Monday, September 19, 2011

ESTRANGEIROS NOTAM QUE BRASIL MUDOU. AVISEM OS BRASILEIROS

Foi um leitor no Twitter que, injuriado, me pediu pra ler a matéria da revista National Geographic. Como ela está em inglês, suponho que seja da edição internacional. A princípio, não entendi o título, que na realidade são dois: “Machisma” (que diabos é isso?) e “O Girl Power do Brasil”. Como assim, Girl Power? O artigo nem fala de meninas (girls), e sim de mulheres. Mas é até bem pesquisado, e o tema, a julgar pelo subtítulo (eu que traduzo), é “Como uma mistura de empoderamento feminino e novelas picantes ajudou a diminuir a taxa de fertilidade brasileira e alimentou sua economia vibrante”. Basicamente é sobre como houve uma mudança drástica na sociedade brasileira. Agora a média de filhos é de 1,9 por casal, menor que a americana.
Esqueceram de avisar os brasileiros. Sempre que a nossa classe média fala do subdesenvolvimento do país e de por que não vamos pra frente, joga a culpa nos brasileiros (geralmente nordestinos) que têm dez, quinze filhos. Esta obviamente é uma visão elitista, porque ninguém critica famílias ricas que querem ter um time de futebol. Já cansei de ver gente defendendo esterilização em massa para pobres.
Essa galera está mal informada em pelo menos três décadas. Não sabe, ou não crê, que o Brasil não é mais um país rural. Agora somos majoritariamente urbanos. Portanto, aquela prole numerosa que era útil no campo torna-se um estorvo nas grandes cidades, onde o custo de vida é alto. Em menos de duas gerações, de acordo com a reportagem, a média de filhos dos brasileiros foi de 2,36 para os atuais 1,9. Este é quase um crescimento negativo (ou seja, morre mais gente do que nasce), e, ao contrário do que pensa nossa classe média, isso não é necessariamente bom. Primeiro porque é uma questão de tempo para que sejamos ultrapassados no título da quinta maior população mundial. E uma das nossas forças, da atração que o Brasil exerce sobre os outros países, é justamente ser tão populoso (um número maior de consumidores). Segundo que ter crescimento negativo envelhece a população, o que acaba arrebentando um já frágil sistema de previdência.
Com esses dados nas mãos, e tentando entender porque levou 120 anos para a população declinar na Inglaterra, e aqui, levou 40, a pesquisadora Cynthia Gorney foi atrás de explicações. Fora a industrialização do país, a oferta de pílulas anticoncepcionais num país católico, mas católico relaxado (uma característica muito nossa — ninguém leva a religião menos a sério que a gente, exceto quando o papa vem visitar o maior país católico do planeta. Aí sim viramos todos apostólicos romanos), em que poucos acham pecado controlar a reprodução, um dos motivos pra nossa baixa taxa de fertilidade é que inúmeras mulheres foram esterilizadas. Muitas sem querer, o que é criminoso. Outras querendo, e pedindo pra que o médico engatasse uma cesárea (somos recordistas) com uma ligação de trompas.
Mas aí a pesquisadora entra num terreno movediço sobre a força das brasileiras. Lógico que eu, como feminista, adoro essa ideia. O problema é que o tom do artigo dá a entender que esse empoderamento das mulheres é algo negativo. A pesquisadora diz que, apesar do machismo e dos altos índices de violência doméstica, nós, ao contrário dos americanos, elegemos nossa primeira presidenta. Segundo um obstetra chileno que mora no Brasil há décadas, entrevistado pela reportagem, “A taxa de fertilidade declinou porque as mulheres decidiram que não queriam mais filhos. As mulheres brasileiras são muito fortes. Foi só elas decidirem”. É bom saber que a gente é forte, não?
Uma executiva de marketing do Rio consultada pelo artigo conta: “Nós mudamos tão rápido. Decobrimos que para muitas mulheres jovens, a primeira prioridade é a educação. A segunda é a profissão. E a terceira é ter filhos e um relacionamento estável”. Não sei quanto a você, mas eu considero fascinante ver uma revista estrangeira falando da nossa mudança de prioridades.
Só que a pesquisadora não parece achar bom que as brasileiras estejam querendo ter menos filhos para investir mais em cada um. E então ela fecha a reportagem (deixando aquela lenga lenga de novelas picantes sem explicação) com uma contradição. Ela senta com um grupo de meia dúzia de jovens executivas em SP. Depois de folhearem revistas para pais (ou melhor, mães) cheias de anúncios de produtos de luxo para bebês, o grupo conclui que não precisa daquilo e que quer uma vida mais simples. Pô, o que incomoda tanto a pesquisadora? Pelo que ela mesma escreveu, as brasileiras mudaram, sabem o que querem, e têm poder. Como isso é ruim?
Então eu quis saber o que incomodava o meu leitor, aquele que pediu pra que eu lesse o artigo. E fiquei pasma: ele estava revoltado com a reportagem porque ela ia contra o que ele ainda acreditava sobre o próprio país — que por aqui os pobres continuam tendo filhos às pencas. Para ele, era inaceitável que a pesquisadora não tivesse citado o caso de seu estado em particular, porque lá sim, ele tinha certeza, a situação era diferente. Expliquei pro rapaz que a pesquisadora fala da média de filhos no Brasil; logo, ela não tem que falar de cada estado. Tenho percebido que as pessoas têm dificuldade com essa palavrinha, média. Outro dia estava falando com alunos sobre média salarial no Brasil e eles começaram a falar que não é assim, que alguns ganham mais, outros menos, e eu respondi que era exatamente isso, estávamos falando da média. Pelo jeito é um conceito abstrato que as pessoas não aceitam muito bem, como vi por esse leitor, que queria porque queria que os resultados da reportagem se encaixassem na sua noção pré-concebida (e atrasada em três décadas).
Pois é, gente: mudamos. Adaptem seus pensamentos à nova realidade. E não temos o que temer: a realidade é amplamente positiva. Somos o país do futuro. Agora vai.

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