Odô Yá! O banho de azul que inunda Rio Vermelho movimenta o ori na confluência dos mistérios, na translucidez dos segredos e na resistência do axé.Quando água e terra se encontram, o corpo vai transluzir o transcendente e reinventar o mundo no ventre da mãe. Nada morre na praia enfeitada. Cada oferenda transporta a promessa do dia.Na terceira edição da Série “A Consagração do Instante” surge o encontro do fotógrafo Uran Rodrigues com o poeta Ricardo Dantas para celebrar a festa de iemanjá, que ocorre em Salvador – Bahia, na praia do Rio Vermelho, sempre no dia 02 de fevereiro.As fotografias de Uran Rodrigues compõem a exposição “Encanto”, de sua autoria. Os textos de Ricardo Dantas são inéditos e foram produzidos especialmente para este encontro.
Fotografia: Uran Rodrigues |
Marcas
Marcaram a pele - melanina africana,
de chibata e ferro.
Cerziram no corpo o totem ancestral
e logo surgiram liberdade
e memórias-rechilieu.
(Ricardo Dantas. Inédito)
Fotografia: Uran Rodrigues |
Poeminha musicado para Yemanjá
Ali, na beira do mar
tem duas barquinhas encantadas:
uma leva água-de-cheiro,
a outra, a grande Mãe d’Água.
Ali, na beira do mar
tem dois peixes de cor azul:
um contando histórias do mar,
o outro, parindo homens nus.
Ali, na beira do mar
tem as rendas de Yemanjá,
tem os filhos de Ogum
e as contas de Oxalá.
Tem meus olhos, ali, na beira do mar.
(Ricardo Dantas. Inédito)
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De onde é que me vem?
Nego sabido
veio de longe...de corpo fechado.
Segurava, forte, a mão entre os dedos.
Coseu história, firmou Candomblé,
bateu batuque, guardou o Axé:
- Silêncio, nada pode se perder!
Nego narrou histórias, camuflou segredos,
raspou Yaô, fez figa, mandinga, ebó, patuá
e nas horas inglórias cantou pra yoyô.
Nego sabido
despachou yoyô,
Nego sabido deu grito de vez,
lutou pela voz,
foi rei, foi herói,
fiou contra-egun
pra se proteger.
Nego manteve nas linhas das mãos
o corpo fechado
e os olhos abertos
nas terras de cá.
Nego olha,
chama nego, clama.
Nego banzo saúda a África
De dentro do mar.
(Ricardo Dantas. Inédito)
Fotografia: Uran Rodrigues |
Monodiálogo
“-Me dê licença, minha senhora, posso ajudar. Também sou feita no santo, filha de Yemanjá – Odô Yá!”.
Foi assim, que ali, dentro do mar, apareceu dona Laura, querendo agradar. O silêncio da mãe-de-santo era como se fosse um “sim”.
Foram flores e rosas, estrelas de crepom e glitter, fitas de cetim, alfazema, jasmim, vela azul, tudo enfeitando a barquinha.
Depois, era hora de “ajeitar” o barco na água e escrever os recados para a Dona do Mar. Ali, a palavra, antes silenciada, se perpetuava escrita diante da fé.
(Ricardo Dantas. Inédito)
Fotografia: Uran Rodrigues |
Meninos
Esse menino, vem cá!
Leva o presente
que eu trouxe pra Dona Yemanjá.
Deixa lá, na onda do mar.
Esse menino, “assussega” o coração!
Deixe que a água leve
um abraço pra Cosme,
seu irmão.
Êta, menino danado,
esse menino Damião...
Esse menino, vem cá!
(Ricardo Dantas. Inédito)
Ricardo Dantas é baiano e vive em Itabuna (BA). Arte-educador, pós-graduado em Educação e relações Étnicorraciais (UESC), em Alfabetização (UESC) e em Língua Portuguesa (Vassouras-RJ). Iniciado para Oxalufan no Ilê Axé Oyá Funké. Autor do livro “Lembranças de uma infância” (Itabuna: Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania - FICC, 2004), no qual se mostra como um escritor de cotidianos, de memórias, de palavras vivas e de simplicidades.
Blog de Ricardo Dantas:
http://www.construtordapalavra.blogspot.com/
Blog da ACAI – Associação do Culto Afro Itabunense (Ponto de Cultura):
Uran Rodrigues é baiano e reside em Salvador (BA). Fotógrafo formado pelo Instituto Casa da Fotografia. Pós- graduando em Jornalismo e Convergência Midiática pela Faculdade Social da Bahia. Graduado em Letras (UESC).
Conheça o trabalho de Uran Rodrigues:
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