Pouca gente hoje ainda fala no Sam Peckinpah, violento diretor americano que fez sucesso nos anos 60 e 70.
Ele adorava filmar cenas sangrentas em câmera lenta. Ok, Meu Ódio Será sua Herança (1969) é um clássico, e talvez, em menor escala, Os Implacáveis e até Comboio. Mas Peckinpah, morto em 84, certamente não manteve seu status cult. Eu até gosto da sua obra, se bem que boa parte dela seja reaça, quase fascista.
Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, 1971) é um deles (trailer aqui; não confundir o título com Sob o Domínio do Mal). Assim como Vestida para Matar, de outro machista contumaz, Brian de Palma, Sob (vou abreviá-lo assim) é um dos filmes mais misóginos que tive o prazer de ver. É, lamento dizer, prazer, pois Sob é uma produção eficaz, q
ue prende a atenção, e que é um dos marcos da violência nas telas da década de 70. Só que tem uma ideologia muito, muito torpe. Ele foi lançado no mesmo mês que outros dois filmes ultraviolentos, Dirty Harry e Laranja Mecânica. Tanto que a manchete de uma revista semanal americana, referindo-se ao trio, dizia “Feliz Natal ― pow!”. Hoje, quase quarenta anos depois, os outros dois estão mais vivos que Sob.
A história é de um jovem casal, feito por David (Dustin Hoffman, já um astro na época por conta de A Primeira Noite de um Homem e Perdidos na Noite) e Amy (Susan George, então desconhecida e que, depois de famosa, não estreou nada realmente digno de n
ota). David é um matemático que, para deixar pra trás as revoltas universitárias nos EUA, vai com sua mulher pra cidadezinha natal dela, na Inglaterra. A primeira vez que vemos Amy vemos apenas seus seios. Sério, a câmera enfoca os seios cobertos por uma blusa, aparentemente sem sutiã (David ordena que ela coloque um sutiã, caso contrário os homens ficarão olhando pra ela). Mais tarde a veremos n
ua. Amy já começa levando pra casa uma armadilha de caça que chama-se “mantrap”, literalmente, armadilha pra homens.
David, entretido com seus cálculos matemáticos, não dá a menor bola a Amy, que parece não ter outra ocupação além de "testar" os rapazes. Ela ergue a saia pra um grupo (um deles seu ex-namorado), toca neles de leve, mostra seus seios ― uma legítima cockteaser (in
sulto pra mulheres que brincam com o pênis alheio, sem intenção de usá-lo). Todos prestam atenção nela, menos David, que tem diálogos infantis (mas reveladores!) com ela. Tipo, ele a chama de criança e animal. Como os rapazes vivem fazendo gracinhas uns com outros sobre transar com animais (ovelhas), e como David a chama de animal, a correlação é óbvia. Ele pergunta pra ela: “Esta é a poltrona do papai?”, e ela responde: “Todas as poltronas são do papai”. Pô, não precisava nem falar!
Tentando se entrosar com os rapazes, David é convidado por eles para ir caçar. Eles o levam até o meio do mato e o abandonam lá durante horas. Enquanto isso, voltam pra casa. Amy está lá. Quando o ex dela a agarra, primeiro ela tenta lutar. Ele bate
nela, feio. Enquanto é estuprada por ele no sofá (do papai?), vemos que ela gosta! Até pede pra que ele a abrace (veja a cena gráfica aqui, para maiores de 18 anos). Mas um outro amigo também quer estuprá-la. O ex, o primeiro estuprador, a segura, e fica indignado ao notar que ela gosta do segundo. Ele pensava que ela só gostava de ser estuprada por ele, entende? Não conhece o Pecki
npah, tolinho. Se houvesse mais carinhas, ela também gostaria ― porque é um animal. Após seu estupro, a cena seguinte é com ela numa cama, fumando um cigarro. Sabe a típica cena pós-coito? Pessoa na cama fumando um cigarro? É essa. Como ela mesma não dá queixa ou conta sobre o estupro pra ninguém, o filme deixa claro que não foi estupro. Ela que pediu. E até gostou! Ainda veremos as cenas de estupro muitas vezes, em flashbacks. Num deles, crianças brincam com línguas-de-sogra, imitando símbolos fálicos.
Praticamente só há d
uas mulheres no filme. A outra é uma moça mais jovem, também loira, que tem uma queda por David. Como ele mal a nota, a menina vai mexer com um grandalhão com problemas mentais, que está lá quieto no seu canto. É ela, outra cockteaser, que o beija e o agarra. Quando o pai da garota passa a procurá-la, com uns amigos bêbados (os mesmos que estupraram Amy), o grandalhão se desespera e, sem querer, asfixia a menina, o que é previsível, de Frankenstein a Ratos e Homens.
Acidentalmente, David atropela o grandalhão e o leva até sua casa. O pessoal descobre que ele está lá e quer linchá-lo. É aí que começa o amadurecimento de David. Ele avisa Amy: “Esse assunto é meu”, e só falta uma legenda piscar na tela dizendo “Agora você é um homem!”. O f
ilme vira uma defesa desenfreada da propriedade privada. Agora é a vez da casa ser violada por machos enfurecidos que jogam tijolos, paus, ratos vivos e fogo dentro dela (não preciso explicar o que realmente está sendo violentado mais uma vez, preciso?). Amy, insensível, egoísta e, lógico, histérica, quer que David entregue o grandalhão pra eles. Mas David se importa. Ele liga. Ele sim é moralmente superior. Portanto, ele a manda o tempo todo ficar quieta, calar a boca, ir pro seu quarto. Q
uando o grandalhão se enerva e bate em Amy, David é carinhoso com ele. E logo em seguida David também bate em Amy ― ele é o quarto homem no filme a bater nela. A câmera repete o ângulo de como o primeiro estuprador puxa o cabelo e esbofeteia o rosto de Amy.
No final, depois que todos os inimigos estão mortos (e todas as cenas contêm a violência estilizada do Peckinpah, com sangue em câmera lenta), David abandona Amy na casa e parte no carro com o grandalhão, sem saber para onde estão indo. Sorri pra ele, provando que um homem só pode mesmo ser amigo de um outro homem. Nunca de uma mulher, aquelas víboras.
Parece machista pra v
ocê? Pois é. O extraordinário é que, durante décadas, a maioria dos críticos homens relevou tudo isso. Eles nem acharam o filme machista. Acham apenas violento, mas não contra as mulheres. Tal qual Caio Blinder e seus amiguinhos do Manhattan Connection não viram nada de mais em chamar mulheres árabes de piranhas, os homens não se incomodaram com Sob. Foram as críticas feministas que gritaram “Opa, aqui tem misoginia saindo pelo ladrão!”.
Uma refilmagem de Sob vem se arrasando já faz uns anos, e vai ser interessante acompanhar se a misoginia do original será atenuada. O remake ia ser com Edward Norton no papel principal, mas parece que será lançado no final do ano, com James Marsden, a gracinha de X-Men e Encantada, e Kate Bosworth, de Superman - O Retorno e Quebrando a Banca, como o casal em apuros. Quer dizer, uma parte do casal muito mais em apuros que a outra.

Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, 1971) é um deles (trailer aqui; não confundir o título com Sob o Domínio do Mal). Assim como Vestida para Matar, de outro machista contumaz, Brian de Palma, Sob (vou abreviá-lo assim) é um dos filmes mais misóginos que tive o prazer de ver. É, lamento dizer, prazer, pois Sob é uma produção eficaz, q




David, entretido com seus cálculos matemáticos, não dá a menor bola a Amy, que parece não ter outra ocupação além de "testar" os rapazes. Ela ergue a saia pra um grupo (um deles seu ex-namorado), toca neles de leve, mostra seus seios ― uma legítima cockteaser (in




Praticamente só há d




No final, depois que todos os inimigos estão mortos (e todas as cenas contêm a violência estilizada do Peckinpah, com sangue em câmera lenta), David abandona Amy na casa e parte no carro com o grandalhão, sem saber para onde estão indo. Sorri pra ele, provando que um homem só pode mesmo ser amigo de um outro homem. Nunca de uma mulher, aquelas víboras.
Parece machista pra v


No comments:
Post a Comment