

A meu ver, a questão das empregadas domésticas é o calcanhar de Aquiles do feminismo nos países em desenvolvimento. Muitas feministas, como eu, são de classe média. Mas têm empregada e defendem com unhas e dentes o seu privilégio (que mal veem como privilégio) de ter em
pregada. É uma das ocasiões em que a defesa de classe (média) fala mais alto que a defesa das mulheres. Toda vez que publiquei algum texto cutucando essa ferida constatei que ser de classe média é mais importante, pra tanta gente, do que as lutas das minorias. E lógico que as pessoas que aparecem aqui pra dizer como pagam e tratam bem sua empregada doméstica devem desconhecer a estatística de que apenas 26% d@s empregador@s cumprem as leis trabalhistas. A julgar pelo maravilhoso mundo da classe média, empregadas domésticas têm um emprego de sonho. Quem não seria empregada se pudesse?
Como ontem foi o Dia Nacional das Trabalhadoras Domésticas, pedi pra Niara, jornalista que tem o ótimo blog Pimenta com Limão e que já nos brindou com um comovente guest post sobre seu f
ilho, que escrevesse sobre o assunto. Apesar de Niara ter condições de contratar uma empregada, ela crê que seu feminismo e sua sede por justiça social devem ficar acima do seu privilégio de classe. Eu acredito nisso também, e tento viver de acordo com minhas convicções. Se sou contra a exploração dos pobres pelas classes abastadas, de negros por brancos, de mulheres por homens, também tenho que ser contra a exploração de mulheres pobres por mulheres de classe média. Ah, e isso não isenta, de forma alguma, os maridos de classe média. Dizer que contratar empregada é um assunto de mulheres é uma das formas de desvalorizar o trabalho doméstico e de perpetuar a divisão do trabalho. Não adianta fingir que não é com vocês, não. A Niara explica isso muito bem a seguir.
Antes d
e começar a falar sobre o trabalho doméstico vou levantar algumas premissas que norteiam meu pensamento e, portanto, meu raciocínio para poder analisar o trabalho doméstico como é realizado hoje.
O surgimento do patriarcado e da opressão de gênero se deu no momento em que os grupos sociais deixaram de ser nômades e o trabalho passou a ser dividido sexualmente. Até então a humanidade se organizava em grupos matricêntricos (não matriarcais). As mulheres precisavam ficar mais próximas de sua prole e coube-lhes o trabalho no âmbito doméstico, privado, a coleta de frutas e a criação de pequenos animais. Aos homens, em função da força física, coube a caça, o trabalho pesado da agricultura que logo se desenvolveria e a criação de animais maiores. Mas o fator decisivo na opressão de gênero ocorreu quando o homem descobriu seu papel na reprodução humana, até então desconhecido.
Está claro que o fato da humanidade deixar de ser nômade, a divisão sexual do trabalho e a descoberta do homem de sua função na procriação foram fundamentais para o surgimento da propriedade privada juntamente com o controle sexual da mulher. Afinal os homens, agora machos provedores, precisavam ter certeza de sua descendência para garantir a herança de seus bens.
Conhecer a nossa história nos ajuda a entender os meandros de nossa opressão. Mas claro que a humanidade evoluiu, se modernizou, vieram os meios de produção, o acúmulo do capital ― que advém do trabalho,
é sempre bom lembrar ― e as mulheres sempre ali, no seu mundinho privado, exceto pelas chamadas pioneiras e revolucionárias que nunca se importaram com rótulos ou com quão árdua fosse a luta desde que não ficassem numa situação de submissão ad eternum.
Mas assim como o surgimento da opressão de classe se confunde com a opressão de gênero e se sustenta nela, a luta das mulheres por sua libertação também. Se por um lado a violência sexista é ampla e democrática, no restante da vida a opressão de gênero é infinitamente mais leve para as mulheres burguesas. Enquanto as operárias trabalhavam na fábrica e ao chegar em casa precisavam dar conta do trabalho doméstico ― já que a divisão sexual permanece ―, as mulheres burguesas contam com o auxílio de outras mulheres que iam fazer o "seu" trabalho.
Estou colocando dessa forma para explicitar que a origem do problema está na divisão sexual do trabalho, uma vez que nós mulheres conquistamos o direito ao trabalho no espaço público mas não conseguimos dividir o trabalho no espaço doméstico.
É nítido onde quero chegar. Ter uma empregada doméstica ― posto ocupado em sua quase totalidade por mulheres e em sua ampla maioria por mulheres negras ― é coisa da burguesia. E essa nossa classe média, que não se cansa de assimilar valores burgueses e imitar seus costumes, no primeiro degrau de ascensão social, na primeira oportunidade contrata logo uma empregada doméstica. É status social.
Cômodo, não? Para se livrar do "dever" do trabalho doméstico que não é dividido igualitariamente entre os habitantes de uma casa, a mulher que ascende socialmente trata logo de explorar o trabalho de outra mulher em clara desvantagem social para limpar a sujeira produzida por ela e pelos habitantes de sua casa. Nada mais grotesco e senso comum. Sem falar na opressão racial diretamente embutida nesta relação e na sua origem escravagista.
Costumo dizer "E
u limpo minha sujeira" para salientar que precisamos é discutir a divisão sexual do trabalho. Eu, enquanto feminista, preciso aprender a negociar a divisão do trabalho doméstico com minha família e os habitantes da minha casa. Porque explorar o trabalho de uma mulher em clara desvantagem social e racial não é solução. Assim como defender meus privilégios classemedianos pequeno burgueses não me isenta da cumplicidade e participação ativa na opressão dessas mulheres.
É tão tosco manter alguém para limpar a sujeira produzida por outros que daqui a pouco organizarei protestos com o mote "LIBERTE SUA EMPREGADA DOMÉSTICA!". Grotesco por grotesco, fico com a luta por justiça.
Valorizar o trabalho doméstico, dignificá-lo, passa justamente por assumi-lo. Para a legião de burguesas, pequeno burguesas e classemedianas que reagirão a esse texto com uma vontade súbita de se tornarem faxineiras, digo: Se limpar a sujeira da TUA CASA é tão digno assim, FAÇA VOCÊ MESMA! Está pesado, difícil, não tem tempo? A modernidade e a tua falta de habilidade em negociar o trabalho doméstico com tua família não pode servir de desculpa para a exploração de outra pessoa, principalmente de outra mulher. Seja feminista, oras! Lute pela tua libertação e pela libertação daquelas que ainda não adquiriram consciência de gênero.

Como ontem foi o Dia Nacional das Trabalhadoras Domésticas, pedi pra Niara, jornalista que tem o ótimo blog Pimenta com Limão e que já nos brindou com um comovente guest post sobre seu f

Antes d

O surgimento do patriarcado e da opressão de gênero se deu no momento em que os grupos sociais deixaram de ser nômades e o trabalho passou a ser dividido sexualmente. Até então a humanidade se organizava em grupos matricêntricos (não matriarcais). As mulheres precisavam ficar mais próximas de sua prole e coube-lhes o trabalho no âmbito doméstico, privado, a coleta de frutas e a criação de pequenos animais. Aos homens, em função da força física, coube a caça, o trabalho pesado da agricultura que logo se desenvolveria e a criação de animais maiores. Mas o fator decisivo na opressão de gênero ocorreu quando o homem descobriu seu papel na reprodução humana, até então desconhecido.

Está claro que o fato da humanidade deixar de ser nômade, a divisão sexual do trabalho e a descoberta do homem de sua função na procriação foram fundamentais para o surgimento da propriedade privada juntamente com o controle sexual da mulher. Afinal os homens, agora machos provedores, precisavam ter certeza de sua descendência para garantir a herança de seus bens.
Conhecer a nossa história nos ajuda a entender os meandros de nossa opressão. Mas claro que a humanidade evoluiu, se modernizou, vieram os meios de produção, o acúmulo do capital ― que advém do trabalho,

Mas assim como o surgimento da opressão de classe se confunde com a opressão de gênero e se sustenta nela, a luta das mulheres por sua libertação também. Se por um lado a violência sexista é ampla e democrática, no restante da vida a opressão de gênero é infinitamente mais leve para as mulheres burguesas. Enquanto as operárias trabalhavam na fábrica e ao chegar em casa precisavam dar conta do trabalho doméstico ― já que a divisão sexual permanece ―, as mulheres burguesas contam com o auxílio de outras mulheres que iam fazer o "seu" trabalho.
Estou colocando dessa forma para explicitar que a origem do problema está na divisão sexual do trabalho, uma vez que nós mulheres conquistamos o direito ao trabalho no espaço público mas não conseguimos dividir o trabalho no espaço doméstico.

É nítido onde quero chegar. Ter uma empregada doméstica ― posto ocupado em sua quase totalidade por mulheres e em sua ampla maioria por mulheres negras ― é coisa da burguesia. E essa nossa classe média, que não se cansa de assimilar valores burgueses e imitar seus costumes, no primeiro degrau de ascensão social, na primeira oportunidade contrata logo uma empregada doméstica. É status social.
Cômodo, não? Para se livrar do "dever" do trabalho doméstico que não é dividido igualitariamente entre os habitantes de uma casa, a mulher que ascende socialmente trata logo de explorar o trabalho de outra mulher em clara desvantagem social para limpar a sujeira produzida por ela e pelos habitantes de sua casa. Nada mais grotesco e senso comum. Sem falar na opressão racial diretamente embutida nesta relação e na sua origem escravagista.
Costumo dizer "E

É tão tosco manter alguém para limpar a sujeira produzida por outros que daqui a pouco organizarei protestos com o mote "LIBERTE SUA EMPREGADA DOMÉSTICA!". Grotesco por grotesco, fico com a luta por justiça.

Valorizar o trabalho doméstico, dignificá-lo, passa justamente por assumi-lo. Para a legião de burguesas, pequeno burguesas e classemedianas que reagirão a esse texto com uma vontade súbita de se tornarem faxineiras, digo: Se limpar a sujeira da TUA CASA é tão digno assim, FAÇA VOCÊ MESMA! Está pesado, difícil, não tem tempo? A modernidade e a tua falta de habilidade em negociar o trabalho doméstico com tua família não pode servir de desculpa para a exploração de outra pessoa, principalmente de outra mulher. Seja feminista, oras! Lute pela tua libertação e pela libertação daquelas que ainda não adquiriram consciência de gênero.
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