Outro dia, não sei se você lembra, escrevi sobre como o rosa virou código. Claro, não é só pela cor rosa que somos divididos em gêneros. Mas, quando estava escreven
do sobre o rosa (dentro de um avião), percebi que a comissária de bordo (aeromoça não se usa mais desde 1979), ao servir o lanche, perguntou pras crianças nos assentos em frente ao meu: “E você, bonequinha? E você, garotão, vai querer o quê?” Como é comum isso, né? Meninas recebem diminutivos e um tratamento que remete ao passivo, ao decorativo. Os pais talvez se irritassem com a comissária se ela usasse o mesmo tratamento pro menino: “E aí, bonequinho?” Pois é, vivemos num mundo em que bonequinha é elogio pra menina, e insulto pra menino. De todo modo, duvido que a comissária ultramaquiada (ossos do ofício, suponho) sequer pense em
igualar o tratamento. Afinal, ela trabalha numa das áreas mais generizadas (gendered, separadas por gênero feminino/masculino) que existe. Num avião, mulheres são comissárias, homens são pilotos (não vou nem entrar na questão da enorme diferença salarial que existe entre uma profissão comumente ocupada por mulheres e outra comumente ocupada por homens). Como 81% d@s comissári@s são mulheres, os poucos comissários de bordo que existem levam a fama de serem pouco masculinos, ou seja, no pensamento normativo da sociedade, gays. (Não encontrei a estatística apontando quantos pilotos são ho
mens. Mas, pra se ter uma ideia, só em 1973 uma mulher começou a pilotar um avião comercial nos EUA).
Até a década de 70, comissárias (então chamadas de aeromoças, um termo machista), assim como misses, só podiam ser solteiras, e eram demitidas, forçadas a se aposentar, ou transferidas pra algum serviço no chão (não nas alturas) quando chegavam aos 32, 35 anos. Elas haviam, afinal, passado de uma idade “desejável” (pra mulheres, óbvio. Homens com cabelo grisalho são sexy, certo?). Algumas leis derrubaram essa flagrante discriminação por gênero, mas pense bem: quantas comissárias de meia idade a gente costuma ver hoje? O que acontece com elas? Deve ser o mesmo que acontece com as âncoras e apresentadoras de noticiários depois que deixam de aparentar seus (no máximo) quarenta anos: elas são
tiradas da frente das câmeras e vão trabalhar nos bastidores. Eu sonho com o dia em que a Fátima Bernardes comece a se parecer com o Cid Moreira... e continue trabalhando.
P.S.: Em 2003 escrevi uma crítica sobre a péssima comédia romântica Voando Alto (com Gwyneth Paltrow) que me tornou persona non grata entre as comissárias de bordo durante um tempão. Agora já acho seguro voltar a sentar na janelinha.
Anúncio de companhia aérea: "Explore os quintais da Malásia". Um dos inúmeros exemplos de como as empresas sexualizam comissárias de bordo... até hoje. Não é coincidência que uma das profissões mais generizadas que existem também seja uma das mais transformadas em fantasia sexual masculina.



Até a década de 70, comissárias (então chamadas de aeromoças, um termo machista), assim como misses, só podiam ser solteiras, e eram demitidas, forçadas a se aposentar, ou transferidas pra algum serviço no chão (não nas alturas) quando chegavam aos 32, 35 anos. Elas haviam, afinal, passado de uma idade “desejável” (pra mulheres, óbvio. Homens com cabelo grisalho são sexy, certo?). Algumas leis derrubaram essa flagrante discriminação por gênero, mas pense bem: quantas comissárias de meia idade a gente costuma ver hoje? O que acontece com elas? Deve ser o mesmo que acontece com as âncoras e apresentadoras de noticiários depois que deixam de aparentar seus (no máximo) quarenta anos: elas são

P.S.: Em 2003 escrevi uma crítica sobre a péssima comédia romântica Voando Alto (com Gwyneth Paltrow) que me tornou persona non grata entre as comissárias de bordo durante um tempão. Agora já acho seguro voltar a sentar na janelinha.

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