Uma leitora, a Juliana, me enviou um email sobre um quadro do Globo Esporte de ontem: “Qual não foi minha surpresa diante de uma matéria sobre uma bandeirinha de futebol chamada Nadine! O apresentador iniciou dizendo que o repórter não conseguiu se controlar, e a matéria foi um festival de grosserias e objetificação…A bandeirinha foi assediada pelo repórter com cantadas, e toda
a matéria foi uma exibição do andar de Nadine, das reações dos jogadores e técnicos diante de sua beleza, com replays dos momentos do jogo arbitrado. Nadine não foi entrevistada, não se falou sobre a atuação feminina em arbitragem de jogos, nada, apenas exibiu-se a pessoa como objeto. Mandei um email para a Central Globo de Relacionamento. Quem sabe, Lola, não se consegue um depoimento da bandeirinha, visto que ela claramente não gostou de ser abordada pelo repórter?”
Não pude acreditar que a matéria fosse isso tudo, e pedi pra Ju um link (aqui). E mon dieu, é tudo que a Ju falou e muito mais. Se eu não fosse uma pessoa prolixa, diria que fiquei sem palavras.
A reportagem no fundo está falando de um jogo entre Corinthians e Ceará (nem é citado), mas se ancora numa personage
m — uma bandeirinha loira, jovem, linda, dentro dos padrões — pra contar o que aconteceu. É deprimente. Num ambiente essencialmente masculino como futebol, em que jogadoras têm que tirar a roupa ou usar uniformes sexy para serem notadas, em que técnicos de equipes femininas não homens (mas a gente nunca vê uma técnica de uma equipe masculina), em que árbitros, bandeirinhas, gandulas, dirigentes etc costumam ser homens até em jogos entre mulheres, a reportagem decidiu focar na Nadine. Não pra mostrar como ela é uma pioneira, uma exceção num mundo exclusivamente de homens, mas pra falar sobre sua
beleza. Apenas disso. Porque, óbvio, o mérito de toda e qualquer mulher está em sua habilidade decorativa.
O apresentador engraçadinho começa pedindo desculpas — não pelo machismo da reportagem que virá a seguir, mas pelo fato do repórter ter se desconcentrado porque “mal conseguiu parar de olhar pra bandeirinha”. Aí a narração diz que o que mais chamou a atenção no Pacaembu não foi o dia dos pais ou um golaço, mas uma bandeirinha. O resto da reportagem se esforça pra provar este ponto. Infelizmente, parece que ela só chamou a atenção dele. Essa era a pauta?
O repórter fala so
bre a bandeirinha como se fosse um adolescente acometido de um sério problema psíquico. Sua baba quase respinga na gente: Nadine é um “es...pe...tááá...cu...loo”. Porque sabe, ver uma mulher bonita trabalhando causa tilt nos neurônios. Trava tudo. Menos a câmera, que acompanha o raciocínio (modo de dizer) do repórter. O cameraman objetifica Nadine, filmando-a de baixo pra cima, pausando nas suas pernas, filmando-a em câmera quase tão lenta quanto a inteligência do repórter. Corta pra um jogador, William, que, respondendo à pergunta oculta do repórter, dá um show de elegância: “Hein? Não,
não. Sinceramente, não reparei. Mas o importante é que ela faça um bom trabalho pra ser reconhecida”. Lógico que a Globo o ignora totalmente, pois o reconhecimento dado a Nadine não tem nada a ver com seu “bom trabalho”. A matéria deixa claro que Nadine nem precisaria se mexer pra ser reconhecida!
O repórter prossegue, agora brincando de indignado, querendo saber como Nadine “desfilava” (palavras dele — você nunca viu o andar de um bandeirinha homem ser descrito dessa forma, eu sei) diante do banco do Corinthians sem atrair um simples olhar. Como podem?! Eles não são homens? Como prestam mais atenção num reles jogo de futebol que num es...pe...tááá...cu...loo? E quando um jogador perde um gol, aí sim é que Nadine fica “invisível”, pro desa
pontamento geral do repórter. “Se bem que teve gente que olhou, viu?”, e a câmera corta prum jogador dizendo: “Não, olhei só o jogo”. Mas o intrépido repórter insiste: “Ela chama a atenção pela beleza?”. E o pobre jogador: “Deixa eu ver... [olha pro outro lado do campo e provavelmente vê um pontinho distante]. É, chama, ela é bonita”. No rosto do jogador, com um sorriso tímido, transparece o pensamento “Esse cara é jornalista mesmo ou tava passando na arquibancada e conseguiu entrar?”. Daí tem uma pausa pra tratar do jogo, e o próprio repórter esquece (ó pecado!) da bandeirinha.
But not for long. Logo o repórter encontra um jeito de resgatar sua pauta: “Só não dá pra dizer que a situação ficou feia porque vai ficar feia como? Olha como corre, graciosamente, em câmera lenta, a Na..di...ne. Ah, Na...di...ne, anota esse gol!” Certo. Ah, re...pór...ter, isso não é só um desrespeito às mulheres. É um desrespeito aos homens. Ver um homem adulto se comportar como um ser babão não é exatamente um elogio ao gênero (ou alguém me explica como esse homem incompetente com pensamento lento e fixo e dificuldade de fala é diferente do incapaz da Bombril?). Continua o infeliz: “Aliás, ela é séria, hein? Discutiu com o Titi, falou grosso...” Não se ouve a voz dela (lógico que não! Desde quando mulher decorativa precisa de voz?), mas a
câmera dá um close em Nadine, e o repórter a “dubla”... com voz fina, caricatural, mostrando que “voz grossa” de mulher é fininha, porque, né, onde já se viu um es...pe...tááá...cu...loo ser duro com alguém?
Mas a reportagem segue querendo contradizer a pauta. Na hora do intervalo, é chance de “interagir” com Nadine. Eis que nosso intrépido repórter se aproxima de uma mulher compenetrada e faz a seguinte pergunta: “Você vem sempre aqui?” Ah, que meigo! Mulher bonita é pra ser cantada em qualquer lugar, seja no bar, no trabalho... E p
erceba como a pergunta graciosa insinua que Nadine está a passeio, que aquele não é seu lugar, e que toda hora é hora pra uma paquera, inclusive num ambiente de trabalho. A bandeirinha baixa a cabeça, sorri, e segue em frente, sem pausa. E o repórter a segue, tipo stalker mesmo! “Você acha que,” diz ele arfando, correndo atrás dela, “que tem algum momento em que você pode desconcentrar os jogadores com a sua beleza?” Ela não responde, o cara continua perguntando, enfia um microfone na cara dela, diz “Tá ocupada agora?” (não, Pedro Bó!), ela lhe dá dois cortes, e o que fala a narração? “Ihhhh... Perdeu o encanto, vai, perdeu o encanto”. É, ela se transformou de pr
incesa em bruxa por não ceder às brincadeirinhas inofensivas do repórter tão galanteador, que a respeita tanto como profissional.
E eis que finalmente surge o nome do repórter com sérios problemas. E a legenda diz “Amigo da Nadine”. Mui amigo! A reportagem mostra um técnico quase chorando (aparentemente não por pena do jornalismo da Globo) e volta pro apresentador engraçadinho, dizendo, rindo, que o repórter “não se controlou”, e desejando-lhe um feliz dia dos pais. É, porque esse é o tipo do cara que se reproduz, quando claramente deveria poupar-nos do legado da sua miséria (vide Idiocracy).
Olha, não é nem que a matéria seja um elogio à beleza de Nadine. Afinal, ela não está lá pra ser miss Santa Catarina ou Miss Bandeirinha. Alguém precisa avisar jornalista esportivo que não é o sonho de toda mulher sair na Playboy. Sei que é difícil acreditar, mas algumas querem ser reconhecidas por seu talento, por seu trabalho. Acontece que o trabalho de um bandeirinha e árbitro é ser o mais invisível possível, certo? Se eles aparecem demais, eles estão é atrapalhando o jogo, colocando-se na frente da bola, discutindo com jogadores, enfim, tudo aquilo que paralisa a partida. Portanto, uma bandeirinha de parar o trânsito, quero dizer, o jogo, é um empecilh
o. Até porque — sei que esta é uma mera suposição — alguns torcedores devem estar lá pra ver o jogo, não a bandeirinha. E, pasmem, alguns jogadores podem estar lá pra jogar, não pra ficar embasbacados apreciando uma loira, como se fosse a primeira e única que tivessem visto na vida.
Melhor sorte na próxima pauta, do...ci...nho.

Não pude acreditar que a matéria fosse isso tudo, e pedi pra Ju um link (aqui). E mon dieu, é tudo que a Ju falou e muito mais. Se eu não fosse uma pessoa prolixa, diria que fiquei sem palavras.
A reportagem no fundo está falando de um jogo entre Corinthians e Ceará (nem é citado), mas se ancora numa personage


O apresentador engraçadinho começa pedindo desculpas — não pelo machismo da reportagem que virá a seguir, mas pelo fato do repórter ter se desconcentrado porque “mal conseguiu parar de olhar pra bandeirinha”. Aí a narração diz que o que mais chamou a atenção no Pacaembu não foi o dia dos pais ou um golaço, mas uma bandeirinha. O resto da reportagem se esforça pra provar este ponto. Infelizmente, parece que ela só chamou a atenção dele. Essa era a pauta?
O repórter fala so


O repórter prossegue, agora brincando de indignado, querendo saber como Nadine “desfilava” (palavras dele — você nunca viu o andar de um bandeirinha homem ser descrito dessa forma, eu sei) diante do banco do Corinthians sem atrair um simples olhar. Como podem?! Eles não são homens? Como prestam mais atenção num reles jogo de futebol que num es...pe...tááá...cu...loo? E quando um jogador perde um gol, aí sim é que Nadine fica “invisível”, pro desa


But not for long. Logo o repórter encontra um jeito de resgatar sua pauta: “Só não dá pra dizer que a situação ficou feia porque vai ficar feia como? Olha como corre, graciosamente, em câmera lenta, a Na..di...ne. Ah, Na...di...ne, anota esse gol!” Certo. Ah, re...pór...ter, isso não é só um desrespeito às mulheres. É um desrespeito aos homens. Ver um homem adulto se comportar como um ser babão não é exatamente um elogio ao gênero (ou alguém me explica como esse homem incompetente com pensamento lento e fixo e dificuldade de fala é diferente do incapaz da Bombril?). Continua o infeliz: “Aliás, ela é séria, hein? Discutiu com o Titi, falou grosso...” Não se ouve a voz dela (lógico que não! Desde quando mulher decorativa precisa de voz?), mas a

Mas a reportagem segue querendo contradizer a pauta. Na hora do intervalo, é chance de “interagir” com Nadine. Eis que nosso intrépido repórter se aproxima de uma mulher compenetrada e faz a seguinte pergunta: “Você vem sempre aqui?” Ah, que meigo! Mulher bonita é pra ser cantada em qualquer lugar, seja no bar, no trabalho... E p


E eis que finalmente surge o nome do repórter com sérios problemas. E a legenda diz “Amigo da Nadine”. Mui amigo! A reportagem mostra um técnico quase chorando (aparentemente não por pena do jornalismo da Globo) e volta pro apresentador engraçadinho, dizendo, rindo, que o repórter “não se controlou”, e desejando-lhe um feliz dia dos pais. É, porque esse é o tipo do cara que se reproduz, quando claramente deveria poupar-nos do legado da sua miséria (vide Idiocracy).

Olha, não é nem que a matéria seja um elogio à beleza de Nadine. Afinal, ela não está lá pra ser miss Santa Catarina ou Miss Bandeirinha. Alguém precisa avisar jornalista esportivo que não é o sonho de toda mulher sair na Playboy. Sei que é difícil acreditar, mas algumas querem ser reconhecidas por seu talento, por seu trabalho. Acontece que o trabalho de um bandeirinha e árbitro é ser o mais invisível possível, certo? Se eles aparecem demais, eles estão é atrapalhando o jogo, colocando-se na frente da bola, discutindo com jogadores, enfim, tudo aquilo que paralisa a partida. Portanto, uma bandeirinha de parar o trânsito, quero dizer, o jogo, é um empecilh

Melhor sorte na próxima pauta, do...ci...nho.
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