Nesta segunda edição da Série "A consagração do Instante", novamente as aproximações entre Fotografia e Literatura. O diálogo Bahia-Pernambuco traz fotografias de Débora Ramos e produções literárias de Daniela Galdino.
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Fotografia: Débora Ramos |
Varanda de si
A mão que busca a garrafa perdida
Os pés que supõem ilhas distantes
Só encontram o alforje do tempo
Lambido pelas ondas da aurora
Inflado de espumas invisíveis
Escorrido pela praia da memória.
(Daniela Galdino. Inédito)
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Fotografia: Débora Ramos |
OBRA MANUAL
Lançar sementes
arar
adubar
afagar
o solo dos nossos pés
ou dos nossos corações.
Para enfim
colher e
comer
os frutos
da nossa
imaginação.
Eis um pacto
com a natureza.
(Daniela Galdino. In: Vinte poemas caleiDORcopicos. Itabuna: Via Litterarum, 2005)
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Fotografia: Débora Ramos |
No oco do dia
Manhã nascida sem novidade.
Na garganta do dia sufocado
prosseguem, sob silêncio,
fauna e flora da selva de pedra.
Das entranhas citadinas
Surge legião de embrutecidos:
Domésticas sem esperança
Invisíveis ambulantes
Putas sem expediente
Estudantes amuados
Operários sem vencimentos.
No milagre da argamassa
Na forja do aprazível
Faz-se o instante:
um mapa do Brasil escorre
pelass mãos dos trabalhadores.
pelass mãos dos trabalhadores.
(Daniela Galdino. Inédito)
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Fotografia: Débora Ramos |
Tecer
(para dona Joana e tantas outras fiandeiras)
Aprendeu a fazer crochê aos 8 anos. Ganhava o tempo observando a aranha na teia. Imitava o ramalhete dos mínimos movimentos. Graveto de algodoeiro era a sua agulha.
Manhã sim, manhã não, chorava pedindo:
“Mamãe, quando for limpar a casa, não tire as teias”.
Foi aluna aplicada na escola da paciência.
No “teiar” das aranhas floresceu a sua mocidade e madureza. No quintal ensolarado teceu renda de bilros, coloriu fuxicos, inventou ornamentações cotidianas.
Quantas sinfonias de linhas já teceram estas mãos? Quantas outras mãos trabalharam na execução de um concerto todo de brilhos feito?
Observar as suas rendas, os seus desenhos arabescos... é fazer da minha imaginação um trole vagaroso cortando os trilhos da memória.
Débora Ramos, natural de Garanhuns, Pernambuco, é uma cidadã do mundo. Vive entre o Brasil e a Alemanha. Faz as suas travessias pelo Atlântico com os pés no chão. Amante da música, do cinema, da literatura e da fotografia, é profundamente vinculada às expressões culturais populares pernambucanas.

Daniela Galdino, natural de Itabuna, Bahia, é uma "migrante pendular" convicta. Megalômana por opção, seu passatempo preferido é conferir grandiosidade para as coisas ínfimas. Poetisa e educadora, tem por ofício "assustar palavras".
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