

A psicóloga Marília começou reclamando da falta de interdisciplinaridade que
reina nas universidades atualmente. Quando ela se formou em Psicologia, no início dos anos 80, pôde cursar várias outras disciplinas, de Antropologia, Geologia etc. Hoje alunos de Direito parecem ficar apenas na área de Direito, o que é uma falha. Obviamente deveria haver maior articulação entre Direito e Psicologia e Ciências sociais. E é inadmissível que, hoje, o tema da violência de gênero não seja incluído nos cursos de Direito. Um dos resultados dessa lacuna na grade é que muitos estudantes, por mais bem intencionados que sejam, acabam se decepcionando com mulheres agredidas que não abandonam seus maridos. É comum um advogado perguntar a uma vítima de violência doméstica: “A senhora aqui de novo?”.
Que esse tipo de t
ratamento venha de leigos, vá lá. Mas não pode vir de gente que lida com violência doméstica. É preciso entender o ciclo da violência, que vai da lua de mel à tensão à explosão (quando ocorre a agressão, física ou verbal ou ambas), voltando à lua de mel, em que o marido se mostra arrependido e jura que não vai fazer aquilo de novo, e a mulher acredita. E todo o ciclo se reinicia.
E por que a mulher acredita e aceita continuar a relação? Por uma série de motiv
os. Segundo a delegada Mônica, é um mito que a mulher não se separa por depender economicamente do marido. Este é um dos fatores, mas está longe de ser o único. A mulher reata a relação porque é ameaçada de morte (e, considerando os índices de que dez brasileiras são mortas por dia pelo companheiro ou ex, ela tem razão em crer que a ameaça pode se concretizar), porque tem medo do que pode acontecer aos filhos, e porque geralmente não tem apoio dos familiares (que a aconselham a continuar com o marido). E também por ter baixa autoestima (ela acha que não arranjará outro homem por estar mais velha e com filhos, e, o que é mais triste ainda, que se tiver outro, ele a tratará do mesmo jeito; será como trocar “seis por meia dúzia), por ter esperança que o parceiro mude, e por se preocupar com o sofrimento dele. Mas o principal, principal mesmo,
é que vivemos numa sociedade que nos diz que mulher sozinha não presta. O importante é ter um homem, mesmo que ele faça da sua vida um inferno.
A sociedade inteira se mobiliza pra condenar uma mulher sozinha. Como sabemos, mulher sem homem está sempre disponível. Casa sem homem não é respeitada. Revistas femininas vivem publicando matérias do tipo “Como segurar seu macho”. A mulher é educada pra acreditar que tem que casar. E, ao casar, por mais que o homem seja um agressor, a mensagem que permanece é “Sou infeliz mas tenho
marido”. Portanto, quando a mulher toma a decisão de deixar o parceiro, ela não está apenas rompendo com ele. Está rompendo com todo um modelo de vida que lhe foi ensinado. Lenore Walker chama isso de Síndrome da Mulher Espancada, em que a mulher é colonizada por uma cultura patriarcal. O problema é tão persistente (são séculos de subordinação) que a psicóloga Marília diz que, se em cinquenta anos tivermos uma relação mais igual entre os gêneros, teremos sido vitoriosas. Mesmo que não vivamos pra ver isso.
Já a promotora Alessandra insiste: quer uma revolução já. Ela defende que seja mostrado às pessoas como o Ministério Público vem lidando com a violência doméstica. Segundo ela, o sistema funciona como
uma verdadeira máquina de arquivamento. 98% dos casos de violência contra a mulher são arquivados. E não dá pra culpar um juiz (por mais que faça sentido a piadinha “faz concurso pra juiz; toma posse pra deus”), um promotor ou um advogado de defesa em particular. Não é o preconceito de um só indivíduo, mas de toda uma instituição. E o que Alessandra quer é que os autos sejam estudados, pesquisados, e as atrocidades dos juízes e defensores, publicadas. Porque (e essa foi uma das comparações que fez com que eu me apaixonasse pela Alessandra) se um humorista se
vale da piada para validar seu pensamento, o jurista se vale do quê? Todo profissional tem uma linguagem própria para expressar seus preconceitos. Se não houver desagravo público, toda uma cultura que joga a culpa nas mulheres pela violência que sofrem prosseguirá. Para a advogada Ana Amélia, um dos problemas desse sistema é que juristas estão acostumados a lidar com leis e processos –- não com pessoas.
São duas as situações em que a mulher espancada passa maior perigo. Uma, bastante óbvia, é quando ela decide se separar. Como dessa forma ocorre um rompimento na relação de poder, a mulher corre risco de vida. A outra situação (pra mim surpreendente) é quando a mulher está grávida. Porque o marido ciumento tem toda a neurose de que o filho não é dele.
A Lei Maria da
Penha está sendo muito positiva por fazer com que mais mulheres denunciem casos de agressão. Antes da lei, de cada dez mulheres agredidas, apenas duas denunciavam. Para Alessandra, o aumento no número de casos deve ser comemorado, pois significa que toda uma teia de silêncio está começando a se romper. Mas ainda é pouco. Para que a violência contra a mulher possa de fato ser combatida, não é só o homem, a mulher, ou o jurista que precisa mudar. É todo um mundo. Afinal, a violência doméstica é o reflexo de uma sociedade doente.

Que esse tipo de t

E por que a mulher acredita e aceita continuar a relação? Por uma série de motiv


A sociedade inteira se mobiliza pra condenar uma mulher sozinha. Como sabemos, mulher sem homem está sempre disponível. Casa sem homem não é respeitada. Revistas femininas vivem publicando matérias do tipo “Como segurar seu macho”. A mulher é educada pra acreditar que tem que casar. E, ao casar, por mais que o homem seja um agressor, a mensagem que permanece é “Sou infeliz mas tenho

Já a promotora Alessandra insiste: quer uma revolução já. Ela defende que seja mostrado às pessoas como o Ministério Público vem lidando com a violência doméstica. Segundo ela, o sistema funciona como


São duas as situações em que a mulher espancada passa maior perigo. Uma, bastante óbvia, é quando ela decide se separar. Como dessa forma ocorre um rompimento na relação de poder, a mulher corre risco de vida. A outra situação (pra mim surpreendente) é quando a mulher está grávida. Porque o marido ciumento tem toda a neurose de que o filho não é dele.
A Lei Maria da

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