Na sexta edição da Série "A Consagração do Instante" ocupam a cena os personagens do Sítio do Arara - universo ficcional criado por José Araripe Jr.
Araripe (ou Arara) atua em várias funções no campo do cinema, é também formado em artes plásticas com especialização em cinema pela UFBA. Foi diretor de arte de Superoutro(1988), média-metragem dirigido por Edgard Navarro. Dirigiu, dentre outros trabalhos, o premiado curta Mr. Abrakadabra! (1996).
É o arrebite do pixel na carcaça do chip.
Vazilix é cidadão e tatuou o cpf na língua
“Olho de vidro também tenho o meu. Ilusão de estar vendo cristais distorcendo a luz em segmentos. Temperaturas de cor e sensíveis mudanças nas faces: o sensor é capaz de turvar vistas, de manipular automaticamente imagens. A tela a te ver também. A fase do jogo já é outra, o panóptico é mais que a vigilância do estado sobre o rebelde que prega a anarquia e a subversão ameaçadora ao sistema. O grande irmão agora é pequeno - porque não dizer micro, nano - e está ao alcance dos dedos na percepção de qualquer contato. Trocando em graúdos, as espécimes que tilintam muito além do fim do arco-íris não estão necessariamente na tabela periódica do milagre dos átomos. Artificial, a inteligência que lhe auxilia na escolha inconsciente de desejos perpassa como um fluxo regular de luz e energia, equivalente ao oxigênio que respira ou a água que bebe, decompondo a química dos pensamentos, qual a dos alimentos; lá estão os observadores remotos a emitir comandos disfarçados de prazer.
Ao deitar na rede, no balanço de brisa o herói da solidão, o náufrago do mundo conectado não percebe que sobre sua cabeça, no ponto limite entre três coordenadas, há um olhar mais concreto que o do sr. Deus, lhe vendo secar ao sol. Em breve quando o tédio lhe consumir o fígado, já estará a cumprir mandatos de mergulhar em busca de um determinado peixe, o que beijará a outra face e lhe implantará uma escama sob as papilas, com o poder de sentir os sais contidos na água de côco e induzir outros flavores para a embriaguez ruminante de sua saliva."
Fica na moita pra sonhar.
Grounde é extrativista e aquece o imaginário do inverno.
"O que é tem dentro dessa caixinha, Titi? Não pode dizer...? Mas, pelo cheiro, imagino que seja o pêssego de ouro! Ontem quando você vinha flutuando pela neblina ouvi seus dentes tilintarem de frio; quis ser seu amigo Urso, porém temo lhe esmagar com sentimentos fortes.
Gosto quando busca mel e deixa um rastro por aí: de gota em gota adocico essa existência tediosa de quem ama o impossível. Talvez um lugar de fábulas; será que existe isso na sua caverna de humanos? Aqui nesta floresta ouço e vejo coisas que ninguém comenta, mas que todos participam: certas paisagens quando são habitadas por muitas naturezas diferentes se tornam mágicas em cada centímetro de sua escuridão: tem seres de luzes, de sons, de cascas e silêncios, que desafiam os sonhos das minhas profundas hibernações.
Hoje subiu por essas estradas em direção a sua morada, um masculino de sua espécie que cantava e vibrava um artefato de madeira e cipós: não entendi sua língua de trova, mas a melodia assobiava e deu pra acompanhar os movimentos no ar, se fazia igual para espécies de reinos distintos.
Este senhor, apesar de trazer um sorriso no rosto enquanto pronunciava sua alegria de afetos, logo teve que usar carranca e fazer das pernas asas para correr dos jardineiros, que não engoliram sua teoria de fazer um enxerto de gente e bicho.
Dei abrigo a ele, até que a paz voltasse; para agradecer me ensinou um truque de fechar os olhos e criar um canteiro de trocas.
Amanhã, quando você for molhar os girassóis, bem perto das maçãs de açúcar e neve de seu rosto, serei uma lagarta em branco, em desejos de borboleta, à espera de cores que possam me borrifar."
Hoje subiu por essas estradas em direção a sua morada, um masculino de sua espécie que cantava e vibrava um artefato de madeira e cipós: não entendi sua língua de trova, mas a melodia assobiava e deu pra acompanhar os movimentos no ar, se fazia igual para espécies de reinos distintos.
Este senhor, apesar de trazer um sorriso no rosto enquanto pronunciava sua alegria de afetos, logo teve que usar carranca e fazer das pernas asas para correr dos jardineiros, que não engoliram sua teoria de fazer um enxerto de gente e bicho.
Dei abrigo a ele, até que a paz voltasse; para agradecer me ensinou um truque de fechar os olhos e criar um canteiro de trocas.
Amanhã, quando você for molhar os girassóis, bem perto das maçãs de açúcar e neve de seu rosto, serei uma lagarta em branco, em desejos de borboleta, à espera de cores que possam me borrifar."
Pôs lantejoulas no fardão.
Tristão é um orador de amígdalas inflamadas.
“Uso essa casaca para me distinguir dos outros poetas. Entre os vestutos e sisudos senhores enfatiotados em negro, com grandes bolsos forrados com versos alexandrinos, e relógios cromados acorrentados no corpo, prefiro a de cor lilás que acende minha paleta de palavras, e faz do tempo um cúmplice ilusório, instrumento de implodir ouvidos.
E contra a cruz de prata que me apontam por emular os gregos em suas termas, ternas eternas, beijo nas faces para macular a academia. São tantos ferros torcidos e martelados para cercar de grades os luminares desta casa, na qual o filho pródigo que se abre em flor é convidado a bater asas. O que há de colibri em mim, há de proibir neles. A cadeira onde me sento é igual, de espaldar alto e peso secular, mas não lavo meus lábios com lavanda, e nem tinturo as rimas para soarem edulcorados. Todo o anil de meu verniz, exponho em varais de roupas bordadas de sangue e sexo.
- Cala-te! Que a arte é um grande candelabro de cristal e seu falsete pode pulverizar a glória de nossas matrizes francesas - me dizem.
Sou sim, Helena embarcada no cavalo de tróia para vencer os homens que sequestram a musa e a torturam com regras métricas e sinetes com rótulos.
Ah, os ismos! Os sismos que causo quando leio o manifesto do homem inculto e livre, abalam mais. Quando traio a língua mátria e a reciclo entre os mendigos, e ruminante regurgito aqui, o que trago do lúmpen; que colho nos prostíbulos, que espero nos cais, o que decalco dos infernos dos cortiços, das gravuras em peitos de marinheiros, dos anagramas de fogo marcado na pele dos lobos que devoram carneiros.
Expulso da casa dos imortais como serpente do éden, acendo uma última chama que me faz a tocha humana: em segundos seremos todos o sublime a devastar a carne, o ouro e o veludo deste palácio inútil. Das cinzas destes fósseis o vento seguido de chuva lavará pelo infinito do ar, ou via sarjeta na direção da água estragada do mar”.
- Cala-te! Que a arte é um grande candelabro de cristal e seu falsete pode pulverizar a glória de nossas matrizes francesas - me dizem.
Sou sim, Helena embarcada no cavalo de tróia para vencer os homens que sequestram a musa e a torturam com regras métricas e sinetes com rótulos.
Ah, os ismos! Os sismos que causo quando leio o manifesto do homem inculto e livre, abalam mais. Quando traio a língua mátria e a reciclo entre os mendigos, e ruminante regurgito aqui, o que trago do lúmpen; que colho nos prostíbulos, que espero nos cais, o que decalco dos infernos dos cortiços, das gravuras em peitos de marinheiros, dos anagramas de fogo marcado na pele dos lobos que devoram carneiros.
Expulso da casa dos imortais como serpente do éden, acendo uma última chama que me faz a tocha humana: em segundos seremos todos o sublime a devastar a carne, o ouro e o veludo deste palácio inútil. Das cinzas destes fósseis o vento seguido de chuva lavará pelo infinito do ar, ou via sarjeta na direção da água estragada do mar”.
É dono de seu próprio capô.
Jipe é andarilho equipado com jantes de liga leve.
“Pode um homem ser um automóvel? Voar é difícil, mas não é impossível. Um dia os braços serão asas, aí vou seguir o serpenteio dessas águas ao lado dos urubus.
Por enquanto gosto de ficar com os pés no chão: minhas alpercatas são os pneus e, graças ao bom Deus, eu posso ir e vir, sem engasgar ou bater biela.
Meus pés são os cavalos desta viatura; e ando por essas estradas de Ilhéus à Jequié sem temer a noite, o sereno, as chuvas, as carretas de cacau, as jamantas ou os malfeitores.
Tem gente que acha eu que sou um doidinho varrido, é criatura que ficou pra trás, dos tempos da carroça!
Gosto do meu som de motor e quando passo a meninada vem atrás de mim: uns invejosos me jogam pedras, mas não conseguem arranhar a minha lataria. Eu mudo de cor pra me disfarçar na paisagem que conheço como a palma da mão. Já quiserem me internar numa garagem triste e cheia de pessoas enguiçadas, mas arranquei de primeira pra seguir minha missão de viajar.
Gosto de beber vento, esse é meu combustível. Mas não ando por aí na imprudência da velocidade, nem atropelo ninguém. Só buzino pra alegrar o povo do Banco da Vitória e do Salobrinho. Meu trajeto mais feliz é o que faço seguindo as curvas do rio Cachoeira, e aprecio o quanto tudo é verde ao redor, e os desenhos das mirabolâncias que a água risca no tapete dos bem me quer, ao me ver passar.
Gosto de beber vento, esse é meu combustível. Mas não ando por aí na imprudência da velocidade, nem atropelo ninguém. Só buzino pra alegrar o povo do Banco da Vitória e do Salobrinho. Meu trajeto mais feliz é o que faço seguindo as curvas do rio Cachoeira, e aprecio o quanto tudo é verde ao redor, e os desenhos das mirabolâncias que a água risca no tapete dos bem me quer, ao me ver passar.
Já levei aqui na boléia passageiros ilustres: Aluvaiá cadê a jega? Marechal Jardineiro, Maria Mata Homem, Nozinho da bateria, e até Levita, o morto que nasceu de novo. Ontem precisei atravessar estas águas, mas como não sou anfíbio, fui de balsa - a danada não aguentou o peso da minha carroceria; acabei indo parar no fundão, bem na loca dos pitús e aprendi que o Céu é o limite, quando a correnteza lhe presenteia com uma ilha de baronesas.
Só alcancei a margem por conta de uma Iara, moça cuidadosa que me levou como uma trouxa, e enxugou minhas molhagens bem ali na fazenda Primavera, pertinho da Saudade.
Só alcancei a margem por conta de uma Iara, moça cuidadosa que me levou como uma trouxa, e enxugou minhas molhagens bem ali na fazenda Primavera, pertinho da Saudade.
Agora sou hidromático. Já tou zerinho, zerinho, e vou até Itabuna descarregar uns caranguejos e buscar umas jacas. Uma moles e outras duras.”
“Que danada de mania têm estes homens do cinema de ficar inventando arte para colocar uma arma na mão de cada um de seus personagens! Até as criaturas que chegam em veículos intergaláticos trazem seus parabeluns de chumbar o inimigo! Quem inventou a pistola foi o Western? Tudo bem que a arte imita a vida, ou pretensiosamente tenta o contrário.
E seu eu te contar que as primeiras fitas de Bufálo Bill foram protagonizadas pelo próprio? Câmeras lembram pistola, né? Houve até um dos antecessores do cinematógrafo que tinha o formato de espingarda e que a cada disparo uma foto era feita para obter seqüências tipo Muybridge.
É coincidência que o país que mais produz filmes de guerras seja justamente aquele que mais guerras protagoniza, e que também tem a maior produção bélica do mundo?
Conjuga a ausência na terceira pessoa.
Vanisso é catador de pedras brutas e acha tudo jóia.
“Essas vegetações corpóreas são heras que nos tomam. As formigas que moram no ouvido, sabem mais de nós; mesmo o limo que está na unhas, remota alguma liturgia de embates paripatéticos na antiga estrada real das colisões.
Pus mais um ôvo ontem, ao amanhecer: o sol estava junto com a lua numa caçarola de estanho.
Pus mais um ôvo ontem, ao amanhecer: o sol estava junto com a lua numa caçarola de estanho.
Codinome réptil, nem todos aceitam o jeito escâmico de me enrolar nas suas palavras minerosas. A fronte mina um suor de aceites, mas regam sua entrada no diálogo.
Pra que tanta jabuticabas nos olhos, se o vinho de lágrimas desta feita tem sabor de absinto, e anestesia o tato na busca do relêvo?
O que vemos em separado, une pra permitir outras profundidades estereoscópicas?
O que vemos em separado, une pra permitir outras profundidades estereoscópicas?
Viver junto como um fruta siamesa pode gerar filhos ácidos. A canção de nossos pés macerando as bagas das dívidas atravessa a madrugada. Os salmos que colocamos na banheira não relaxam os corpos fatigados de apostar milagres.
Na esquina paramos pra julgar alguns transeuntes como destituídos de histórias significativas. Colocamos sobre cada qual que a galeria expele um rótulo de Gigante e os vemos, em seguida, salvarem o mundo. São poucos para tanto.
Ligamos nossos sensores para que o ar nos embriague, está frio e a máquina vaporiza eucalipto, rum e cânfora, enleva os pensamentos contra geleiras em fogo: bebemos alguns afluentes dos subterrâneos e seguimos rio afora pra encontrar o mar, cada qual na sua cor; sumimos em pororocas e carregamos um caudal de insonias para dormitar na praia.
Na esquina paramos pra julgar alguns transeuntes como destituídos de histórias significativas. Colocamos sobre cada qual que a galeria expele um rótulo de Gigante e os vemos, em seguida, salvarem o mundo. São poucos para tanto.
Ligamos nossos sensores para que o ar nos embriague, está frio e a máquina vaporiza eucalipto, rum e cânfora, enleva os pensamentos contra geleiras em fogo: bebemos alguns afluentes dos subterrâneos e seguimos rio afora pra encontrar o mar, cada qual na sua cor; sumimos em pororocas e carregamos um caudal de insonias para dormitar na praia.
Que língua é essa que insisto em te descrever, se nem estás aqui, e o delírio é à seco, à frio e nem fere o papel, nem suja minhas mãos, apenas se incrusta num mundo paralelo de números disfarçados de palavras ?"
Está na mira do tiro.
Dogevalda é mestranda e estuda os efeitos da roleta na montanha russa.
“Que danada de mania têm estes homens do cinema de ficar inventando arte para colocar uma arma na mão de cada um de seus personagens! Até as criaturas que chegam em veículos intergaláticos trazem seus parabeluns de chumbar o inimigo! Quem inventou a pistola foi o Western? Tudo bem que a arte imita a vida, ou pretensiosamente tenta o contrário.
E seu eu te contar que as primeiras fitas de Bufálo Bill foram protagonizadas pelo próprio? Câmeras lembram pistola, né? Houve até um dos antecessores do cinematógrafo que tinha o formato de espingarda e que a cada disparo uma foto era feita para obter seqüências tipo Muybridge.
É coincidência que o país que mais produz filmes de guerras seja justamente aquele que mais guerras protagoniza, e que também tem a maior produção bélica do mundo?
Ok, que o badoque foi usado por Davi para golpear Golias, e antes que a fotografia existisse - assim como flechas, lanças, maças, aríetes; em tempos anteriores já existiam esses chineses com sua pólvora multiuso - festim diabólico que acerta o público-alvo em cheio. Artifícios ou mortifícios?
Acabo de chegar do velório de dois grande atores de nossa querida cidade Luanda - estavam filmando uma cena super discreta de um assalto a banco, nesse roteiro ainda há doze cenas de gente empunhando armas para conquistar/salvar/roubar/acertar pessoas, em explosões de catchup e fumaças diversas, e foi quando aconteceu o inesperado: uma patrulha que ia passando, desavisada, confundiu a fantasia com o real e coibiu o assalto com intervenção cirúrgica. Pum e Pabum. Dois ex-assaltantes e em decúbito dorsal.
Traumas à parte, o acidente não levou ninguém às grades, mas o filme foi finalizado e vai ser lançado com as cenas reais. Uma leve mexida no roteiro e pequenos acertos com os herdeiros; prevaleceu o amor à morte, quero dizer o amor à arte".
Acabo de chegar do velório de dois grande atores de nossa querida cidade Luanda - estavam filmando uma cena super discreta de um assalto a banco, nesse roteiro ainda há doze cenas de gente empunhando armas para conquistar/salvar/roubar/acertar pessoas, em explosões de catchup e fumaças diversas, e foi quando aconteceu o inesperado: uma patrulha que ia passando, desavisada, confundiu a fantasia com o real e coibiu o assalto com intervenção cirúrgica. Pum e Pabum. Dois ex-assaltantes e em decúbito dorsal.
Traumas à parte, o acidente não levou ninguém às grades, mas o filme foi finalizado e vai ser lançado com as cenas reais. Uma leve mexida no roteiro e pequenos acertos com os herdeiros; prevaleceu o amor à morte, quero dizer o amor à arte".
José Araripe Jr. Araripe, arara, 52, criador de casos. Desenha letras e escreve caricaturas. Captura imagens em movimento para devolvê-las no desfiar dos novelos. Diariamente ara leiras no sítio, e à sombra queima a moleira pra colher personas.
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