

Pra quem tá boiando, devo explicações: o governo de SP ia construir uma estação de metrô bem nessa rua, bem na altura do Pão de Açúcar. Um grupo de moradores de Higienópolis protestou, disse que uma estação lá era desnecessária, que traria camelôs, que já havia quatro estações beirando o bairro, e pediu pra que a nova fosse feita no Pacaembu. O governo topou (há divergências se essa mudança ocorreu
por causa dessas pressões ou se por motivos técnicos). Uma reportagem da Folha entrevistou algumas pessoas no bairro, entre elas uma psicóloga que, contrária ao metrô, disse que uma estação na Angélica atrairia “gente diferenciada” (mendigos, viciados etc). Foi o mote pro pessoal no Twitter reclamar dos moradores de Higienópolis. A maior parte dos protestos foi bem-humorada (campanha do tipo vamos trocar os nomes das ruas do bairro — várias com estados nordestinos, como R. Bahia, R. Maranhão, R. Alagoas etc — para R. Londres, R. Paris, R. Genebra etc
), mas alguns partiram pra ignorância do anti-semitismo. Aí não pode, né? No Facebook começou a se organizar um churrasco a favor da estação do metrô. Houve 50 mil adesões. Não gostei muito dos termos, algo como “mulatas besuntadas de óleo são bem-vindas” (olha o machismo aí, gente!) e a promessa de “carne de gato e cachorro”. A manifestação aconteceu ontem, não teve muita gente (umas 600 pessoas em frente ao Shopping Higienópolis), mas o pessoal parecia estar animado. E a dire
ita toda da internet ficou histérica contra os manifestantes (falar mal de rico é instigar luta de classes, ohhhh!), então alguma coisa eles devem ter feito certo.
Claro que sou a favor da construção de um metrô na Angélica e em qualquer
outro lugar. É preciso investir pesado no transporte público, ou senão vai chegar uma hora em que ficará inviável se locomover. Quanto mais metrô, quanto mais corredores exclusivos de ônibus, quanto mais ciclovias, quanto mais trens, melhor. Em SP e em todas as cidades (inclusive na minha querida Fortaleza, onde um metrô vem sendo construído há mais de uma década. Parece que até a Copa, sai. E uma das estações será pertinho de casa, yay!).
Agora com licença, e perdoem meu egoísmo: o que me interessa nessa história toda é que eu morei lá! E ver uma f
oto da minha rua atiçou minhas memórias. Até fico chocada com o pouco que me lembro. Triste isso. Mas foi assim: em 1971, minha família, toda argentina, se mudou de Buenos Aires pro Rio. Moramos seis anos lá. Eu era criança, não tinha nem 4 anos quando cheguei ao Brasil. Daí fomos pra SP em 77. Primeiro alugamos um apê na R. Manoel da Nóbrega, 1088 (por uma incrível coincidência, a casa que comprei ao me mud
ar pra Joinville, dezesseis anos depois, foi uma número 1088). Ficava pertinho do Ibirapuera e da Brigadeiro Luis Antonio. Eu adorava aquele prédio. Fiz amigos lá pra vida toda. A gente jogava futebol num pátio atrás do salão de festas (todo fim de semana um vidro era quebrado por uma bolada). A gente invadia o quartel em frente. A gente brincava de esconde-esconde na garagem. A gente, essa turminha de crianças e adolescentes que eu liderava (eu era mandona), comprava quase todo domingo um frango assado e um pote de 2 litros de sorvete e devorava tudo ali. Ninguém se preocupava em engordar. Tempos felizes aqueles.
Uns dois ou três anos depois, meus pais alugaram outro apê, este na Rua Sergipe, 605. O prédio era muito melhor que o da Manoel da Nóbrega. Tinha quatro quartos — eu não precisava mais dividir um com minha irmã bagunceira. Tinha cinco banheiros, se b
em que não sei pra que servia tanto banheiro, já que eu, meus dois irmãos e meu pai só tomávamos banho em um, no do quarto da minha irmã. Só minha mãe tomava banho em outro. Do apê eu me lembro muitíssimo bem. Do prédio, bem menos. Sei que tinha piscina embaixo (acho que foi isso que fez meu pai optar por aquele prédio. Meu pai adorava torrar ao sol. Sem passar bronzeador. Mais tarde ele teve câncer de pele). Havia um playground muito do chinfrim. Mas o principal é que não tinha muita gente pra brincar naquele playground. Éramos dos mais jovens do prédio. Os poucos adolescentes eram um tanto antipáticos, esnobes. Nunca conseguimos fazer amizade.
Não estou rec
lamando da minha juventude pra lá de privilegiada! Era bom morar em Higienópolis, assim como tinha sido bom morar perto da Brigadeiro. Ficava perto de tudo. Quer dizer, menos da nossa escola, a Chapel, uma escola americana que ficava (fica ainda) na Chácara Flora. Era longe pacas. O ônibus (fretado) passava em frente ao prédio pra nos pegar às 6:30. A aula começava às 8, e a gente sempre chegava em cima da hora (e isso que estou falando do trânsito do início dos anos 80; não quero nem pen
sar como deve ser cruzar a cidade hoje). As aulas iam até às 15 horas, mas pelo menos umas duas vezes por semana eu ficava pra atividades extras, até às 16:30. Depois desse horário, perdendo o ônibus da escola, só pegando ônibus normal (o que eu fazia algumas vezes).
Meu pai, que odiava dirigir, não tinha carro. A gente alugava a nossa vaga na garagem (não sei se tínhamos direito a uma ou duas; hoje, sei que prédio com quatro quartos não têm menos de três vagas por apartamento). Ele ia andando pro trabalho na Brigadeiro com a Paulista, sempre de terno e gravata. Até metade da década ele trabalhava como diretor de marketing da Denison Propaga
nda, até então uma das maiores agências do país, e ganhava bem (quanto, nem ideia, porque pais não falam sobre dinheiro com os filhos). Só que aí ele saiu, abriu sua própria empresa de pesquisa de mercado (um escritório na Pamplona), e os rendimentos oscilaram. Às vezes ele pegava táxi, às vezes ônibus, mas quase sempre ia andando mesmo. Ele conhecia todos os taxistas da região (e podem escrever: é bem mais barato andar de táxi do que ter carro).
Como eu passava doze horas por dia na escola, ou indo e voltando dela, só me lem
bro mais da minha vida em Higienópolis depois que terminei o segundo grau. Primeiro que exigi ganhar como presente de aniversário de 18 anos um cachorrinho (não tínhamos um bicho desde que saímos do Rio, e eu sentia muita falta), o Piteco, Pity pros íntimos. Eu o levava pra passear pelo bairro, e aí sim tive mais contato com outras pessoas e seus cães (tem muito cachorro em Higienópolis). A gente só falava de animais. Eu notava que o pessoal era conservador quando o tema da conversa mudava. Percebi que ninguém votou na Erundina pra prefeita, e muito menos no Lula pra presidente em 89 (mas não foi só Higienópolis que elegeu Collor. Foi SP inteir
a). Às vezes eu passava em frente ao prédio na R. Maranhão onde o FHC vivia (vive ainda, né?). Não era um prédio super luxuoso nem nada. Não sei, mas nos anos 80, apesar de ser um bairro com habitantes de alta renda, Higienópolis não era luxuoso. Não sei como é hoje, faz um tempão que não volto lá. Por exemplo, a Praça Villaboim ainda não tinha sido tomada por um monte de restaurantes caríssimos. Só tinha a Bacco's, do outro lado da praça. O Pão de Açúcar sempre esteve na esquina da minha rua, e sempre foi caro. Imagino que meu pai torrou uma fortuna lá. 
Depois fui cursar propaganda na FAAP. No começo eu ia e voltava andando até lá, lógico, descendo a ladeira arrebatadora da R. Alagoas. Pouco mais tarde fui trabalhar em Moema, e aí eu chegava sempre atrasada na faculdade. Li que hoje a FAAP comporta estudantes com o maior PIB do país, mas naquele período, sei não. Meus colegas eram bem classe média, do tipo que ia tomar café na padaria Barcelona. Lembro que uma das vezes em que a faculdade aumentou o preço das mensalidades, fizemos uma paralisação, gritando “Fun-da-ção / Não visa lucro não!”.
Do que mais me lembro? De duas locadoras de vídeo lá perto. De um clube, o Hobby, mais pra frente na Angélica, do qual fomos filiados por um tempinho (aos 14 anos, eu me apaixonei por um salva-vidas). Na Praça Buenos Aires eu ia pouco. Quando passei a frequentar o Clube de Xadrez, na Rua Araújo, perto do Copan, dava pra ir e voltar a pé à noite, apesar de todas as boates de sexo explícito no caminho. Ah, lembro de uma vez em que a cida
de tinha parado por causa de uma greve geral de ônibus, que eu voltei andando, da Consolação descendo a Angélica, e em plena avenida uma senhora de rua não foi com a minha cara, quebrou uma garrafa e veio pra cima de mim (ou seja, mesmo sem metrô, já havia “gente diferenciada” em Higienópolis). Eu saí correndo, com ela gritando atrás de mim, me perserguindo pela Angélica. Outra vez, fui atacada à noite, quase na frente do meu prédio, por um tarado. Uma das minhas histórias de horror.
No final de 1
990, por aí, nos mudamos pro centro. Bem na Av. São Luís. Foi minha morada preferida em SP, pertinho de tudo mesmo. Eu ia ao cinema várias vezes por semana, andando, à noite (meio perigoso, mas valia o sacrifício). Havia montes de ônibus pra tudo quanto era canto da cidade. A estação da República ficava ao lado. Por pressão minha, meu pai acabou tirando uma carteira que lhe dava direito a transporte público de graça (ele já tinha mais de 65 anos). Muito a contragosto, ele começou a pegar metrô pra ir trabalhar na Pamplona... e adorou! Ele nunca se sentiu tão cidadão como quando andou de metrô.
O maridão brinca até hoje que foi enganado. Quando ele me conheceu, eu morava em Higienópolis, e ele, em Osasco (que pra minha mãe era a sucursal do
inferno na Terra). Poucos meses depois eu me mudei pro centro. E logo em seguida o então namoradão teve de emprestar dinheiro pro meu papi...
P.S.: E hoje é aniversário da Mamacita. Feliz aniversário, mãe, pra você que também viveu uma década em Higienópolis, e deve ter lembranças totalmente diferentes das minhas.



Claro que sou a favor da construção de um metrô na Angélica e em qualquer

Agora com licença, e perdoem meu egoísmo: o que me interessa nessa história toda é que eu morei lá! E ver uma f




Não estou rec


Meu pai, que odiava dirigir, não tinha carro. A gente alugava a nossa vaga na garagem (não sei se tínhamos direito a uma ou duas; hoje, sei que prédio com quatro quartos não têm menos de três vagas por apartamento). Ele ia andando pro trabalho na Brigadeiro com a Paulista, sempre de terno e gravata. Até metade da década ele trabalhava como diretor de marketing da Denison Propaga

Como eu passava doze horas por dia na escola, ou indo e voltando dela, só me lem



Depois fui cursar propaganda na FAAP. No começo eu ia e voltava andando até lá, lógico, descendo a ladeira arrebatadora da R. Alagoas. Pouco mais tarde fui trabalhar em Moema, e aí eu chegava sempre atrasada na faculdade. Li que hoje a FAAP comporta estudantes com o maior PIB do país, mas naquele período, sei não. Meus colegas eram bem classe média, do tipo que ia tomar café na padaria Barcelona. Lembro que uma das vezes em que a faculdade aumentou o preço das mensalidades, fizemos uma paralisação, gritando “Fun-da-ção / Não visa lucro não!”.

Do que mais me lembro? De duas locadoras de vídeo lá perto. De um clube, o Hobby, mais pra frente na Angélica, do qual fomos filiados por um tempinho (aos 14 anos, eu me apaixonei por um salva-vidas). Na Praça Buenos Aires eu ia pouco. Quando passei a frequentar o Clube de Xadrez, na Rua Araújo, perto do Copan, dava pra ir e voltar a pé à noite, apesar de todas as boates de sexo explícito no caminho. Ah, lembro de uma vez em que a cida

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O maridão brinca até hoje que foi enganado. Quando ele me conheceu, eu morava em Higienópolis, e ele, em Osasco (que pra minha mãe era a sucursal do

P.S.: E hoje é aniversário da Mamacita. Feliz aniversário, mãe, pra você que também viveu uma década em Higienópolis, e deve ter lembranças totalmente diferentes das minhas.
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