Friday, November 18, 2011

COMO SOBREVIVER AOS PRESS JUNKETS

Com o Hugh Grant de Notting Hill a gente sobrevive a qualquer coisa

Desculpe, não anotei o nome da leitora querida (ou pode ter sido um leitor querido) que me enviou o link pra um discurso de agradecimento do Joss Whedon, criador de Buffy. Pode ser que o vídeo já tenha algum tempo de estrada (anos até), mas eu nunca tinha visto. Nem sabia quem era Joss. Sei quem é Buffy, a Caça-Vampiros. Vi alguns episódios e gostei bastante, depois cansei, principalmente dos efeitos especiais. De todo modo, Joss recebeu um prêmio e fez um discurso muito interessante, baseado nas respostas que fornece ao ser entrevistado.
Você já ouviu falar dos press junkets, certo? São as famosas entrevistas pra imprensa, aquelas em que os pobres astros precisam responder às mesmas perguntas por horas e dias a fio, quase sempre durante a época de lançamento de um filme. Faz parte do contrato -– e obviamente faz parte do contrato que o entrevistado não possa falar nada negativo sobre o filme, independente da bomba que seja.
Eu lembro bem quando Marlon Brando, já bem no fim de sua carreira e precisando desesperadamente de dinheiro, quis ser sincero nas entrevistas referentes a Um Novato na Máfia (que, por sinal, nem era tão ruim assim). Ele basicamente disse que o filme era uma porcaria. E teve que se retratar depois que os produtores ameaçaram processá-lo por, digamos assim, difamar o filme. Foi humilhante pro deus de Um Bonde Chamado Desejo, só que tudo isso consta no contrato.
Não tenho pena de astros milionários, mas convenhamos: deve ser um tédio as perguntas não variarem nunca! Eu adoro aquela cena de Notting Hill (aliás, um amor de comédia romântica) em que o Hugh Grant finge ser um jornalista de uma publicação de animais para poder se encontrar com a Julia Roberts. E ele não tem a menor ideia do que perguntar, porque o personagem é um carinha que provavelmente nunca entrou numa sala de cinema na vida. A primeira besteira que ele pergunta a Julia é se ela gostaria que houvesse mais cavalos no filme que ela está divulgando, e ela responde que não, porque o filme se passa no espaço (esta é a primeira parte da cena; se alguém encontrar a segunda, em que ele segue se humilhando nas entrevistas a outros membros do elenco, me avise. E se você encontrar a cena com legendas em português, eu declaro meu amor eterno por você). Alguns dos diálogos impagáveis que se seguem entre o Hugh fingindo ser um jornalista e os outros membros do elenco entrevistados no press junket:
William (Hugh Grant): Você gostou de ter feito o filme?
Ator: Sim, gostei.
William: Ótimo. Alguma cena em particular?
Ator: Você me diz a cena que você mais gostou, e eu te digo se gostei de ter feito essa cena.
William: Uh. Eu... Eu gostei da cena no espaço. Muitão.
Agora William entrevista outro ator, que não fala inglês, então uma tradutora-intérprete fala pelo ator. William: Você se identificou com o personagem que fez?
Tradutora: Não.
William: Oh. Por que não?
Tradutora: Porque ele é um robô psicopata e canibal.
E, por último, William entrevista uma jovem atriz. Acho que uma pré-adolescente (aqui).
William: E aí, este é o seu primeiro filme?
Atriz: Não, é o meu vigésimo-segundo.
William: Claro que é. Você tem algum favorito entre os 22?
Atriz: Ter trabalhado com Leonardo.
William: Da Vinci?
Atriz: Di Caprio.
William: Lógico. E ele é o seu diretor italiano favorito?
Ha ha, esta é uma sequência hilária de diálogos que praticamente presta uma homenagem aos press junkets. Aposto que todo jornalista e todo astro lembra de Notting Hill.
Mas, na verdade, tem que ser um astro muito poderoso pra poder se livrar dos press junkets. Eu pensava que George Clooney tinha conseguido porque, se não me engano, faz pouco tempo ele anunciou sua aposentadoria da divulgação de filmes. Mas em setembro ele teve que participar de uma coletiva pra imprensa e meio que humilhou um repórter que lhe perguntou o que é mais difícil, dirigir um filme ou namorar sendo tão famoso. Sua resposta? (veja o vídeo). “Bem, isso é engraçado. Eu sabia que alguém iria perguntar. Estou um pouco desapontado que seja você. Quero dizer, todo mundo está um pouquinho envergonhado por você no momento. Olha, acho ótimo que você tenha feito a pergunta. Agora vá pro seu editor e diga que você fez a pergunta. Parabéns”. Ok, George pegou pesado, mas deve ser chato que todo mundo queira saber da sua vida amorosa. E nem é tão humilhante assim quando se é humilhado por alguém tão charmoso, vai.
Aham. Bom, voltando ao assunto principal, que é o discurso do Joss Whedon, sabe, aquele de parágrafos atrás, do comecinho do post? Joss lembra que, nas entrevistas pra imprensa sempre lhe perguntam: “Por que você cria essas personagens femininas fortes?” E ele tenta dar respostas diversas, até pra que não seja tão monótono. Diz Joss: por causa da mãe dele, que foi uma mulher forte, incrível, inteligente, sexy, e ele gosta de estar perto de pessoas desse naipe. Também por causa da mulher dele que, além de ser mais esperta que ele, é até mais alta. Por causa do pai dele, que nunca teve problemas ou se sentiu diminuído por estar com uma mulher forte. Porque criando personagens femininas fortes, Joss manda uma mensagem pra sociedade. E lá pela quinquagésima entrevista, ele diz: “Por que você está me perguntando isso? Por que você não pergunta pros cem outros caras por que eles não criam personagens femininas fortes?” Continua ele: porque igualdade não é um conceito, é uma necessidade. É como gravidade, a gente precisa pra ficar de pé. E porque a misoginia não é parte integral da essência humana. Pelo contrário, a misoginia nos tira o equilíbrio e suga algo da alma de todo homem e mulher. E finaliza: ele cria personagens femininas fortes porque você ainda está me fazendo essa mesma pergunta. Ah, tem que gostar de um sujeito desses!
Já dos press junkets... Como gostar de um ritual em que jornalistas repetem as mesmas perguntas pra astros obrigados a mentir?

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