

Nessas horas não há muito o que fazer, né? Devolver pra quem o dinheiro? Se fosse dentro da faculdade, eu talvez
tentasse deixar a nota na secretaria do prédio mais próximo de onde a encontrei. Sei lá, vai que existe um departamento de achados e perdidos no campus? Claro, dinheiro é complicado. Mas na rua, o que fazer? Não havia ninguém por perto, só os carros passando. A nota já parecia estar ali havia um tempinho.
Pesando tudo isso, fiquei feliz em encontrar dinheiro na rua. Não foi a primeira vez, mas foi a primeira vez em Fortaleza. E um valor abismal desses
! Porque vinte reais é muita grana, dá pra fazer um monte de coisa. Meu ímpeto foi passar na farmácia perto de casa e torrar tudo em (uma) barra de chocolate, dois desodorantes e uma pasta de dentes, objetos que eu tinha pedido pro maridão comprar da última vez que ele foi ao supermercado, mas ele esqueceu (faz muitos meses que não vou ao super, por total falta de tempo. Sem falar que maridão adora supermercado, que pra ele é sinônimo de civilização). Mas aí eu pensei: não, a farmácia é cara. Mesmo que seja dinheiro que apareceu inesperadamente, ele ainda pode render mais num lugar mais barato. Pois é, eu sou pão dura miserável até com dinheiro encontrado na rua! O segundo obstáculo foi: e se a nota for falsa? Aí talvez seja melhor não ser humilhada num lugar tão próximo de casa, né? Por isso achei melhor consultar o maridão antes, que evidentemente entende tanto de notas falsas quanto eu. Ele não ficou
feliz por eu ter encontrado 20 reais na rua, e sim triste pelo desconhecido que perdeu a nota. Mas a examinou diante da luz, viu a marca d'água, a parte brilhante que foi o que me chamou a atenção, e deu seu parecer: é verdadeira.
Se for uma nota falsificada, mandarei notícias da cadeia.
Antes de terminar, lembrei de um lindo conto da Virginia Woolf chamado “Solid Objects” (leia em inglês aqui). Engraçado como não pensei nele ontem, só agora, ao escre
ver estas mal-traçadas. O conto foca John, um jovem inglês com aspirações políticas, que encontra um objeto de vidro quando vai andar na praia com um amigo. Ele fica fascinado pelo objeto, pensando no que ele tem de valor, de onde veio, se pode ser uma pedra preciosa, por que foi logo ele a tê-lo encontrado. E o troço vai parar em cima de sua lareira. A partir daí John, sempre que sai, mantém-se alerta para outros objetos “valiosos” que podem surgir no seu caminho. E ele vai trazendo tralha pra casa. Alguns objetos servem como peso pra cartas e contas, pelo menos. Até que ele vê um pedaço de vidro mais distante, fora do seu alcance, e decide que tem que pegá-lo. O homem gasta um tempão pra chegar lá. Perde uma reunião de trabalho, porque, pra ele, obter aquele objeto é mais importante que suas outras atividades. Este é o começo de seu fim, sua entrega total à obsessão. A narração não se interessa em detalhar o seu declínio, ou como ele deixa
de ir trabalhar ou perde todos seus contatos. A gente só sabe que ele continua catando coisas na rua. Minha frase favorita, uma que resume tudo, é a que diz que havia cada vez menos papel pros novos objetos encontrados segurarem. O conto termina quando esse seu amigo do começo vai visitá-lo, choca-se com a aparência da casa, e pergunta pra ele: “O que fez você desistir de tudo tão rápido?”. John responde que não desistiu, e o amigo vai embora pra nunca mais voltar.
Será que eu, como John, a partir de agora andarei procurando objetos valiosos como cédulas de dinheiro na rua?

Pesando tudo isso, fiquei feliz em encontrar dinheiro na rua. Não foi a primeira vez, mas foi a primeira vez em Fortaleza. E um valor abismal desses


Se for uma nota falsificada, mandarei notícias da cadeia.
Antes de terminar, lembrei de um lindo conto da Virginia Woolf chamado “Solid Objects” (leia em inglês aqui). Engraçado como não pensei nele ontem, só agora, ao escre


Será que eu, como John, a partir de agora andarei procurando objetos valiosos como cédulas de dinheiro na rua?
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