Friday, June 24, 2011

GUEST POST: A FEMINISTA QUE SAIU DO ARMÁRIO

Trabalho de Marina Abramovich gerando muitas interpretações

Recebi este email da Camila, de 25 anos, figurinista (para teatro principalmente) que mora em SP. Pedi autorização para publicá-lo, ela deixou, e taí. Olha só que belezura.

Lola, queria muito agradecer você e seu blog por me ajudarem a perceber e aceitar que eu sou mulher, que sou feminista e que não me encaixo nem pretendo caber na expectativa que o mundo tem das mulheres. Queria dividir com você um pouco do processo pelo qual estou passando nesse sentido.
Tenho certeza que minha educação por parte dos meus pais e meu ambiente familiar como um todo foram um tanto fora dos padrões. Minha liberdade sexual foi assegurada ainda na adolescência, e era meu pai quem comprava preservativos para todos na casa, sem nenhum tipo de controle (havia um pote enorme, situado entre os quartos dos filhos), e eu sempre pude dormir com meus namorados em casa, assim como meu irmão, e não tive que enfrentar nenhum tipo de discriminação quando eu não estava namorando e chegava em casa acompanhada por outra pessoa, o que não era nada frequente, diga-se. Eu tenho um irmão, ele é um ano mais velho, e as regras sempre foram as mesmas para os dois, e quando não eram, era briga na certa, com meu pai e meu irmão a meu favor.
Minha familia é um desses antros pequeno-burgueses, cheios de preconceitos, mas quando eu nasci o cenário já estava um tanto mudado por conta da revelação da homossexualidade de uma tia, a mais querida das filhas e a caçula da familia, e eu cresci num ambiente onde eu via com a mesma naturalidade meus pais juntos, minha tia com sua namorada, seus amigos gays namorando no quintal durante os churrascos, meus avós... Não tinha grilo, diferença, problema. Ninguém nunca teve que me explicar que existem diferentes orientações sexuais e que tudo bem. Na verdade o choque veio quando eu percebi o preconceito.
Mas o mundo ser machista não me afetou menos por isso, né? Na escola eu era chamada daqueles nomes super bacanas como "vaca" e "puta" porque tinha muitos amigos do sexo oposto, apesar de nunca ter ninguém da escola, justamente porque eles eram meus amigos.
E pra piorar, eu seria chamada de bonita sem muito esforço, mas detestava me sentir olhada, desejada, detestava e detesto me sentir um pedaço de carne nesse açougue que os homens montaram na rua com nossos corpos, mas principalmente porque a gente cresce ouvindo que não dá pra ser bonita e ter outros atributos, como inteligência, senso de humor, competência, coisas que valorizo demais em mim e nos outros. Aí, pra que eu pudesse ser outras coisas, eu passei muito tempo da minha vida sem saber o que eram minissaia, short, maquiagem. Sempre fui a "estranha", a "descolada", a "estilosa" para não ser reduzida à "gostosa". Só na terapia, e bem recentemente, é que fui sacar que cresci me escondendo.
A vantagem disso, na verdade, foi que eu criei uma imagem segura pra mim, onde os machinhos de plantão nunca se sentiram confortáveis por perto, nunca tiveram espaço e nunca se interessaram por mim. Namorei caras incríveis, que nunca sugeriram que meu corpo não me pertence, que nunca deram pitaco na minha roupa, que nunca ousaram me impedir de fazer as coisas que gosto, e hoje vivo com um cara lindo, compreensivo e amigo, que entende até quando eu quero usar maquiagem e não censura o tamanho das minhas saias, e que nunca esperou que eu lavasse a louça ou a roupa, a casa é dos dois, não é? O trabalho que ela dá também é.
Sempre fiquei profundamente indignada com a lógica de que mulher desacompanhada (mulher sem um homem do lado) é mulher disponível, sempre respondi com grosserias à altura às violências cotidianas que ouço nas ruas (e já quase apanhei por isso), sempre lutei pelo meu espaço no trabalho, em condições iguais às dos homens, mas só desconfiei das minhas tendências feministas quando durante a correção de uma prova aplicada aos meus alunos de 13 anos (eu fui professora de artes por dois anos) sobre leitura de imagem fotográfica, a turma quase inteira (e a maioria das garotas) interpretou uma foto que é de um trabalho delicadíssimo da Marina Abramovich [ver foto no começo do post] como uma cena de violência contra a mulher e ainda tentaram justificar a ação do suposto agressor. Eu fiquei louca de indignação com a naturalidade deles e delas e passei uma aula inteira discutindo com todos a questão da violência contra as mulheres, no sentido de tentar tirar aquela naturalidade do olhar da turma.
E aí entra seu blog e me faz sair do armário. E entender que tudo bem, mas vai dar trabalho eu ser outra coisa senão tudo o que esperam de mim. Não pretendo ser mãe esposa amante sexy linda bem sucedida dona de casa e profissional competente amante exemplar magra loira discreta pacifista submissa e feliz por satisfazer o marido em todas as suas necessidades. Eu pretendo ser muito, muito mais do que isso.

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