Wednesday, November 2, 2011

AGRESSÃO A MONALISA PERRONE É VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER?

Ontem de manhã recebi um email de uma leitora querida: “Você deve ter visto o que houve com a repórter Monalisa Perrone que, enquanto transmitia ao vivo para o Jornal Hoje em frente ao Hospital Sírio-Libanês, foi empurrada por um ou dois rapazes bestinhas que tentavam entrar na frente da câmera. Vi que os rapazes são de um grupo que se diz apartidário, o 'Acampa Sampa'. Pois então, o que vi foi um tonto tentando fazer o que vivem fazendo programinhas feito Pânico ou matérias de TV sobre torcidas de futebol, em que torcedores entram na frente da câmera pra gritar o nome de seu time, essas coisas.
Há um jornalista, o Ale Rocha, que escreveu um post, 'Monalisa Perrone e a violência contra a mulher'. Muita gente está afirmando que o empurrão sofrido pela Monalisa foi 'violência contra a mulher'. Não sou especialista nisso, mas achei forçar demais a barra dizer que um ato que ocorre no mundo todo com jornalistas, tipo 'ossos do ofício', configura-se como 'violência de gênero'. Então ela deveria ter ido em alguma Delegacia da Mulher, feito exame de corpo delito e exigido que o bocó lá mantenha distância de 500 metros dela? Sério que aquilo configura violência contra a mulher? Não tão forçando?
Bem, confio em você pra discernir com clareza sobre o fato, porque os argumentos que tenho visto não me convencem. Não acho que aquilo foi caso de Lei Maria da Penha. Disseram que o cara só fez isso porque ela é mulher, estava 'indefesa' (com trocentos seguranças em volta lá -- imagine se não havia seguranças em frente a um Sìrio-Libanês lotado de repórteres e com o Lula lá dentro?). Será que estão vendo coisas ou eu é que não entendo patavina sobre o que é realmente violência contra a mulher?

Em primeiro lugar, minha solidariedade à repórter. Sou contra qualquer tipo de violência física.
Em segundo lugar, pouco depois de receber o email da leitora e decidir respondê-lo no blog, vi que um site reaça que tem obsessão por mim andou me atacando... de novo (já foram pelo menos cinco posts a meu respeito). Desta vez porque eu, que segundo eles sou representante-mór das feministas radicais (como dizem as verdadeiras feministas radicais, eu tô mais pra feminista ha-ha-radical) não falei da Monalisa. Quer dizer, se eu falo eu levo pedrada, se eu não falo eu levo pedrada também. Qual o padrão que se repete? A pedrada. E já disse aqui que o blog é meu, escrevo sobre o que quiser, quando tenho tempo. Cobranças de gente que me odeia pautando meu blog? Dispenso. Vão cobrar posicionamento das únicas feministas que vocês conhecem, aquelas que posaram de lingerie. Aceito de muito bom grado sugestões de leitor@s. Sei quando é sugestão, e quando é cobrança.
Não dá pra escrever sobre tudo. Sou uma só, e trabalho. Esses dias me pediram pra falar do Lula (Lulinha, adoro você, fique bem logo, por favor), das piadas sobre o câncer do Lula (na minha timeline do Twitter não rolou, eu nem vi; mas o que tem pra dizer? São uns ridículos), do confronto na USP (pedi um guest post à gente do DCE de). Além do mais, odeio escrever sobre o óbvio. Fazer um post pra condenar os cretinos que derrubaram a repórter? Pô, isso é o óbvio do óbvio. Só estou escrevendo este texto porque surgiu uma dúvida razoável: a agressão contra Monalisa foi violência contra a mulher?
Pelo vídeo, nada fica muito claro. Parece haver um bando de homem correndo em direção à repórter. Vários deles são seguranças tentando impedir os loucos de chegar até ela. Um dos rapazes, o mais visível, Thiago de Carvalho Cunha, disse que fez isso pra divulgar seu curta-metragem. Ele conta que havia várias outras emissoras no local, e que escolheu a Globo porque teria mais visibilidade, e porque ela é uma rede nascida na época da ditadura e que manipula as pessoas. No blog deles, que não quero divulgar pra não dar visibilidade pra babaca, o grupelho pede desculpas à repórter: “Foi um acidente de trabalho, fomos empurrados pelos próprios seguranças da Globo, acabamos esbarrando na repórter sem querer, sem intenção de ferir ou remove-la de cena” (sic). Parece que, em outubro, o mesmo grupo interrompeu um outro repórter. Um homem passou em frente à câmera gritando “Cala a boca, Globo!”. Achar que esse pessoal que faz de tudo pra aparecer na TV é politizado não me parece muito realista.
Aí vira pretexto pra direita poder disparar os seus clichês de praxe –- quem não gosta da Globo é comuna (eu, que participei das Diretas Já em 1983, que o diga: os carros da Globo tinham que esconder seus logotipos porque a gente gritava “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!” -- todos os manifestantes do Diretas Já eram esquerdopatas, lógico!), e quem participa de qualquer protesto é vagabundo, polícia neles!
O jornalista Ale Rocha, que eu respeito e está muito longe de ser um reaça, escreveu: “O pior, no caso de Monalisa Perrone, é a covardia. Trata-se de violência contra uma mulher. A invasão de boletins ao vivo é ação típica de homens. Contra José Roberto Burnier ou Fillipo Mancuso 'ousam' apenas passar gritando uma vazia frase de impacto. Ficam distantes, sem nenhum contato físico. Contra uma mulher, um empurrão. Pelas costas”.
Tenho minhas dúvidas. Se os caras escolheram a Monalisa e a derrubaram por ser mulher, okay, é violência contra a mulher. Mas se eles a escolheram porque ela é da Globo, e se a derrubaram sem querer (continuam sendo babacas em qualquer caso), aí não. A violência contra uma mulher não constitui exatamente violência contra a mulher.
Por exemplo: em 2007, quando eu ainda vivia em Joinville, fui pedir a um vizinho pra que ele abaixasse a música de sua casa, porque estava altíssima e eu não conseguia estudar. O cara, que tinha
a minha idade, e estava bêbado ou drogado, foi atrás de mim quando eu falava com uma outra vizinha e me ameaçou de morte, dizendo que guardava uma pistola debaixo da cama e que iria buscar a arma pra me despachar pro inferno. Ainda encostou o punho no meu rosto e gritou que, se eu fosse homem, me enchia de porrada. E berrou, entre muitos palavrões: “Sua ateu!”. Eu fui a uma delegacia comum (porque a Lei Maria da Penha é para agressões domésticas) e fiz boletim de ocorrência por causa da ameaça. Eu sei que o que ele e outros familiares seus mais odiavam é que uma mulher lhes mandasse fazer alguma coisa, como abaixar o som. E aí, foi uma ameaça contra a mulher? Foi uma ameaça por eu ser ateia? Ele certamente sabia que eu era (sou) ateia, mas foi por isso que ele me agrediu verbalmente e ameaçou me agredir fisicamente? Não tenho opinião formada sobre esse caso.
Violência de gênero é quando a violência é cometida por um motivo: pela vítima ser mulher. Entende-se que os casos de mulheres que são mortas por parceiros e ex-parceiros representam violência de gênero, porque eles ocorrem dentro de uma lógica machista em que o homem se sente dono da mulher. O mesmo com violência doméstica. O mesmo com estupros. Parte de uma situação de domínio, ou de tentativa de poder, que não sei se é o caso dos dois loucos pela fama que derrubaram a Monalisa.
Mas o mais legal dessas cobranças da direita (não estou de jeito nenhum falando do Ale Rocha) é que ela precisa se definir. A direita, como sabemos, não dá a mínima pra violência contra a mulher. Odeia as feministas, acha que feminismo não tem razão de existir, que feminismo e marxismo são a mesma coisa, e que o verdadeiro perseguido hoje em dia, nessa época da praga do politicamente correto, é o homem branco e hétero, pobrezinho. Mas aí, pra fazer uma cobrança a esta feminista ha-ha-radical que vos fala, diz que sem sombra de dúvida a agressão a Monalisa foi uma violência contra a mulher, e que meu silêncio equivale a defender esses meliantes. Então tá. Você ganhou, reaça: batata frita. De agora em diante, qualquer mulher agredida será vista como uma violência de gênero. Vai entrar nas estatísticas, certo? Mulher atropelada na rua? Violência contra a mulher. Mulher morta em assalto? Violência contra a mulher. Mulher manifestante política agredida a cassetadas por essa polícia tão heróica que temos? Violência contra a mulher.
E quando é o Rafinha agredindo as mulheres com piada sobre estupro ser uma grande oportunidade? E quando o Zorra Total recomenda que as mulheres devem adorar serem bolinadas no metrô? Ah, aí não é violência contra a mulher! A violência só vale se for física? Lógica estranha, essa dos reaças: agressão a uma mulher, principalmente se essa mulher trabalha em uma mídia que defende os interesses da direita? = Violência contra todas as mulheres! Agressão a todas as mulheres, que deveriam agradecer por serem estupradas e bolinadas? = Agressão a nenhuma mulher.

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