Sunday, November 13, 2011

A CÓLERA E A OCUPAÇÃO DA USP

Estou correndo. Já é praticamente final de semestre, e qualquer professora sabe o que isso representa. Além do mais, uma grande amiga minha ficou aqui em casa uma semana (voltou para Belo Horizonte agora pela manhã), e eu tive que dar a ela o mínimo de atenção (bem mínimo mesmo, tadinha).
Sexta passei à tarde assistindo a duas ótimas palestras do Projeto CASa, programa que faz parte do estágio probatório que todos os novos docentes da UFC precisam cumprir (e eu gosto, aprendo muito, e é também uma boa oportunidade de conhecer professor@s de outras áreas). Pois bem, uma das palestrantes foi a Dra. Selma Garrido Pimenta, professora titular da Faculdade de Educação da USP. Ela disse muitas coisas interessantes, entre elas que existe uma desvalorização do trabalho docente pelos jovens (eu concordo: o anti-academicismo é enorme), ao mesmo tempo em que a percepção geral é que as universidades públicas ainda garantem bons empregos (logo, um monte de gente faz ou quer fazer concursos públicos para conseguir um emprego estável com um bom salário). Apesar dessas percepções, nós, professor@s, cumprimos um papel social. Tant@s de nós queremos mudar a sociedade!
A doutora não falou muito sobre a ocupação da USP (entenda o que está acontecendo), mas ela disse que cabe a nós tomarmos uma posição que vá contra o senso comum. Qual o senso comum sobre tudo isso? Ah, você sabe: que aluno de Humanas é tudo vagabundo e maconheiro mantido com a grana do papai, que a PM tem mais é que invadir o campus e descer o cassetete neles, que professor desses cursos é tudo comunista, que, aliás, essas excrecências como cursos inúteis de Humanas nem deveriam existir! Bolsonaro pra reitor da USP, yay!
É de chorar. Nessas horas é que vemos o conservadorismo dessa abstração que podemos chamar de “senso comum”. Porém, mais uma vez, é preciso ver o contexto. É completamente ridículo associar a atual crise da USP a três alunos que foram flagrados pela PM fumando maconha no campus. Para o sociólogo Michael Löwy, vivemos num tempo de grandes revoluções (e isso é fantástico!): “Há uma indignação com a ordem das coisas no mundo. Um sentimento de cólera. E, diante dessa percepção de injustiça, os estudantes têm um papel essencial, começando movimentos de protesto” (leia a entrevista inteira de Löwy).
Aproveito para divulgar a nota assinada por mais de 260 doutores, doutorandos, mestres e mestrandos da USP. Meu posicionamento sobre a crise fecha com a deles (mas continuo aguardando um guest post de alun@s da USP que estejam acompanhando os conflitos bem de pertinho). Nota pública de pesquisadores da Universidade de São Paulo sobre a crise da USP
Nós, pesquisadores da Universidade de São Paulo auto-organizados, viemos, por meio desta nota, divulgar o nosso posicionamento frente à recente crise da USP.
No dia 08 de novembro de 2011, vários grupamentos da polícia militar realizaram uma incursão violenta na Universidade de São Paulo, atendendo ao pedido de reintegração de posse requisitado pela reitoria e deferido pela Justiça. Durante essa ação, a moradia estudantil (CRUSP) foi sitiada com o uso de gás lacrimogêneo e um enorme aparato policial. Paralelamente, as tropas da polícia levaram a cabo a desocupação do prédio da reitoria, impedindo que a imprensa acompanhasse os momentos decisivos da operação. Por fim, 73 estudantes foram presos, colocados nos ônibus da polícia, e encaminhados para o 91º DP, onde permaneceram retidos nos veículos, em condições precárias, por várias horas.
Ao contrário do que tem sido propagandeado pela grande mídia, a crise da USP, que culminou com essa brutal ocupação militar, não tem relação direta com a defesa ou proibição do uso de drogas no campus. Na verdade, o que está em jogo é a incapacidade das autoritárias estruturas de poder da universidade de admitir conflitos e permitir a efetiva participação da comunidade acadêmica nas decisões fundamentais da instituição. Essas estruturas revelam a permanência na USP de dispositivos de poder forjados pela ditadura militar, entre os quais: a inexistência de eleições representativas para Reitor, a ingerência do Governo estadual nesse processo de escolha e a não-revogação do anacrônico regimento disciplinar de 1972.
Valendo-se desta estrutura, o atual reitor, não por acaso laureado pela ditadura militar, João Grandino Rodas, nos diversos cargos que ocupou, tem adotado medidas violentas: processos administrativos contra estudantes e funcionários, revistas policiais infundadas e recorrentes nos corredores das unidades e centros acadêmicos, vigilância sobre participantes de manifestações e intimidação generalizada.
Este problema não é um privilégio da USP. Tirando proveito do sentimento geral de insegurança, cuidadosamente manipulado, o Governo do Estado cerceia direitos civis fundamentais de toda sociedade. Para tanto, vale-se da polícia militar, ela própria uma instituição incompatível com o Estado Democrático de Direito, como instrumento de repressão a movimentos sociais, aos moradores da periferia, às ocupações de moradias, aos trabalhadores informais, entre outros. Por tudo isso, nós, pesquisadores da Universidade de São Paulo, alunos de pós-graduação, mestres e doutores, repudiamos o fato de que a polícia militar ocupe, ou melhor, invada os espaços da política, na Universidade e na sociedade como um todo.

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