do Vaticano! Aquele não foi um dia muito produtivo, viu? Comecei a querer saber com o maridão porque nós, dois ateus (pelo menos uma delas assumida), tínhamos que fazer esse sacrifício da peregrinação até o Vaticano por ruas sem calçadas, ainda mais se no dia seguinte um ônibus da excursão passaria por lá. Quando finalmente chegamos ao museu (ou ao menos à saída do museu), o ingresso custava quinze euros cada. Hum, o Vaticano é um dos Estados mais ricos do mundo. Eles é que deviam nos dar uma graninha pra entrar lá. E esse é só o museu, em que há pinturas e obras de tapeçaria. Não é lá que fica a Capela Sistina. Pra ter o pacote completo sem precisar enfrentar uma fila de três horas no sol (pior que a Disneylândia), guias e excursões cobram 45 euros por pessoa. Não entramos. Mas tiramos fotos da fonte que aparece em O Código da Vinci (quer dizer, acho que não é a mesma fonte porque o Vaticano não deixou aqueles hereges filmarem lá).

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