Saturday, May 21, 2011

RESISTÊNCIA POPULAR, NEGRA E INDÍGENA NA FESTA DA LAVADEIRA - Entrevista com Eduardo Melo, produtor do evento

Acervo Lavadeira

A Festa da Lavadeira é um grande evento que ocorre anualmente, desde 1987, sempre no dia 1º. de maio, na Praia do Paiva, Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco. Um dos principais objetivos da festa é valorizar a cultura popular e, nessa trajetória, o evento se consolidou como o maior espaço de celebração e resistência popular, negra e indígena.
A Festa da Lavadeira ganhou o Prêmio Projeto Culturas Populares, do Ministério da Cultura (Minc) e o de Melhor Projeto de divulgação da Cultura Popular  no Nordeste, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Neste ano de 2011 o evento enfrentou uma campanha de boicote local, o que se materializou como intensificação repreensiva aos movimentos populares. O blog operária das ruínas, estando solidário com a Festa da Lavadeira, publica esta inédita entrevista com Eduardo Melo, idealizador e produtor do evento.



“A pedra rolou, não caiu
O povo gritou "Agô"
(Avarése - Edenal Rodrigues. “Saravando Xangô”)

“Pra toda parte que eu óio
Vejo um verso se bulí”
(Patativa do Assaré. “Cante lá que eu canto cá”)


Acervo Lavadeira


Operária das Ruínas – Como surgiu a Festa da Lavadeira e de que maneira ela se transformou num dos principais espaços para a valorização da cultura popular?

Côco Raízes de Arcoverde. Acervo Lavadeira
Surgiu de forma espontânea e se fortaleceu com o tempo. O público nunca teve expectativas frustradas, a Festa da Lavadeira é a mesma de 1987. Uma festa da cultura popular que não se deixou seduzir pelas facetas do mercado para atrair público e dinheiro, como a febre dos trios elétricos, pagode, brega, sertanejo - caminho seguido por praticamente todas as festas populares, exceto a Lavadeira.  O evento manteve-se é fiel à música etnológica nordestina e tem Axé!

Eduardo Melo. Acervo Lavadeira
Operária das Ruínas – Como funciona a festa e quais manifestações culturais têm visibilidade durante o evento?
A Festa da Lavadeira é construída por representações tradicionais da nossa diversidade, identidade e histórica cultural. Os folguedos típicos da cultura nordestina são preservados e propagados - os Maracatus, caboclinhos, cirandas, reisados, bois, ursos, bacamarteiros, afoxés, mazurcas, cavalos marinhos, entre outras manifestações. A Festa da Lavadeira é Mãe, todos os grupos são iguais e despertam o sentimento de pertencimento e identificação do público.

Operária das Ruínas – Apesar de completar 25 anos de história, a Festa da Lavadeira, nesta edição de 2011, vem enfrentando a ameaça de proibição da sua realização. Em que consiste essa polêmica? Quais interesses estão em jogo ao se tentar coibir a Festa da Lavadeira?
 As ameaças à Festa da Lavadeira vêm desde 1999, só que não era interessante tornar público esta peleja naquele momento porque poderia nos enfraquecer, já que o poder não estava ao nosso favor. O conflito foi aumentando com o tempo, as instituições públicas começaram a compactuar com a intolerância e preconceito dos empreendedores. Mas o tempo de tornar público foi se aproximando, então lançamos o DVD “Sou do Povo, Sou a Festa”, no segundo semestre de 2009. A partir daí a peleja se tornou pública e o sentimento atual é de vitória e permanente resistência. O interesse em impedir a festa é intolerância, preconceito, abuso do poder econômico e apropriação do espaço público. Ou seja, uma série de crimes consentidos pelo Poder Público, o que é um péssimo exemplo e uma suspeita da nossa democracia.

Festa da Lavadeira 2011. Foto: Thiago Angelin Bianchetti
Operária das Ruínas – Neste momento conturbado a coordenação do evento vem contando com o apoio de quais segmentos sociais?
A Festa da Lavadeira recebeu uma grande força popular, o que de fato é o que mais conta, pois a partir daí conseguimos parceiros importantes neste processo de resistência cultural. Os grupos de cultura popular infelizmente não são organizados, sofrem muito e passam pelos mesmos problemas da Festa da Lavadeira, cada um em sua escala. Os terreiros também não estão organizados, pela própria natureza e essência do Candomblé, que não tem nem precisa de um eixo de poder, normas ou comandos. Mas todos individualmente, e em grupos, estão apoiando a Festa da Lavadeira. Institucionalmente, recebemos o apoio do Ministério da Cultura, no último seis de maio, com a aprovação de uma Moção de apoio à Festa da Lavadeira. Temos também o apoio de longa data do Deputado Federal Fernando Ferro (PT), que esteve na Fundação Palmares articulando proteções para a Festa da Lavadeira. Edilson Silva, candidato a governador de Pernambuco pelo Psol, tem se empenhado e articulado o apoio de mais de cinquenta representações de classe, organizações sociais, diretórios acadêmicos e sindicatos. A Festa da Lavadeira conquistou uma imediata receptividade à causa a partir das redes sociais da internet, os apelos dos brincantes se tornaram públicos. As redes sociais também substituíram a imprensa oficial, que neste ano praticamente em nada se manifestou. Vamos em frente, estamos nos fortalecendo a cada dia!

Operária das Ruínas – Apesar de o mito da democracia racial ser uma das principais crenças brasileiras, as ações de intolerância religiosa (que não são fatos isolados) têm sido cada vez mais freqüentes em todo o país. Considerando o aspecto religioso também vinculado à Festa da Lavadeira, de que maneira o evento se articula com o combate à intolerância?
Acervo Lavadeira

Como disse antes, os terreiros e grupo da cultura popular não estão bem organizados, os folguedos são reféns do Governo Estadual e Municipal. Além disso, não temos representatividade nas Câmaras Municipais nem na Assembléia Legislativa, o que demonstra o “racismo institucional” e o isolamento do nosso Patrimônio Cultural, que normalmente tem um tratamento assistencial e não de protagonismo, qualidade e sustentabilidade. Quanto à Festa da Lavadeira, a única forma de combatermos a intolerância é contar com o apoio do Governo Federal e tentar manter o grande público antenado e envolvido com o evento, com a defesa da nossa cultura ancestral.  
Maracatu Leão da Campina (Festa da Lavadeira 2011). Foto: Thiago Angelin Bianchetti

Operária das Ruínas – Em tempos de ampla divulgação da música para consumo instantâneo, o atual Secretário de Cultura do Estado da Paraíba, o artista Chico Cesar, causou polêmica ao afirmar que nos festejos juninos o poder público irá priorizar os artistas populares. De que maneira você interpreta as reações negativas a essa afirmação, sobretudo aquelas veiculadas pela grande mídia?
Acervo Lavadeira

O que Chico Cesar diz é óbvio e representa o papel e compromisso do Poder Público, incentivar a cultura local, principalmente em suas datas historicamente festivas, como o São João, Carnaval, datas simbólicas, comemorativas. A nossa identidade tem que estar presente, é assim em todo lugar do mundo desenvolvido. Dá pra imaginar uma festa tradicional da Inglaterra ser comemorada com Roberto Carlos?! Comemorar os centos anos de Barcelona com Ivete Sangalo?! Chega a ser bizarro, mas aqui é o comum. Desde as festas municipais que deveriam valorizar suas tradições até as festas comemorativas do Estado, que deslocam a atração principal para algo apenas comercial - isto é um desserviço. Entretenimento, mercado e mídia não deveriam pertencer ao universo do poder público, muito menos em relação à cultura.
Operária das Ruínas – O educador pernambucano Paulo Freire afirmou, na sua última obra, que “não é na resignação mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos”. Aproveitando essas palavras, qual reflexão você pode realizar para encerrarmos esta entrevista?
Mãe Dete (Yalassé Hildeth Roda) ao meio. Acervo Lavadeira
Festa da Lavadeira há algum tempo saiu da “zona de conforto”, é identificada pelo poder econômico como “não grata”, o que traz muitas dificuldades para sua realização, tanto em relação aos patrocínios privados, como na divulgação pela imprensa oficial. Contudo, o reconhecimento do público e o sentimento de pertencimento adquirido se contrapõem com este desafio. Todo ano é um novo jogo, estamos avançando, e é certo que a resistência, a rebeldia e o sentimento público de justiça que se incorporaram definitivamente à história da Festa da Lavadeira a torna praticamente invencível. Do chão ao palco, do palco ao chão, com carro de som ou no grito, nossa cultura se impõe no dia 01 de maio. 
 
Eduardo Melo assim se define: “Ex poeta, ex artista plástico, ainda produtor cultural e quase livre de tudo”. Eduardo é o idealizador da Festa da Lavadeira e atua como produtor do evento desde 1987.


Conheça a Festa da Lavadeira:
Site oficial: www.festadalavadeira.com.br
Blog: www.festadalavadeira.blogspot.com





GALERIA – APRESENTAÇÕES NA FESTA DA LAVADEIRA:


Grupo Fethxá - Índios da Tribo Fulni-ô. Acervo Lavadeira

Grupo Fethxá - Índios da Tribo Fulni-ô. Acervo Lavadeira.

Mestre Ferrugem. Acervo Lavadeira

Côco Tebei de Tacaratu-PE. Acervo Lavadeira.

Selma do Côco. Acervo Lavadeira.

A Burra Calu do Maracatu Leão Vencedor de Carpina. Acervo Lavadeira.

 

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