Monday, July 11, 2011

PADRÕES QUE PREJUDICAM ATLETAS PARA POPULARIZAR O ESPORTE

Rosana do Brasil comemora gol contra a Austrália

Como você e boa parte do mundo não sabem, começou no final de junho e vai até 17 de julho o Mundial Feminino de Futebol, que se passa na Alemanha. É como uma Copa do Mundo de boleiras. O Brasil é uma das grandes seleções, sempre tem chance de medalha, e conta com a Marta, eleita a melhor jogadora do planeta pela quinta vez consecutiva, uma atleta de nível tão fantástico que poderia jogar tranquilamente na seleção masculina (embora essa seleção que paralisa o país a cada quatro anos não tenha a palavra masculina no nome, porque não precisa: masculino é o padrão desejável. Tipo assim: se, num supermercado, há uma placa para “desodorante” e outra para “desodorante pra mulheres”, a gente vai achar que a primeira placa se refere a desodorante pra quem? Isso funciona pra outras espécies do padrão dominante. Quando a gente fala de cor, só precisa citar se não estiver falando da cor branca. O neutro é branco, entende? O mesmo vale pra orientação sexual. A gente só precisa especificar se estiver se referindo ao que é fora do padrão. Você nunca teve de dizer “Eu vi um casal hétero na rua”, teve?).
Bom, quando o Mundial Feminino começou, admito que nem fiquei sabendo. Mas eu tava viajando! Qual é a sua desculpa? Ok, não é culpa individual de ninguém. O futebol feminino no Brasil é estigmatizado. Como é visto como um esporte masculino, as mulheres que o praticam só podem ser masculinas também, ou seja, na visão torpe do senso comum, lésbicas. Esse é um ponto. Mas é estigmatizado também porque futebol é esporte de pobre, e a classe média, que é quem determina o que é ou não de bom gosto, só gosta de pobre quando ela limpa a sua casa ou ele lava o seu carro. Futebol é um esporte barato. Tudo que se precisa é de uma bola. Então atrai aquela gente diferenciada, aquela pra qual a gente torce o nariz, balança a cabeça e diz: “Você pode tirar o pobre da favela, mas não pode tirar a favela do pobre”. A miséria fica impregnada na alma. E graças aos céus essa alma é visível, e a gente vê de longe, pela cor, pelo cabelo, que esse pessoal que corre atrás da bola não tem ascendência europeia. Ter ascendência africana? Coisa de pobre.
Na Copa do Mundo Padrão, ou seja, masculina, às vezes ocorrem listas de jogadores mais bonitos. Raramente são escolhidos atletas africanos ou asiáticos. Nossos jogadores, mestiços, são considerados feiosos. Sabe quem costuma ingressar nessas listas de beleza, né? O Kaká. Já reparou na cor dele?
Mas é diferente. Um jogador de futebol, ou de qualquer esporte, ser considerado atraente é um bônus. Talvez ele consiga mais contratos publicitários, mas sua carreira deslancha ou não pelo talento.
Já mulher tem de ser acima de tudo bonita, independente de sua profissão e da sua capacidade. E por “bonita” leia-se estar num certo padrão de idade, magreza e cor. Por um desses critérios, as jogadoras brasileiras são horrorosas. Lindas mesmo são as alemãs, que posaram nuas pra Playboy, ou um time de futebol feminino russo, o FC Rossiyanka, cujas atletas passaram a jogar não só de shortinho, mas de biquíni. Por quê? Ah, pra atrair público, óbvio. E os comentários no site onde saiu a matéria são deste nível: “Se fossem as brasileiras, nem peladas dava pra encarar. São verdadeiros canhões da 1° guerra”, ou “russas são lindas, brasileiras são barangas”. E isso vindo de homens brasileiros que negariam até a morte que são racistas. Eles só acham brancas divinas e negras e mestiças mocreias, ué. Gosto pessoal! Totalmente desvinculado do padrão imposto pela sociedade!
Mas olha só que fascinante: no mesmo futebol feminino em que alemãs, russas e nórdicas fazem sucesso e brasileiras desapontam (não pelo jogo, mas por sua aparência, que é, afinal, o que importa num desfile de futebol), as iranianas são proibidas de participar. É que a ditadura religiosa em que vivem exige que elas cubram cabelo, nuca, e outras partes do corpo. Para tanto, elas designaram um uniforme especial que cumprisse essa norma. Mas a FIFA considerou que aquilo equivalia a propagandear a fé, e as impediu de competir na maior vitrine do futebol feminino, as Olimpíadas do ano que vem, em Londres. Essa medida praticamente acabou com a categoria no Irã. Estranho, porque ano passado a FIFA deixou que a equipe juvenil iraniana participasse, desde que trocasse o hijab que cobre a cabeça por uma espécie de capuz mais firme.
Essa padronização por uma só forma de vestir (ocidental, que ignora prováveis imposições religiosas) pode levar a abusos, e não só no futebol. É público e notório que as roupas usadas por atletas mulheres e homens são bem diferentes ― as mulheres devem sempre mostrar mais pele ―, e nada tem a ver com o desempenho. Os dirigentes admitem: é pra fazer com que espectadores homens sejam atraídos para as competições. Pra isso vale tudo, desde impor que jogadoras de badminton substituam os shorts por saias (fica mais sexy), a forçar atletas do basquete a usar macaquinho justo (fica mais sexy ― opa, já falei?). E quem determina a roupa obviamente não são as envolvidas ― as que jogam ― mas os fabricantes das marcas e os cartolas (homens), que priorizam o interesse do público (masculino).
Essas imposições desgraçam a vida esportiva de atletas de várias religiões e modalidades. A israelense Naama Shafir, judia ortodoxa que faz parte da liga de basquete dos EUA, não pode disputar um campeonato europeu porque a federação não permite que ela use uma camiseta por baixo do uniforme sem mangas. Sua religião lhe obriga a cobrir os ombros, e sua federação lhe obriga a descobri-los.
Do jeito que a coisa anda, é capaz de não demorar muito para que todas as atletas de todos os esportes tenham de jogar de biquíni. Isso representaria o fim das modalidades esportivas em países com outras culturas, e uma condenação estética a atletas fora do padrão único de beleza branco, olhos claros e pernas longas. Mas ei, pense nas vantagens! Pelo menos mais gente vai saber que o Mundial Feminino de Futebol está sendo disputado!

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