Durante alguns meses de 1990 fui voluntária do CVV, Centro de Valorização da Vida. E foi uma experiência gratificante, porque a gente sentia que estava ajudando e que havia seriedade no programa (laico, graças a deus). O treinamento era longo, e obrigatório ant
es que se começasse a atender telefonemas de possíveis suicidas.
Lembro como eu, do alto da minha ingenuidade, fiquei surpresa ao ser informada que pelo menos duas em cada dez chamadas eram de homens querendo se masturbar ao som da sua voz. Pô, como assim? Olha o nome do serviço, Centro de Valorização da Vida. Em SP muita gente conhecia, e sabia que se tratava de voluntári@s que não recebiam um tostão sequer para ouvir e, dessa forma, demover gente no fundo do poço de se matar. Então sério que uns caras desocupados ligavam pra gente, a qualquer hora do dia e da noite (o serviço era 24 horas), pra se masturbar? Sério. Parte do treinamento que as mulheres recebiam (pois era comum o masturbador desligar e ligar de novo, até encontrar uma voz feminina) era aprender a lidar com eles. Alguns treinadores diziam que deveríamos ser cordiais, já
que tarados também podem ser suicidas em potencial (desculpe usar a palavra tarados, tão pesada em seu julgamento e tão moralista. Nada contra a masturbação, muito pelo contrário. Porém, ligar pra um serviço deprê cheio de voluntárias ainda hoje me cheira à perversão. E querer usar uma mulher sem a permissão dela para o seu prazer quase me cheira a estupro). A maioria dos treinadores, no entanto, dizia que deveríamos desligar o quanto antes para manter a linha aberta para quem realmente precisasse. Isso tudo foi bem antes da internet. Mas os telefones para sexo já existiam. E tenho minhas dúvidas se com a internet os tarados que ligavam para atendentes do CVV enquanto se masturbavam tenham parado. O pessoal, eu inclusa, achava que esses caras ligavam pro CVV, e não pra um disk-sexo qualquer, só porque o CVV era de graç
a. Só que não era isso. Hoje eu sei. Esses caras não queriam fazer sexo virtual com uma mulher que consentisse. O prazer deles estava em dominar uma mulher, fazê-la desconfortável, forçá-la a estar numa situação que ela não queria. Havia masturbadores que rapidamente perguntavam “O que você está vestindo?”, e aí pelo menos você já sabia com quem estava lidando (porque, né, quando que um suicida vai fazer essa pergunta?). Mas a maior parte queria mesmo enganar. Elaborava historinhas, fazia o máximo pra ouvir sua voz, e tentava disparar perguntas cada vez mais pessoais. Muitas vezes terminavam com um “Ahhhh, gozei!”. E eu ficava lá, com cara de “Por que tenho que me submeter a isso?”.
Não é incrível? Num serviço em que a gente passava horas conversando (mais ouvindo) com pessoas muito deprimidas e solitárias, o mais triste era ser usada por carinhas sem noção que não estavam nem aí
em ter o seu consentimento. Isso também é um exemplo de entitlement –- aquela sensação que tantos homens têm de que merecem alguma coisa só por serem homens. Pensar que voluntárias num serviço de atendimento a suicidas estão lá para o seu deleite sexual? Isso é entitlement. E é errado.

Lembro como eu, do alto da minha ingenuidade, fiquei surpresa ao ser informada que pelo menos duas em cada dez chamadas eram de homens querendo se masturbar ao som da sua voz. Pô, como assim? Olha o nome do serviço, Centro de Valorização da Vida. Em SP muita gente conhecia, e sabia que se tratava de voluntári@s que não recebiam um tostão sequer para ouvir e, dessa forma, demover gente no fundo do poço de se matar. Então sério que uns caras desocupados ligavam pra gente, a qualquer hora do dia e da noite (o serviço era 24 horas), pra se masturbar? Sério. Parte do treinamento que as mulheres recebiam (pois era comum o masturbador desligar e ligar de novo, até encontrar uma voz feminina) era aprender a lidar com eles. Alguns treinadores diziam que deveríamos ser cordiais, já


Não é incrível? Num serviço em que a gente passava horas conversando (mais ouvindo) com pessoas muito deprimidas e solitárias, o mais triste era ser usada por carinhas sem noção que não estavam nem aí

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