Saturday, October 22, 2011

GUEST POST: E QUANDO UM AMIGO DEFENDE O INDEFENSÁVEL?

Faz uma semana, uma leitora querida chamada Hellen, que mora em Mariana, MG, me enviou o email abaixo (que eu pedi para publicar e ela autorizou). Ele me fez pensar em vários pontos: primeiro, em como podemos reagir quando um amigo nosso fala um monte de besteiras. Segundo, se os jovens são mais tolerantes que o pessoal de outras faixas etárias. Já ouvi gente falando que o problema está em pessoas da minha geração pra cima, e que quando nós de 40, 50, 60 anos morressemos, aí sim teríamos um mundo sem preconceitos. Eu adoraria acreditar nisso, mas a gente sabe que não é verdade. O terceiro ponto é que eu estava lendo uma Caros Amigos (não me lembro do mês), e nela tinha uma reportagem sobre universidades feitas para pessoas ligadas ao Movimento Sem Terra. Nessas universidades, iniciadas pelo governo Lula, as pessoas aprendem coisas mais específicas, mais ligadas a sua vivência no campo e a sua luta. Parece totalmente legítimo pra mim que advogados formados nesses cursos serão advogados, juízes e promotores que defenderão os trabalhadores, e não seus patrões. Que a ambição desses advogados não estará em ficar rico defendendo, sei lá, o Rafinha e o CQC. Que eles tenham sonhos diferentes. Mas várias reportagens da imprensa tradicional (sempre alinhada com a direita) condenam a existência dessas universidades e da formação desses profissionais. A Caros Amigos cita um editorial impressionante do Estadão que questiona: oh meu deus, e se esses advogados virarem juízes, já imaginaram o horror? Eles trarão seus próprios valores e ideologias pro tribunal! Só rindo, né? Quem escreve isso realmente acredita que os juízes de sempre são tábulas rasas? Que só gente do MST têm ideologia? Que o filhinho de papai que faz Direito porque a família quis assim e depois passa num concurso e vira juiz pra ganhar bem não trará seus valores pro tribunal?
Viu como o email da Hellen é bom? Ele me fez pensar em todas essas coisas.

Olá Lola,
Meu nome é Hellen e tenho 21 anos. Sou mulher, negra, lésbica e feminista.
Sou o que de pior pode existir para os mascus, como vc tão carinhosamente os chama, não é?
Devo dizer que adoro seu blog e que todo dia acesso ele para ler não so os novos posts colocados mas também os antigos. Seus textos têm verdadeiro dom de ser sempre muito atuais.
Te escrevo para alem de afirmar minha admiração pelo que vc escreve, e neste post não foi diferente, lhe dizer o quanto suas palavras são reais. Como eu disse, sou mulher, negra, lésbica e feminista. Faço questão de reafirmar isso pois tenho muito orgulho de ser, ou ter, com toda complexidade, cada uma dessas caracteristicas. Sou tudo isso e cada uma dessas coisas, ainda que muitos dizem ser impossível. Há homens e mulheres que não conseguem perceber o quanto é fundamental para cada ser humano ter a liberdade de poder afirmar ou de gritar aos quatro ventos o que é, ou como pode se reconhecer.
Falando especialmente de mim, ainda que eu seja muito tranquila em dizer tudo isso e de geralmente as pessoas que convivem comigo "respeitarem" as minhas "escolhas" (como se respeitar fosse uma escolha ou tratar o que sou como escolhas fosse sinal de respeito), tenho amigos e familiares machistas. O que óbvio. Afinal, vivo nessa mesma sociedade que promove esses absurdos que vc citou no seu texto.
Eu sei que o machismo existe, sei que ele mata. Vejo isso no noticiário e vejo isso na minha militância, onde ouço tantos depoimentos. Nunca acreditei que vivesse num lugar sem preconceitos ou descriminações, pois desde muito jovem sofro e percebo as atitudes e insinuações preconceituosas, seja por ser mulher, ser negra, homossexual, feminista ou pelo pacote completo.
Mas ao ler esse caso absurdamente chocante, comentei com um amigo que vi no Facebook sobre o caso da menina que teve o braço quebrado por ter dito não ao cara. Para resumir a história, eu e meu amigo passamos mais de duas horas discutindo sobre o caso. Eu dizendo que era um absurso por todos os motivos óbvios e ele, um estudante de direito, dizendo que eu tinha que antes de julgar a atitude do rapaz, ver os dois lados da situação. Afinal de contas, possivelmente ele não teve dolo ou intenção de quebrar o osso do braço dela. E que o incidente pode ter acontecido apenas porque a menina pode ter fragilidade nos ossos e eles se partiriam com facilidade. Ou que se ela tivesse parado apenas para dar atenção ao que o pobre rapaz queria dizer, todo mundo sairia bem da balada.
Qualquer argumento que eu use aqui para reforçar meu repúdio em relação a esses comportamentos não será suficiente para dizer o quanto aquela discussão me deixou perplexa. Lá estava eu, discutindo com um futuro advogado, promotor, juiz (cada vez eu fico mais assutada com as possibilidades), sobre aquela situação específica, e ele dizendo que eu estava exagerando em achar que o cara deveria ser punido, pois podia ser sem querer... E que eu como toda feminista xiita estava sendo dura demais em julgar o caso. E que eu como lésbica deveria entender que para se chegar numa mulher às vezes precisa ser mais agressivo, pois mulher adora ser "pega de jeito".
O que dizer após um argumento desses?
Dentre todos esses absurdos, me dói saber que não é só meu amigo equivicado que pensa assim. Como você mesma citou, os comentários em grande número justificam a atitude masculina no momento em que o macho alfa ouve um não. Mas me dói ainda mais saber que um cara desses poderá em breve ocupar um cargo público para julgar ou ser o promotor num caso assim. Você acha que quem será beneficiado nesse caso? A mulher vai ter que ser vítima mais uma vez?
Para mim ainda existe mais um agravante. Eu tenho 21 anos, meu amigo tem 24. Pior, eu sou minoria, ele maioria. Me assusta muito mesmo ver a juventude com pensamentos tão retrógrados como esse. Eu na minha ingenuidade ou na minha fé nas pessoas, acreditava de verdade que minha geração tinha evoluído sua forma de encarar o mundo junto com a tecnologia. E não. Não evoluímos com relação ao machismo de cada dia. Toda minha reflexão me lembrou uma frase que uma amiga que me apresentou o feminismo me disse há cinco anos: "O feminismo está na contramão da sociedade". Eu nunca tinha pensado como essa frase é verdadeira. Eu nunca tinha refletido tanto sobre ela.
Como eu disse, eu sei sobre preconceitos pois sofro com eles toda vez que digo não a uma cantada babaca na rua, ou quando eu e minha namorada somos destratadas nos mais diversos lugares por estarmos de mãos dadas. Nada disso é novo para mim. Mas é incrível como algo que não está relacionado diretamente a mim pode me ferir tanto.
Desculpe o desabafo, Lola. Mas eu precisava dividir isso.
Saudações Feministas.

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