


Ela voltou à escola alguns dias depois. Lógico que todo mundo sabia. A princípio, boa parte dos alunos foi solidário com ela e ficou do seu lado. Mas, à medida em que detalhes eram espalhados (ela estava bêbada! Ela já tinha beijado duas pessoas naquela festa! Ela não se comportava como uma vítima de estupro deve se comportar!), a reação foi mudando. De repente ela passou a receber ameaças de morte. Uma criancinha chegou pra el
a e, do nada, a chamou de piranha. Uma carta anônima foi deixada pros seus pais, dizendo que ela era uma vagabunda sem moral que estava destruindo a vida dos jovens atletas. Colegas da escola pintaram o número da camisa de Rakheem no rosto pra protestar contra seu afastamento temporário. E Hillaire se mantinha forte a olhos públicos, embora chorasse toda noite no quarto.
Três meses depois, um júri determinou que não havia evidência suficiente para indiciar Rakheem ou qualquer um dos outros meninos prese
ntes, apesar de todas as testemunhas e de uma camisinha usada encontrada no local do crime.
Você já está com ânsia devido à toda a impunidade do caso? Isso não é nada. Sente-se. Respire fundo.
Histórias assim acontecem o tempo todo. A tragédia de Silsbee não é um caso isolado nem de estupro, nem de como toda uma comunidade toma partido do estuprador, não da vítima. Afinal, vivemos numa cultura de estupro. No ano passado, em outra cidadezinha do Texas, uma menina de 11 anos foi estuprada (gang-rap
ed) por dezoito jovens. É, você leu direito: 18. Alguns dos estupradores filmaram cenas do estupro com seus celulares e as divulgaram pela cidade. Uma reportagem do New York Times sobre o caso foi tão criticada que o jornal precisou se retratar. No artigo, o repórter enviado ao local deu ênfase a como as acusações estariam destruindo a cidade e o futuro dos jovens estupradores ― e nenhuma palavra sobre o futuro da vítima. O jornalista entrevistou habitantes que disseram que a menina já fazia sexo e
se vestia com roupas e maquiagem mais apropriadas para uma mulher de 20 anos. “Onde estava a mãe dela?”, perguntou um dos entrevistados. É. Eu avisei pra você respirar fundo.
Mas voltando a Silsbee, o que fez o caso ganhar repercussão internacional não foi nada disso que narrei até aqui, e que é perfeitamente banal quando se menciona estupro. O que o destaca dos demais é que Hillaire era uma cheerleader, uma líder de torcida. Ela já era antes do estupro e quis continuar sendo depois. Em Silsbee, como em tantas outras cidades americanas, o pessoal é fanático por esportes. Os estádios ficam lotados todo final de se
mana para ver os times locais. Não preciso nem dizer que os esportes que atraem público são masculinos, né? Uma das defesas informais de Rakheem afirmava que, devido a sua popularidade, ele não precisaria estuprar uma menina pra obter sexo. Esporte vira uma religião, e seus atletas viram deuses. Tanto que, mesmo num lugar racista como o Texas, Rakheem, negro, era idolatrado. E o que resta pras mulheres num esquema desses é vestir sainha e chacoalhar pompons. Torcer. 
A escola aconselhou Hillaire a se recolher, a não comer na cafeteria, a abandonar as atividades de cheerleader. Mas ela preferiu seguir vivendo e continuou torcendo. Rakheem não era apenas um talento do futebol americano, como também do basquete. Então, quatro meses depois do estupro, Rakheem teve que cobrar uma falta. E o grupo de torcedoras locais, Hillaire inclusa, teve que torcer por ele. O grito de guerra da torcida era “Two, four, six, eight, ten, come on, Rakheem, put it in” (“ponha pra dentro”). Hillaire achou que era um pouco demais to
rcer nominalmente pelo seu estuprador. Em silêncio, ela cruzou os braços e se sentou.
No próximo jogo em que o padrão se repetiu (cheerleaders gritando “Rakheem, ponha pra dentro”; Hillaire negando-se a torcer pelo estuprador), o técnico das líderes de torcida e o diretor da escola expulsaram a moça rebelde do estádio, na frente de todo mundo. E a avisaram que, se ela não torcesse igualmente por todos os membros do time, estava fora da equipe. E assim foi: Hillaire estava fora do time. Você já está passando mal? Aguente firme aí, que não acabou.
Ela e seus pais resolveram processar a escola, no que se transformou num caso de li
berdade de expressão. A garota teria o direito de não torcer por um dos jogadores, sendo parte da equipe de torcida? Duas cortes separadas decidiram que uma líder de torcida aceita voluntariamente ser uma porta-voz da instituição e, portanto, perde seu direito constitucional à liberdade de expressão. Uma corte federal em setembro de 2010 concordou com essas decisões, e multou a jovem em 45 mil dólares em despesas legais por ter entrado com um processo fútil.
Pronto. Agora sim você pode passar mal. Muito mal (aproveite para assinar a petição).
Enquanto isso, a tentativa de fazer justiça prosseguia. Só em novembro de 2009, mais de um ano após o estupro, um terceiro júri resolveu indiciar Rakheem. O c
olega dele, responsável por segurar Hillaire, foi poupado. Mais um ano se arrastou, e em setembro passado, Rakheem aceitou um acordo e se declarou culpado de um crime menor, agressão (assault), que é intencionalmente causar dano corporal a outra pessoa. Nem menção a estupro. Ele foi condenado a fazer aulas de controle da raiva e prestar serviços comunitários. Saindo da corte como um homem livre, ele ainda teve tempo pra declarar aos jornalistas que “foi tudo um mal-entendido” e que “não guarda mágoa da menina”.
Ah sim, Rakheem também teve que pagar fiança. Sabe quanto? 2,500 dólares. “A menina”, uma guerreira, no mesmo mês seria condenada a pagar 45 mil. Este é o valor da justiça: o estuprador paga 2,500 dólares. A estuprada, 45 mil.
No mundo inteiro há petições, abaixo-assinados, doações para ajudar a jovem. Mas, na pequena cidade de Silsbee, Texas, Hillaire segue sendo a vilã da história. Até quando?

Três meses depois, um júri determinou que não havia evidência suficiente para indiciar Rakheem ou qualquer um dos outros meninos prese

Você já está com ânsia devido à toda a impunidade do caso? Isso não é nada. Sente-se. Respire fundo.
Histórias assim acontecem o tempo todo. A tragédia de Silsbee não é um caso isolado nem de estupro, nem de como toda uma comunidade toma partido do estuprador, não da vítima. Afinal, vivemos numa cultura de estupro. No ano passado, em outra cidadezinha do Texas, uma menina de 11 anos foi estuprada (gang-rap


Mas voltando a Silsbee, o que fez o caso ganhar repercussão internacional não foi nada disso que narrei até aqui, e que é perfeitamente banal quando se menciona estupro. O que o destaca dos demais é que Hillaire era uma cheerleader, uma líder de torcida. Ela já era antes do estupro e quis continuar sendo depois. Em Silsbee, como em tantas outras cidades americanas, o pessoal é fanático por esportes. Os estádios ficam lotados todo final de se


A escola aconselhou Hillaire a se recolher, a não comer na cafeteria, a abandonar as atividades de cheerleader. Mas ela preferiu seguir vivendo e continuou torcendo. Rakheem não era apenas um talento do futebol americano, como também do basquete. Então, quatro meses depois do estupro, Rakheem teve que cobrar uma falta. E o grupo de torcedoras locais, Hillaire inclusa, teve que torcer por ele. O grito de guerra da torcida era “Two, four, six, eight, ten, come on, Rakheem, put it in” (“ponha pra dentro”). Hillaire achou que era um pouco demais to

No próximo jogo em que o padrão se repetiu (cheerleaders gritando “Rakheem, ponha pra dentro”; Hillaire negando-se a torcer pelo estuprador), o técnico das líderes de torcida e o diretor da escola expulsaram a moça rebelde do estádio, na frente de todo mundo. E a avisaram que, se ela não torcesse igualmente por todos os membros do time, estava fora da equipe. E assim foi: Hillaire estava fora do time. Você já está passando mal? Aguente firme aí, que não acabou.
Ela e seus pais resolveram processar a escola, no que se transformou num caso de li

Pronto. Agora sim você pode passar mal. Muito mal (aproveite para assinar a petição).
Enquanto isso, a tentativa de fazer justiça prosseguia. Só em novembro de 2009, mais de um ano após o estupro, um terceiro júri resolveu indiciar Rakheem. O c

Ah sim, Rakheem também teve que pagar fiança. Sabe quanto? 2,500 dólares. “A menina”, uma guerreira, no mesmo mês seria condenada a pagar 45 mil. Este é o valor da justiça: o estuprador paga 2,500 dólares. A estuprada, 45 mil.

No mundo inteiro há petições, abaixo-assinados, doações para ajudar a jovem. Mas, na pequena cidade de Silsbee, Texas, Hillaire segue sendo a vilã da história. Até quando?
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