Assim que vi o trailer de Histórias Cruzadas (em inglês, The Help), sabia que aquilo lá ia dar chabu. Percebi
de cara que a protagonista não era uma empregada negra do sul dos EUA nos anos 1960, e sim uma jovem branca que decide ajudar as negras, registrando suas vozes num livro. Depois vi a entrevista de uma professora, negra, no fabuloso Colbert Report (você pode ver a entrevista aqui, sem legendas, se bem que a decepção no olhar da professora já diz tudo). Depois de ver o filme, que estreia hoje no Brasil, descobri que negras americanas fizeram um site inteiro só pra basicamente falar mal dele. Aliás, se alguém encontrar alguma negra validando o filme, avise
, porque por enquanto tudo que li é unânime (em outros posts pretendo relatar o que elas dizem).
Desculpa, gente, mas sou macaca velha. Posso até gostar (muito!) de filmes que tenham o homem branco como salvador do oprimido povo de qualquer raça (por exemplo, adoro Dança com Lobos, Avatar, Mississippi em Chamas, até O Último Samurai), só que sei que é o tipo de filme feito pra 1) convocar o público liberal branco de classe média pra ver uma história edificante; 2) mostrar que o racismo existe mas que nem todos os brancos são malvados ou responsáveis pelo racismo –- por sinal, alguns são super bonzinhos; 3) aliviar a culpa branca. É possível se envolver
com um filme desses (quem não derrama uma catarata do Iguaçu quando o lobinho é assassinado em Dança?), e ainda assim manter uma visão crítica. E não sejamos hipócritas quanto as nossas boas intenções: a gente iria ver O Último Samurai se fosse filmado por japoneses e mostrasse o ponto de vista não de um ocidental bonitão que se transforma no melhor samurai ever, mas de um japonês que salva o próprio povo? Esse tipo de filme encontraria distribuição no mundo? Teria sido feito se não fosse com o Tom?
Apesar das críticas das americanas negras, Histórias Cruzadas está indo muito bem. Já tinha rendido 150 milhões de dólares antes das suas quatro indicações pro Oscar. O livro de Kathryn Stockett (q
ue em português chama-se A Resposta) já vendeu mais de 3 milhões de cópias. O livro é dedicado não à empregada negra que a autora disse que a inspirou, mas ao avô. Ao avô branco da autora branca, lógico.
Há duas capas. A americana tem três passarinhos, nada a ver com conflitos raciais. A britânica é de duas empregadas negras (sabemos que são empregadas por causa de seu uniforme) cuidando de uma bebê branca que é o centro do universo, ou, pelo menos, da diagramação da capa. E os dizeres: “Um livro que é como se fosse uma grande amiga sobre amor feminino que transcende raça e cor”. Tradução pra lá de capenga, eu sei, mas me diga se tem algo na capa que demonstre qualquer coisa transcendendo qualquer coisa?
Nem na capa, nem no filme. Eu acho engraçado ouvir @s fãs de Histórias diz
endo que ele é lindo e sensível quando, na realidade, ele é escatológico pacas. (Vem aí um meio spoiler). Posso não gostar nadinha de uma personagem, mas, honestamente, não desejo que ela tenha que comer torta de m****. Ahn, ficou ambíguo. Digamos, torta de cocô (acento tá no lugar certo? Não tô falando da fruta que não é de deus). Nem que ela seja constantemente bullied por causa disso. Nem que todo mundo morra de rir com sua desgraça. Eu, hein? Parece coisa de soldado americano que mija em cima de cadáver talibã. Não tem graça. Pelo contrário: é ultrajante.
Pode ser por esse subtexto escatológico nada sutil que não gostei nem um pouco da atuação de Octavia Spencer (Sete Vidas), indicada à atriz coadjuvante, junto com Jessica Chastain (Árvore da Vida),
que faz sua frágil patroa branca. Jessica está bem, mas Octavia me pareceu caricata, exagerada, o estereótipo da mammy (a famigerada figura da criada negra cheia de amor pra dar às crianças brancas de quem cuida. Veja E o Vento Levou, que, não por acaso, representa o primeiro Oscar dado a uma atriz negra, Hattie McDaniel, justamente pelo papel de mammy). Mas pra mim a mais fraca de todo o elenco é a heroína branca, Emma Stone (Zombieland, Superbad). E por mais que eu goste da Bryce Dallas Howard (
Crepúsculo: Eclipse, Manderlay, A Vila), que faz a vilã-mór, ela não deveria ter aceitado o papel, que é bem degradante. Aí sobre a Viola Davis (Dúvida, Longe do Paraíso), sempre uma excelente atriz. Mas sua personagem me pareceu um tanto vazia, sem desenvolvimento. Por que ela não pode escrever o livro? Ela é escritora. Não dá pra entender por que as negras confiam na protagonista. Suas motivações em contar as histórias pra uma mulher branca não ficam muito transparentes. E tampouco é convincente o que leva a protagonista a querer escrever sobre elas.
Os homens mal e
xistem nesse filme, pois as vilãs são mulheres. Todo o racismo da história dos EUA foi causado por mulheres brancas, não sabia? Pois é. Tem um marido branco que boceja e inventa uma desculpa pra sair dali assim que a empregada pede um empréstimo. Mas tem um outro marido gente boa pra compensar. A gente ouve falar que a Ku Klux Klan (provavelmente composta por mulheres) matou um negro. Compare qualquer marido/namorado branco no filme com o marido negro (que nunca aparece) de Minny. No livro, a personagem diz que muitos homens negros abandonam suas famílias. Pode até ser verdade, mas falar mal de homens negros num filme que faz dos homens brancos gente boa soa racista.
Há muitos pontos não resolvidos no filme. Uma empregada que precisa de dinheiro pra mandar os filhos pra faculdade é presa, acusada de roubar um anel. O que acontece com ela? Não sabemos. Nunca mais se fala nela. E todas as empregadas que quiçá sofram represálias de suas patroas após o livro ser publicado? O filme não se interessa nisso. Está mais concentrado em mostrar a tristeza de uma menina branca por perder sua mammy. Quantas imagens de garotinha chorando pela janela a gente precisa ver antes do cérebro ser comunicado “Estão querendo que eu chore?”. Uma? Duas? Nenhuma? Pois no filme são quatro. Eu contei.
Talvez Histórias Cruzadas tenha sua importância porque ele conta, aparentemente pra quem não sabia, que houve (por que o passado?) muito racismo nos EUA. Mas sabe o que seria mais legal? Deixar que essas mulheres negras contassem a história elas mesmas. E sim: infelizmente, numa Hollywood controlada por homens brancos, a palavra apropriada é mesmo deixar.


Desculpa, gente, mas sou macaca velha. Posso até gostar (muito!) de filmes que tenham o homem branco como salvador do oprimido povo de qualquer raça (por exemplo, adoro Dança com Lobos, Avatar, Mississippi em Chamas, até O Último Samurai), só que sei que é o tipo de filme feito pra 1) convocar o público liberal branco de classe média pra ver uma história edificante; 2) mostrar que o racismo existe mas que nem todos os brancos são malvados ou responsáveis pelo racismo –- por sinal, alguns são super bonzinhos; 3) aliviar a culpa branca. É possível se envolver



Há duas capas. A americana tem três passarinhos, nada a ver com conflitos raciais. A britânica é de duas empregadas negras (sabemos que são empregadas por causa de seu uniforme) cuidando de uma bebê branca que é o centro do universo, ou, pelo menos, da diagramação da capa. E os dizeres: “Um livro que é como se fosse uma grande amiga sobre amor feminino que transcende raça e cor”. Tradução pra lá de capenga, eu sei, mas me diga se tem algo na capa que demonstre qualquer coisa transcendendo qualquer coisa?
Nem na capa, nem no filme. Eu acho engraçado ouvir @s fãs de Histórias diz




Os homens mal e


Há muitos pontos não resolvidos no filme. Uma empregada que precisa de dinheiro pra mandar os filhos pra faculdade é presa, acusada de roubar um anel. O que acontece com ela? Não sabemos. Nunca mais se fala nela. E todas as empregadas que quiçá sofram represálias de suas patroas após o livro ser publicado? O filme não se interessa nisso. Está mais concentrado em mostrar a tristeza de uma menina branca por perder sua mammy. Quantas imagens de garotinha chorando pela janela a gente precisa ver antes do cérebro ser comunicado “Estão querendo que eu chore?”. Uma? Duas? Nenhuma? Pois no filme são quatro. Eu contei.

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