Semana passada vários portais de notícias deram repercussão ao protesto da Slut Walk, traduzido como a Marcha das Vagabundas. O movimento começou em janeiro, qua
ndo um policial, numa palestra sobre segurança numa universidade canadense, afirmou aos alunos e, principalmente, às alunas: “Vocês sabem, eu acho que nós estamos fazendo rodeios aqui. Disseram-me que eu não deveria dizer isso, mas as mulheres devem evitar se vestir como vagabundas, para não se tornarem vítimas de ataques sexuais”. Por que será que “disseram-lhe” que ele não deveria proferir essas nada sábias palavras? Bom, primeiro porque não pega bem um representante da polícia diz
er isso. A polícia de todos os países sempre lidou extremamente mal com denúncias de estupro -– tão mal que, na década de 70, delegacias especiais só para mulheres tiveram de ser criadas (Susan Brownmiller explica como a polícia de Nova York, por exemplo, encarava estupro: como uma ficção; uma queixa de prostitutas que não foram pagas pelos seus serviços). Segundo porque estupro é um crime praticamente impune, se a gente for pensar em quantas vítimas denunciam, quantos casos são aceitos, e quantos resultam em condenações (um por cento tá bom pra vocês?). Terceiro que faz parte do senso comum culpar a vítima. Todas nós já escutamos, e muitas de nós já perguntamos, “O que ela tava vestindo?”. Eu
lembro bem de ouvir um grupo de amigos dizer que algumas mulheres se vestem tão ousadamente que é como se elas estivessem pedindo pra ser estupradas. Que essa ignorância venha de leigos sem empatia já é condenável. Que venha da polícia é mais sério ainda. E, por último, se tudo isso não for convincente, porque é mentira. Homens não estupram mulheres pelas roupas que elas vestem. Assim como não estupram apenas moças belas e jovens. Assim como não são levados por um desejo sexual incontrolável. Tudo isso é ficção. Homens estupram pelo poder que isso dá. O afrodisía
co é a sensação de poder, de humilhação, de controle, muito mais que o sexo em si. Estupro está muito mais relacionado com violência que com sexo.
Infelizmente, vivemos numa cultura em que nós, mulheres, somos ensinadas a ter muito medo, a nos sentirmos ameaçadas o tempo todo, a não reagir, a não denunciar, a nos sentirmos culpadas. Em suma, ouvimos desde pequenas como devemos nos comportar para evitar o estupro (não vista essas roupas, não ande naquela rua, não saia à noite, cuidado com
todos os homens), mas ninguém diz o óbvio. Ninguém ensina os homens a não estuprar. E deveria ser este o foco, certo? Afinal, se um terço das mulheres no mundo é vítima de algum tipo de abuso sexual, é sinal de que tem alguém abusando. E não é um ou outro maníaco isolado. São homens comuns. Calcula-se que entre 70% e 80% dos estupros são cometidos por conhecidos (pais, padrastos, tios, avôs, irmãos, amigos), não por um estranho numa rua escura que não se contém ao ver uma moça de minissaia.
Para protestar con
tra a barbaridade do policial (que foi repreendido), um pequeno grupo de mulheres convocou uma marcha em que se vestiriam de sluts (piranhas, vagabundas, vadias), e portariam posters que dissessem que o corpo é delas, e que a roupa não importa. A marcha foi um sucesso, e inspirou outras em vários países. Pelas fotos da mais recente, realizada em Boston, podemos ver um grande número de homens dando apoio, e boa parte das mulheres vestida normalmente (até porque, nesses país
es do norte, ainda é muito frio em abril e maio pra sair com pouca roupa). As manifestantes também querem se apropriar do termo slut e usá-lo de forma positiva, como os gays conseguiram fazer com a expressão queer.
Pessoalmente, acho digno e importante que lutemos para que a sexualidade feminina seja vista como algo positivo. Mas também sei que esse tipo de protesto só atrai tantos fotógrafos porque há a esperança de ver moças em trajes íntimos.
A marcha me par
ece um movimento sério e bem espontâneo, mas não sei se dá pra dizer o mesmo do grupo ucraniano Femen, que também seduz uma mídia danada. As lindas loiras do Femen protestam não só contra o machismo, mas contra Chernobyl, contra corrupção na polícia, a favor das vítimas do terremoto no Japão, na comemoração da libertação dos campos de concentração... Enfim, tudo é pretexto para que elas posem de peito nu (o que não deve ser fácil no frio ucraniano). Por causa disso, são chamadas pejorativamente de racktivists (mistura de rack, busto, com ativistas). Certamente funciona: elas chamam muita atenção pra sua causa. Só não tenho certeza que alguém tá olhando p
ra causa delas.
Ainda não tenho opinião formada sobre o Femen. Mas suponho que, se criticamos o grupo de direitos animais PETA, também devemos criticar o Femen. O PETA é constantemente acusado de, para servir à causa animal, explorar a nudez feminina. Não é apenas que celebridades vegetarianas posem sem roupa (a campanha “Prefiro ficar nua a usar pele” é famosa; e também o tipo de anúncio “Você quer o meu corpo?”, que u
sa o duplo sentido do desejo com a promessa falsa de que é só largar a carne para ter um corpo perfeito como o da modelo). Quase todas as ações “de guerrilha” do PETA (invasão de lojas e desfiles, exibições diante de restaurantes) usam o artifício de militantes jovens e bonitas vestindo biquíni.
Tudo isso acaba chegando ao Brasil. Não sei se vocês lembram que, em 2009, um grupo de estudantes (mulheres e homens) da Universidade de Brasília tirou a roupa para reclamar da expulsão de Geisy da Uniban. Essa espécie de protesto sempre vai atrair muito mais mídia que um seminário cheio de intelectuais depondo contra o sexismo, até porque as notícias, hoj
e em dia, preferem imagens a palavras. O problema é que, desta forma, além de nos expormos a marmanjos que avaliarão quais manifestantes “podem” se despir (essa vale a pena ver pelada, essa só deveria usar burca), estamos nos encaixando num dos papéis esperados das mulheres, o de objetos sexuais. E estamos também acostumando uma mídia cada vez mais preguiçosa a só dar destaque a ações políticas plenas de ativistas seminuas.
É aquele velho dilema: os fins justificam os meios? Juro que não sei.




Infelizmente, vivemos numa cultura em que nós, mulheres, somos ensinadas a ter muito medo, a nos sentirmos ameaçadas o tempo todo, a não reagir, a não denunciar, a nos sentirmos culpadas. Em suma, ouvimos desde pequenas como devemos nos comportar para evitar o estupro (não vista essas roupas, não ande naquela rua, não saia à noite, cuidado com

Para protestar con


Pessoalmente, acho digno e importante que lutemos para que a sexualidade feminina seja vista como algo positivo. Mas também sei que esse tipo de protesto só atrai tantos fotógrafos porque há a esperança de ver moças em trajes íntimos.
A marcha me par


Ainda não tenho opinião formada sobre o Femen. Mas suponho que, se criticamos o grupo de direitos animais PETA, também devemos criticar o Femen. O PETA é constantemente acusado de, para servir à causa animal, explorar a nudez feminina. Não é apenas que celebridades vegetarianas posem sem roupa (a campanha “Prefiro ficar nua a usar pele” é famosa; e também o tipo de anúncio “Você quer o meu corpo?”, que u

Tudo isso acaba chegando ao Brasil. Não sei se vocês lembram que, em 2009, um grupo de estudantes (mulheres e homens) da Universidade de Brasília tirou a roupa para reclamar da expulsão de Geisy da Uniban. Essa espécie de protesto sempre vai atrair muito mais mídia que um seminário cheio de intelectuais depondo contra o sexismo, até porque as notícias, hoj

É aquele velho dilema: os fins justificam os meios? Juro que não sei.
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