Monday, August 8, 2011

A LEI MARIA DA PENHA VS OS HOMENS RETRÓGRADOS

Ontem a Lei Maria da Penha completou cinco anos. Mesmo que ainda falte muito o que fazer (não há abrigos suficientes, as decisões demoram pra ser tomadas, faltam recursos etc), a lei é uma conquista de toda a sociedade. Ou não? Acabar com a violência doméstica não beneficiaria a tod@s nós? Não, pelo jeito não, infelizmente. Semana passada o Terra publicou uma boa entrevista com a própria Maria da Penha, em que ela lamenta que a justiça ainda seja machista. Coletei apenas alguns comentários para te causar depressão e fazer você perder a fé na humanidade (ou pelo menos numa certa metade dessa humanidade, já que todos os comentários foram escritos por homens ― tudo sic):



- Ai ai. O que falta mais nesse matriarcado.

- Eu acho que ela tem essa birra com homem e com o marido porque ele botava chifre nela por ser muito feia.

- essa maria era santa? como era como esposa?

- Mulher é o bicho mais machista que eixste, pois não vive sem macho.

- Acho que essa Maria da Penha imaginou tudo, fruto da sua mente dissimulada.

- Mulher feia tem q apanhar todo dia.

- Muitas mulheres se aproveitam dessas leis feministas. Vá lavar roupa no tanque que você ganha mais.

- O que fez ela pra esse marido pra receber tratamento tão amável!! Primeiro tiros depois eletrocutar!!! Kkkkkkkk..Não incentivo violencia mas acho que existe muita coisa distorcida no discursso da velhota ai...

- chega de conversa mulher so aprende mesmo e na porrada

- Enche o saco ver essas cadelas feministas falando besteiras sem noção! O que se podia esperar de uma presidente mulher? Essas vacas malcomidas só falam asneiras!

- O que mais essa veia quer? Jogar na prisão quem olha pra bunda de uma mulher? Chega de privilégios! Justiça deve ser igual pra todos!

- euacho que vc apnhou pouco

- Muito lero-lero para coisa de tão pouca importância...

- Quem vai fazer BO em delegacia da mulher é na maioria v/a/g/a/b/u/n/d/a mau intencionada querendo prejudicar o homem que não a quer mais.

- sai dai protetora de p(u)t(a)



Só gente muito, muito ignorante pra escrever essas atrocidades. Mas aqui há todos os clichês reunidos: a lei é coisa de feminista, ela discrimina o homem, mulher é que é culpada pelo machismo, mulher feia precisa apanhar, mulher com qualquer aparência deve apanhar pra aprender, alguma a Maria deve ter aprontado, ela nem foi agredida, a violência doméstica não tem importância, só prostituta apanha. Faltou apenas a idiotice que homem também apanha e não tem lei pra protegê-lo.

Olha, tive a oportunidade de conhecer a Maria da Penha porque eu e ela fomos palestrantes num seminário aqui em Fortaleza, em maio. Ouvi essa mulher forte e corajosa contar sua história. Ela foi atingida do jeito mais covarde: com um tiro nas costas enquanto dormia na sua casa. Isso foi em 1983, época em que ainda se discutia se “quem ama não mata”, em que ainda se considerava aceitável o marido matar a esposa adúltera para limpar sua honra. Não que Maria da Penha fosse uma esposa adúltera. Ela era apenas uma entre tantas mulheres presas a um casamento violento, em que seu marido (ambos com nível superior) a via como propriedade. Maria permaneceu no hospital durante quatro meses. Quando voltou pra casa, seu marido a manteve em cárcere privado e tentou matá-la pela segunda vez, então por eletrocução. Maria, que ficou paraplégica, conseguiu sobreviver. E, durante 19 anos, viu a justiça não ser feita. Só quando o crime já estava quase prescrito, e por causa de pressões internacionais, é que o ex-marido finalmente foi preso. Ele ficou dois anos na cadeia e saiu em 2002, um homem livre.

Mesmo diante de toda essa injustiça, ainda tem gente que acha que Maria da Penha imaginou tudo. Que ela se tornou paraplégica pelo poder da mente, e que sua insistência para que seu ex-marido fosse preso não era sede de justiça, mas rancorzinho de mulher traída e mal-comida.

Esses homens que nem ruborizam ao escrever essas ofensas são os mesmos que negam que o machismo existe. Eles acreditam que vivemos num mundo de plena igualdade, e por isso consideram injusto não que mulheres apanhem (eles ora negam essa realidade ou inventam que elas merecem), mas que haja uma lei específica para protegê-las. O pior é que muitos policiais, delegados e juristas pensam (modo de dizer) igualzinho a esses neandertais. Mas a reação é parecida à quando foi inaugurada a primeira delegacia da mulher no Brasil, em 1985, em SP. Dizia-se que o atendimento especial discriminava os homens, como se as mulheres vítimas de violência não iriam ser agredidas mais uma vez ao pôr os pés numa delegacia convencional, cheia de policiais machistas sem a menor empatia!

Alguns homens são vítimas de violência doméstica também, mas é diferente. Mulher quando bate dá tapa, arranha (sou veementemente contra), mas homem dá soco. Homem que apanha tem que denunciar a parceira, e pra isso existe o Código Penal. Mas a violência é totalmente desproporcional. Ou você conhece muitos homens que ficam paraplégicos ou são mortos pela esposa, namorada ou ex? Pois bem, cinco mulheres são agredidas no Brasil a cada dois minutos. Os números de chamadas ao telefone 180, a Central de Atendimento à Mulher, só sobem ― o que pode ser algo positivo, pois significa que mais mulheres estão denunciando, não se calando para um tipo de violência que costuma ser encoberta pela sociedade.

Muitas vezes o que começa com violência psicológica e verbal escala para a violência física. E quando a mulher decide romper esse ciclo, ela é assassinada. O Mapa da Violência no Brasil/2010 aponta que 41.532 mulheres foram mortas entre 1997 e 2007, o que representa que há mais de 4 vítimas em cada grupo de 100 mil mulheres. No Brasil dez mulheres são mortas por dia, todos os dias. A enorme maioria dessas vítimas é assassinada pelos parceiros, atuais ou ex. E essa rotina está tão impregnada na nossa cultura (e não só na nossa) que montes de mulheres não deixam a casa depois de apanhar. Elas ouvem do parceiro: “Se você se separar de mim, eu te mato”. E sabem muito bem que é uma ameaça plausível.

Por isso a Lei Maria da Penha é tão importante: porque ela agiliza o atendimento. Ela pune com mais rigor. Ela pode salvar vidas. Alguém me convença que isso é ruim.

Apesar dos conservadores misóginos que volta e meia repetem as grosserias que colei acima, a ONU cita a Lei Maria da Penha como pioneira mundial nos direitos das mulheres. 80% da população brasileira aprova a lei. E mesmo entre aqueles que desaprovam, a maior parte das críticas é por ela ser insuficiente. E é. Ela é só um começo. O que precisamos mesmo é mudar a mentalidade das pessoas, essa mentalidade tacanha que diz que o homem é dono da mulher, que mulher deve ser ensinada e vigiada para se manter na linha, e que bater é um ótimo meio de educar. Sou otimista. Acho que algum dia comentários como os do início do post, que banalizam e fomentam a violência, serão impronunciáveis. Aí teremos um mundo menos desigual.



Este post faz parte da blogagem coletiva Lei Maria da Penha.

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